Folha de S. Paulo
Netanyahu ameaça implodir plano de paz,
provocando um prolongado ciclo de violência
A guerra em Gaza atingiu uma bifurcação. As
negociações em curso, entre EUA, Israel, Egito e Qatar, para uma longa trégua
com troca de reféns por prisioneiros sinalizam um caminho. O caminho oposto é
indicado pelo plano militar de Netanyahu de avançar as forças israelenses rumo
a Rafah. Mais que uma bifurcação conjuntural, Israel encontra-se diante de uma
encruzilhada histórica.
A via da trégua negociada aponta, no fim de uma longa e incerta estrada, para a meta da paz regional. Seus três pilares seriam a marginalização do Hamas, a criação de um Estado palestino e a edificação de um sistema de segurança compartilhado entre Israel e os países árabes.
Depois da Guerra dos Seis Dias (1967), os
países árabes declararam os "três nãos", recusando reconhecimento,
negociações e paz com Israel. Hoje, é o contrário: a hostilidade ao Irã e às
milícias sob seu patrocínio empurram os governos árabes na direção de um acordo
com o Estado judeu. Nas conversações com Blinken, secretário de Estado dos EUA,
Egito, Jordânia, Arábia Saudita e Emirados
Árabes ofereceram o esboço de um plano de paz que contempla a
segurança de Israel e a reconstrução da Faixa de Gaza. A contrapartida que
exigem é o surgimento do Estado palestino.
As forças israelenses quase completaram o
desmantelamento do aparato militar e governamental do Hamas. Mas a etapa final
não pode ser cumprida por meios militares. O grupo terrorista precisa ser
derrotado politicamente por uma Autoridade Palestina renovada, capaz de
oferecer um governo legítimo aos habitantes de Gaza e da Cisjordânia.
Israel tem a chave da prisão na qual, desde
2002, está encarcerado Marwan Barghouti, líder das intifadas, defensor da paz
em dois Estados e única liderança que conta com apoio majoritário do povo
palestino. Sua libertação é o passo indispensável para desenraizar o Hamas. Uma
Autoridade Palestina dirigida por Barghouti formaria o esteio para um governo
unificado na Cisjordânia e Gaza, o embrião do Estado palestino.
O rochedo no caminho chama-se Netanyahu. Seu
governo, uma coalizão do Likud com supremacistas de extrema direita, foi
golpeado pelas manifestações populares que bloquearam a reforma judicial
autoritária. Depois, no 7/10, foi ferido mortalmente pelos bárbaros atentados
do Hamas que destruíram o edifício da "segurança sem paz" erguido
desde 2009. De lá para cá, a guerra sem fim transformou-se na sua boia de
salvação –e, por isso, desafiando os EUA, Netanyahu anuncia a expansão da
invasão militar na área de Rafah.
Rafah abriga mais de um milhão de deslocados
internos de Gaza, grande parte deles em campos de tendas. O avanço das forças
israelenses provocaria um desastre humanitário ainda maior, pois inexistem
áreas disponíveis para novos deslocamentos. Apesar do fechamento da fronteira,
o Egito teme um transbordamento do fluxo de refugiados para o Sinai. O plano de
guerra de Netanyahu ameaça implodir o plano de paz dos países árabes, atirando
o Oriente Médio num prolongado ciclo de violência.
É precisamente isso que buscam os
supremacistas judaicos aninhados no governo de Israel. Eles sonham com a
anexação definitiva dos territórios ocupados e uma limpeza étnica completa na
Faixa de Gaza. A consequência inevitável de seu projeto seria converter em
realidade a falsa acusação de genocídio lançada contra Israel. Nessa hipótese,
em meio ao caos, o Estado judeu perderia sua legitimidade histórica.
Ironicamente, não é outro o resultado final almejado pelo Irã, o Hamas e o Hezbollah.
"Nós, israelenses só teremos segurança
quando eles, palestinos, tiverem esperança. Esta é a equação." A síntese
de Ami Ayalon, ex-chefe do Shin Bet, a agência de segurança interna de Israel,
tem uma implicação: o Estado judeu precisa livrar-se de Netanyahu e de seu
cortejo de extremistas devotado à sabotagem da paz.
*Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
2 comentários:
até que enfim, Magnoli, uma dentro.
Aliás, no alvo.
Aliás mesmo, receita exata e perfeita!
Verdade.
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