Folha de S. Paulo
Em sua obra, economista aliou meticulosidade
à sua admirável erudição
No dia 21 de fevereiro de 2024, as ciências
sociais brasileiras receberam um golpe triplo: Affonso
Celso Pastore, Luiz
Werneck Vianna e Mauro
Boianovsky nos deixaram. Destacarei a obra de Mauro Boianovsky, pela
sua importância no campo da história das ideias econômicas.
Figura proeminente, com destacada carreira
como professor na Universidade de Brasília, Mauro foi um dos pesquisadores mais influentes do mundo, tendo presidido a History of Economics Society (HES) no biênio
2016-17 e recebido inúmeros prêmios por suas contribuições.
Boianovsky atuou como embaixador do pensamento econômico brasileiro no exterior e enriqueceu o diálogo global sobre a evolução da economia como campo do conhecimento. Sua vasta obra abrange o pensamento econômico brasileiro e as contribuições de economistas de renome internacional, bem como a evolução de teorias econômicas, com destaque para a macroeconomia, em contextos históricos variados.
Sempre meticuloso e com admirável erudição,
Boianovsky trouxe à luz as complexidades do estruturalismo latino-americano,
explorando a profundidade da visão de Celso Furtado sobre a industrialização e
a dependência tecnológica, temas que permanecem relevantes nas discussões sobre
desenvolvimento econômico.
Boianovsky também defendeu a prioridade de Mário Henrique Simonsen no entendimento
de restrições quantitativas na decisão de consumo (cash-in-advance constraint)
e revelou a sofisticação do pensamento de Simonsen sobre política econômica e
teoria monetária.
Sua notável habilidade em traçar conexões
entre diferentes escolas de pensamento e períodos históricos ampliava nossa
compreensão acerca das dinâmicas que moldam as políticas econômicas e teorias
ao longo do tempo. Exemplo notório dessa habilidade fica evidente em seu
trabalho sobre inflação e estabilização na América Latina, no qual ele
combina análise econômica com uma compreensão profunda dos contextos políticos
e sociais.
Fui diretamente influenciado pela reconstituição e ressignificação que Mauro fez do pensamento de Knut Wicksell, economista sueco que antecipou em um século
o modelo básico de metas de inflação e o conceito de taxa de juros neutra que
dominam os debates contemporâneos sobre política monetária.
Seu livro "Transforming modern macroeconomics: exploring
disequilibrium microfoundations (1956-2003)", escrito com o pesquisador
britânico Roger Backhouse, faz uma magistral reconstrução do pensamento
macroeconômico, narrando a busca de fundamentos microeconômicos do
desequilíbrio compatíveis com a teoria macroeconômica keynesiana. Esse programa
de pesquisa influenciaria a safra de modelos estocásticos dinâmicos usados
pelos Bancos Centrais atualmente. O livro foi escolhido pela Sociedade Europeia
de História do Pensamento Econômico (ESHET) como a melhor obra de 2013.
Recentemente, Mauro explorou como as viagens de economistas pelo mundo afetaram suas
visões sobre a economia e como o contexto do regime militar afetou o debate brasileiro sobre distribuição de renda nos anos 1970 (em
parceria com Alexandre Andrada). Organizou com Ricardo Bielschowsky e Maurício
Coutinho um compêndio sobre o pensamento econômico brasileiro da
era colonial até o século 21, no qual Mauro analisa a formação da comunidade científica em economia no Brasil a partir
dos anos 1960.
A obra de Mauro Boianovsky é essencial para
qualquer pessoa interessada na evolução do pensamento econômico. Sua partida
prematura é uma perda inestimável para o campo da economia.
Deixo esta singela homenagem ao mestre que
tanto influenciou toda uma geração de pesquisadores no Brasil e no mundo.
Descanse em paz, Mauro.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em
economia do desenvolvimento pela FEA-USP
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