Valor Econômico
Exportações devem superar com folga
importações neste ano e nos próximos, mantendo o déficit em conta corrente na
casa de 1% do PIB
A balança comercial começou 2024 com um superávit expressivo em janeiro, tendência que deverá continuar ao longo do ano, ratificando a solidez das contas externas. O saldo deverá ser menor que os US$ 98,8 bilhões de 2023, mas ainda assim seguirá elevado - o Itaú Unibanco, por exemplo, estima US$ 85 bilhões. Nesse cenário, o déficit em conta corrente, que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior, poderá ficar na casa de 1% do PIB neste ano e nos próximos, nível um pouco abaixo do 1,3% do PIB de 2023, o menor desde 2017. É um fator que contribui para o câmbio se manter abaixo de R$ 5, podendo fechar o ano em R$ 4,70, na visão do Bradesco. Os investidores estrangeiros se sentem mais confortáveis em aplicar em ativos do Brasil, que conta ainda com US$ 355 bilhões em reservas internacionais.
Os números da balança comercial estão longe
de serem triviais. Em janeiro, houve superávit de US$ 6,5 bilhões, 185% acima
dos US$ 2,3 bilhões do mesmo mês de 2023, levando o acumulado em 12 meses a
ficar perto de US$ 103 bilhões. Na média anualizada dos três meses até janeiro,
com ajuste sazonal, o saldo se aproxima de US$ 130 bilhões, segundo o Itaú
Unibanco.
“O resultado se dá com bom desempenho das
exportações, enquanto as importações seguem em ritmo mais fraco”, embora com
alguma melhora recente, afirmam analistas do banco. “O ritmo robusto do
comércio exterior deve se manter nos próximos anos, com melhora estrutural da
balança comercial brasileira. Projetamos superávit de US$ 85 bilhões em 2024 e
US$ 70 bilhões em 2025”, diz o banco, na projeção de acordo com os critérios da
Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
O saldo tem sido puxado pelas exportações de
commodities, especialmente soja, petróleo e minério de ferro. As vendas de
commodities explicam mais de 50% das vendas brasileiras desde 2009, quando o
percentual foi de 53%, apontam os analistas do Índice de Comércio Exterior
(Icomex) da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Em 2022, a participação foi de 68%
e, em 2023, 69%”, segundo eles. “Observa-se que o volume exportado das
commodities mostra uma tendência ascendente e a variação anual de 14,2% em 2023
foi a maior da série, desde 2008. Antes, a maior variação havia sido de 13,5%,
entre 2014 e 2015.” Os preços desse produtos, por sua vez, recuaram 9,3% no ano
passado.
Em relatório sobre as contas externas, o
economista Rafael Murrer, do Bradesco,
diz que “os aumentos esperados da produção de petróleo e da produtividade do
setor agropecuário serão os responsáveis pela manutenção da balança comercial
em nível próximo ao do ano passado, uma vez que são mais estruturais”. Para
2024, ele espera que o saldo comercial fique em US$ 74,5 bilhões pelos
critérios usados pelo Banco Central (BC) para o balanço de pagamentos, que
considera em seus cálculos importações de pequeno valor, investimento em
criptomoedas e importações de plataformas de petróleo pelo Repetro. Isso
diminui o superávit comercial levado em conta nas estatísticas do setor
externo, mas ainda assim o número de 2023, embora menor que os US$ 98,8 bilhões
apontados pela Secex, também ficou elevado pelos números do BC - US$ 80,5
bilhões, 82,4% acima dos US$ 44,2 bilhões de 2022.
Com o novo nível da balança comercial,
o Bradesco espera
que o déficit em conta corrente passe a oscilar na casa de 1% do PIB em 2024 e
nos próximos anos. “Esse nível é estruturalmente baixo, dado o nosso
histórico”, escreve Murrer, lembrando que, “desde 2000, a média do nosso saldo
em conta corrente é de um déficit de 1,9% do PIB ao ano”. Para o economista
do Bradesco,
esse cenário favorável para as contas externas vai ser “um fundamento
importante para a apreciação cambial ao longo deste ano, assim como ocorrido no
ano passado”. No relatório, ele estima que o valor justo para o dólar está na
casa de R$ 4,70 quando se adotam as projeções do Bradesco para
2024 de “preços de commodities, PIB, saldo em conta corrente e expectativa de
inflação a partir do nível nominal atual”. Murrer avalia que o câmbio vai se
valorizar ao longo do ano, atingindo R$ 4,70 em dezembro. Na sexta-feira, o
dólar fechou cotado a R$ 4,9661.
Como se vê, as contas externas mostram
solidez, sendo o aspecto mais positivo da economia brasileira atualmente. É
desejável uma diversificação maior da pauta exportadora, com presença de mais
produtos manufaturados, assim como um peso menor da China no total vendido ao
exterior - em 2023, a fatia destinada ao país asiático foi de 30,7%. Ainda
assim, o forte saldo comercial é um trunfo importante, que torna o país mais
blindado em caso de incertezas no cenário global. Ao manter o câmbio mais
valorizado e menos volátil, contribui para o BC ter mais tranquilidade para
prosseguir no ciclo de queda dos juros.
Essa força das contas externas, porém, não
deveria levar à complacência com a política fiscal. Sem resolver os problemas
das contas públicas, não será possível reduzir estruturalmente o nível dos
juros. Além disso, a situação das contas externas, embora seja confortável,
pode mudar se houver uma queda mais forte dos preços de commodities, o que é
uma possibilidade em caso de uma desaceleração mais forte da economia da China
e dos países desenvolvidos. Isso poderia levar a um recuo expressivo dos termos
de troca (a relação entre preços de exportação e de importação), como ocorreu
entre o começo de 2012 e meados de 2016. O saldo comercial tenderia a diminuir,
elevando o déficit em conta corrente e levando à desvalorização da moeda. É
algo que hoje está fora do radar dos analistas, mas que não se pode descartar.
Reduzir as incertezas fiscais ajuda a evitar o país a ficar na berlinda caso o
cenário global fique mais hostil aos emergentes, ainda que esse risco não
pareça iminente.
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