Valor Econômico
Ex-presidente está na defensiva, não na
ofensiva
“Ninguém ganha uma briga contra o Supremo”. A
frase, de um advogado com enorme trânsito nos três Poderes, ganhou ares de
alerta nessa quinta-feira, com o depoimento simultâneo de 23 implicados na
investigação do Judiciário sobre a conspiração golpista do ex-presidente Jair
Bolsonaro, 90 minutos antes da posse de Flávio Dino como ministro do STF.
Nesse domingo, em São Paulo, Bolsonaro recoloca a oposição nas ruas, o que o entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre temeu. Multidões protestando na rua sempre são uma péssima notícia para qualquer governante de turno, mas o diferencial que diminui o poder de desestabilização da manifestação deste domingo é que Bolsonaro está na defensiva, e não na ofensiva.
A credencial de fiador da democracia que o
Supremo recebeu por sua atuação em 2022 consolidou um deslocamento do eixo de
poder em Brasília. A contenção às investidas contra a ordem democrática não foi
o único movimento do Supremo nos últimos anos. A partir de 2019, a cúpula do
Judiciário também enquadrou a primeira instância, com as sucessivas decisões
que foram levando a uma revisão da Lava-Jato. O protagonismo cada vez maior da
Justiça se manteve, mas voltou a ser concentrado nas cortes que sempre tiveram
interface com o poder político: STF e STJ.
Nunca a cúpula do Judiciário exerceu com
tamanha força o poder de dissuasão de que dispõe, e consequentemente nunca os
gabinetes do STF e do STJ foram tão buscados para a composição de interesses.
A ressaca do 8 de janeiro deu a Lula uma
oportunidade de governar durante 13 meses o país sem a variável das ruas em
ação. Todo o noticiário desde então girou em torno da luta do governo para
criar espaço fiscal, batalha na qual barganha o controle do Orçamento com a
cúpula do Congresso Nacional.
É nesse contexto que se deve entender o
alcance da manifestação que Bolsonaro promoverá no domingo. A tensão das ruas,
a consolidação da oposição, o eventual impacto na popularidade de Lula não
altera, em um primeiro momento, o equilíbrio de forças no Legislativo e muito
menos influencia o Judiciário. Mas pode criar sementes para uma solução
política que, muito mais adiante, beneficie o ex-presidente.
Bolsonaro não tem forças para bater de frente
com o Judiciário e tem demonstrado isso. O ex-presidente chegou a ameaçar não
comparecer à oitiva na Polícia Federal dessa quinta, mas, como tem feito desde
sempre, não ousou cruzar a linha vermelha da desobediência judicial.
Faz apenas duas semanas que a Polícia Federal
bateu à sua porta, em Angra dos Reis (RJ). Bolsonaro sente a pressão do
Judiciário desde antes de sua posse. Até onde se sabe, mesmo na condição de
comandante supremo das Forças Armadas, Bolsonaro não conseguiu ou não se
atreveu a golpear a Justiça. Se em algum tempo o ex-presidente acreditou que
para fechar o Supremo bastava um cabo e um soldado, como disse seu filho em
2018, não pagou para ver durante sua Presidência.
Caso tenha estado por trás dos desvarios de 8
de janeiro, o que resta ainda a ser provado, teve um duro ensinamento. Ficou
provada a resiliência das instituições brasileiras, em especial a do
Judiciário. Difícil crer que Bolsonaro irá, da praça pública, produzir
argumentos que embasem uma ordem de prisão preventiva.
O mais perturbador para Bolsonaro é a
companhia como depoente nesta quinta do presidente nacional do PL, Valdemar
Costa Neto. O dirigente sempre se destacou pelo pragmatismo, não pelas suas
convicções ideológicas de direita. Ao contrário de Bolsonaro e de outros
investigados, Valdemar não ficou calado ao ser ouvido na Polícia Federal. No
momento em que esta coluna é escrita ainda não se sabe o que disse, mas no
mínimo pode-se observar que há uma diferença de estratégia entre o
ex-presidente e o ex-deputado.
Essa espada sobre a cabeça de Bolsonaro deve
limitar o alcance do comício da Avenida Paulista este domingo. Como qualquer
pessoa com problemas na Justiça que dispõe de um holofote buscará a
vitimização, mas as circunstâncias mudaram em relação às existentes em outras
concentrações que promoveu. Ele tem ainda menos margem para uma guerra contra o
Judiciário do que tinha em 2021 ou 2022. Nenhuma demonstração de prestígio
popular consegue se sobrepor às novidades que podem aparecer nos inquéritos a
que o ex-presidente responde.
O que Bolsonaro consegue com relativa
facilidade é reforçar o ambiente de polarização e, dessa forma, exercer o
monopólio da oposição ao atual presidente da República. A presença de
oposicionistas presidenciáveis em seu palanque, como é o caso do governador de
São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o de Goiás, Ronaldo Caiado, deixará claro o
rumo. Uma eventual vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos em
novembro tende a reforçar ainda mais essa tendência.
Não é à toa que a defesa de uma anistia ao
ex-presidente começa a surgir. Eis uma promessa que pode ser feita por aqueles
que pretendem receber o aval de Bolsonaro. Quem a verbalizou nessa quinta-feira
foi o governador goiano. “Precisamos acalmar o país e lutar por um clima
político de convivência pacífica”, afirmou, segundo o repórter Lucas Ferraz,
do Valor. Caiado, aliás, marcou presença na posse de Dino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário