Ocidente precisa estar mais unido contra a Rússia
O Globo
Morte de Navalny, opositor de Putin, deveria
levar recalcitrantes a assumir postura mais firme contra o autocrata
A morte, anunciada pelas autoridades, do oposicionista russo Alexei Navalny, numa prisão a poucos quilômetros do Ártico, põe mais uma vez em evidência os métodos usados pelo regime de Vladimir Putin contra seus adversários. Navalny passa a integrar — ao lado de Boris Nemtsov, Anna Politkovskaya, Alexander Litvinenko, Evgeni Prigojin e tantos outros — a longa lista de opositores mortos desde que Putin chegou ao poder. Sobre todos esses casos, paira a indefectível sombra do Kremlin, cujos interesses costumam ser subitamente favorecidos pela extinção de rivais em circunstâncias suspeitas.
Navalny já fora vítima de envenenamento. Em
agosto de 2020, começou a passar mal num voo da Sibéria a Moscou. O piloto fez
um pouso de emergência, Navalny foi tratado e se recuperou na Alemanha.
Advogado filho de russa e ucraniano, àquela altura ele já era o principal líder
da oposição, conhecido por ter denunciado inúmeros esquemas de corrupção sob
Putin. Jamais quis sair do país, mesmo depois de envenenado. Continuou a
liderar protestos e contava disputar eleições, até ser preso sob acusações
fajutas de extremismo. Em seu blog, mostrou um telefonema a um espião do
governo em que se fez passar pelo assistente de uma autoridade e arrancou dele
que o veneno usado contra si fora posto na cueca. Médicos alemães identificaram
em seu corpo o novichok, agente nervoso letal desenvolvido na ex-União
Soviética, fabricado apenas na Rússia e usado contra
outros opositores. Putin, ao comentar a acusação de que mandara eliminar
Navalny, disse que, se o Kremlin quisesse matá-lo, ele já estaria morto.
Sua morte tende a agravar o isolamento de
Putin do Ocidente. Mas não é fácil isolar comercialmente um exportador de
petróleo. Putin tem driblado as sanções impostas depois da invasão da Ucrânia
e, no campo de batalha, seus generais têm mantido vantagem sobre os
adversários. Com a alta do petróleo, Moscou ganhou exportando para a China e
outros mercados. A guerra lançou a Rússia na esfera de influência chinesa. O
Kremlin desenvolve, ainda, armas de nova geração. A última, capaz de destruir
satélites, foi considerada “preocupante” pelos americanos.
Putin constrói uma autocracia bélica e
deposita esperanças na volta de Donald Trump à Casa Branca. Em seu governo,
Trump colecionou rusgas com aliados europeus. Na atual campanha, para gáudio de
Putin, ameaçou romper o artigo de solidariedade que mantém coesa a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Entre trumpistas cresce a admiração por
Putin, entrevistado recentemente por Tucker Carlson, propagandista de Trump.
Longe da propaganda, as circunstâncias que
cercam a morte de Navalny, reveladoras da falta de escrúpulos de Putin, são um
recado aos recalcitrantes. O Congresso americano precisa aprovar novo auxílio
militar e financeiro à Ucrânia. E países que favorecem Putin nos foros
internacionais (como a Hungria) ou que lhe dão o benefício da dúvida (como o
Brasil) têm o dever de assumir postura mais firme contra ele.
O recado de Navalny sobre a realidade cruel
da Rússia foi dado na filmagem do documentário que venceu o Oscar narrando sua
saga. Questionado sobre a mensagem que deixaria caso fosse assassinado,
afirmou: “Se decidirem me matar, isso prova que sou incrivelmente forte. Não
percebemos quão fortes somos. Precisamos saber usar esse enorme poder. Não
desistam”.
Erros que permitiram fuga de Mossoró servem
de alerta para as autoridades
O Globo
Presos estavam em local inadequado,
monitoramento falhou e resposta foi lenta
As informações que vieram a público até agora
sobre a fuga de dois chefões do tráfico da Penitenciária Federal de Mossoró
(RN) não se encaixam no manual de uma unidade de segurança máxima e põem em
xeque a credibilidade dos presídios federais. A fuga, ocorrida por volta das
3h30 da última quarta-feira, expôs
falhas que não poderiam ter acontecido.
A hipótese de facilitação ainda está sob
investigação, mas, independentemente da conclusão, o que já foi divulgado
deveria servir de alerta para as autoridades. Os presos fizeram buracos na
parede das celas simultaneamente (estavam em espaços separados), arrancaram a
fiação e acessaram um terraço usado para banhos de sol, que armazenava material
de construção e ferramentas. Suspeita-se que tenham tirado dali o objeto
cortante usado para romper o alambrado e ir embora. Não se sabe por que não
estavam em celas habituais, menos vulneráveis.
A fuga poderia ter sido detectada, pois o
ambiente é quase todo monitorado. Não há câmeras nas celas, mas há em
corredores e pátios. Parte dos equipamentos estava quebrada, mas foram filmadas
imagens dos criminosos deixando o presídio uniformizados. Em nenhum momento a
movimentação atípica da dupla foi percebida, embora houvesse equipes de
monitoramento tanto em Mossoró quanto em Brasília. Foram relatados ainda
problemas de iluminação, com parte das lâmpadas apagadas. O ministro da Justiça
e Segurança Pública, Ricardo
Lewandowski, afirmou que os funcionários da penitenciária estavam
“mais relaxados” devido ao feriado de carnaval.
Além dos erros evidentes, a resposta foi
lenta. Só se percebeu que os presos não estavam mais nas celas às 5h, quase
duas horas depois da evasão. Embora o presídio fique distante do perímetro
urbano de Mossoró e seja cercado por mata, os criminosos ganharam tempo. A
Polícia Federal montou uma operação de captura com 300 agentes, drones e
helicópteros. Encontrou rastros dos criminosos, mas a demora na reação tornou o
trabalho mais difícil.
Lewandowski anunciou medidas para aumentar a
segurança nos presídios federais: revisão de protocolos, ajustes no sistema de
câmeras, instalação de sensores, alarmes e muralhas em torno das unidades, a
exemplo do que já ocorre em Brasília. Visitas e banhos de sol foram
temporariamente suspensos.
Inaugurado em 2006, o sistema de presídios
federais, que abriga alguns dos criminosos mais perigosos do país, tem se
mostrado eficaz para isolar bandidos que aterrorizam a população. A fuga de
Mossoró é a primeira em quase duas décadas. Não deixa de ser um histórico
positivo. Mas o episódio já provocou arranhões na imagem de cadeias
inexpugnáveis. É possível tirar lições importantes do caso. É esperado que
detentos planejem fugir e até que contem com ajuda interna. Por isso é preciso
analisar com serenidade tudo o que deu errado em Mossoró para impedir que
falhas semelhantes ocorram lá e nos demais presídios federais. Diante do risco
de fugas, cabe ao governo dificultá-las ao máximo. Não foi o que aconteceu no
Rio Grande do Norte.
Vacinar é obrigação de todos
Folha de S. Paulo
Romeu Zema e prefeitos de SC deveriam se
preocupar mais com a saúde pública do que em fazer proselitismo ideológico
tacanho
Por oportunismo político rasteiro ou genuína
crença obscurantista, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), prestou
um desserviço à saúde pública ao anunciar em vídeo que o cartão de vacinação
não será exigido para matrícula nas escolas do estado.
Invocado pela cruzada antivacina do
bolsonarismo, à qual Zema se associa, o argumento da liberdade individual já
não seria aplicável nem que se tratasse de adultos. Está-se diante, afinal, de
normas que protegem o bem-estar coletivo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
estabelece que "é obrigatória a vacinação das crianças nos casos
recomendados pelas autoridades sanitárias".
Em novembro do ano passado, o Ministério da
Saúde incluiu a imunização contra Covid-19 —alvo da direita negacionista— para
crianças de 6 meses até as menores de 5 anos de idade no Calendário Nacional de
Vacinação.
A apresentação do cartão de imunização na
matrícula é recurso importante para que o poder público incentive e monitore o
sistema vacinal. Na ausência dele, em geral se pede que a situação seja
regularizada para que o Conselho Tutelar não seja acionado.
O governo mineiro divulgou nota para apontar
que o cartão nunca foi uma exigência para a matrícula na rede estadual, embora
ele seja pedido "como forma de sensibilização aos pais/responsáveis sobre
a importância dos cuidados com a saúde da criança". A ser assim, Zema
sabotou esse esforço.
Igualmente o
fizeram autoridades de 20 cidades de Santa Catarina que
editaram atos normativos para dispensar a apresentação do comprovante de
imunização contra a Covid-19 nas matrículas. As medidas foram suspensas na
quinta (15) por liminar do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal
Federal —Zema também
está sendo questionado na corte.
A ofensiva se mostra ainda mais nefasta
quando números apontam queda na cobertura vacinal no país. A taxa de proteção
contra a poliomielite, por exemplo, caiu de 84,2%
em 2019 para 67,7% em 2021.
A OMS indica que o grupo entre 6 meses e 17
anos de idade não é prioritário para a vacina contra o coronavírus, mas que
cada país pode ofertá-la segundo seus recursos e a epidemiologia local.
A pasta da Saúde justifica a inclusão desse
grupo pela alta de casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica,
condição associada à Covid que pode ser fatal.
Podem-se debater aspectos sanitários e
jurídicos da questão, mas governantes e legisladores deveriam estar mais
preocupados com a vida das crianças do que em fazer proselitismo ideológico
tacanho.
Não é só a receita
Folha de S. Paulo
Sinais de alta da arrecadação são animadores,
mas é preciso controlar a despesa
Números preliminares indicam que a
arrecadação do governo federal cresceu de modo relevante em janeiro. Em 2023, a
receita diminuiu em termos reais, mesmo com alta do PIB próxima de 3%. Assim,
dado o aumento de gastos, o déficit foi maior do que o esperado.
O temor de nova decepção —e de cortes de
despesas, ainda mais em ano eleitoral— estimulou ministros, parlamentares à
esquerda e o PT a promoverem
campanha contra a meta de zerar o rombo fiscal neste 2024.
Uma primeira decisão sobre o bloqueio de
desembolsos deve ocorrer já na revisão orçamentária de março. Caso se confirme
o desempenho de arrecadação, o conflito sobre a meta tende a ser ao menos
adiado, o que aumentaria as chances de o propósito ser mantido, mesmo que seu
cumprimento permaneça difícil.
Pior seria a adoção de um objetivo frouxo e
mais conveniente aos interesses políticos imediatos do governo Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) e à ideologia do partido.
A aparente
alta real de 6% da receita ante janeiro de 2023 é animadora,
mas insuficiente para um prognóstico sobre o ano.
Por ora, entraram no Tesouro recursos de
impostos sobre fundos exclusivos, e a arrecadação previdenciária cresceu. Não
haveria sinal de efeito dos tributos sobre recursos investidos no exterior,
pendentes de regulamentação.
Até o momento, mesmo que as projeções do PIB
tenham sido revisadas para cima, a expectativa é de crescimento menor que o de
2023.
Antes de dados mais sólidos sobre a
arrecadação e a atividade, é preciso ter prudência extra. Deve-se perseverar no
objetivo de déficit zero, não importa o montante com o qual o Tesouro vá
contar.
A meta é uma âncora das expectativas.
Mantida, deve contribuir para a redução dos juros. Se modificada em seu
primeiro ano de teste, tende a desmoralizar a já pouco rigorosa regra fiscal e
estimular preocupações com a dívida pública.
Em qualquer cenário, cumpre repetir que o ajuste do Orçamento será inviável a longo prazo se depender apenas da receita, sem revisão das normas que levam à expansão contínua das despesas.
A democracia do olho roxo
O Estado de S. Paulo
Caso da agressão a Alexandre de Moraes no
aeroporto de Roma, que ensejou medidas excepcionais por parte do Supremo por
ser vista como ameaça à democracia, é encerrado sem indiciamentos
Terminou não com um estrondo, mas com um
gemido, o inquérito que apurou as hostilidades que o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes alegou ter sofrido em julho do ano
passado, junto com sua família, no aeroporto de Roma.
Como se sabe, a investigação policial acabou
sem indiciamentos, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo – algo
que era evidente desde o momento em que o caso veio à tona. No entanto, nos
tempos estranhos que o País vive, uma simples altercação seguida de empurrões e
tapas tornou-se objeto de histérica reação de autoridades do Supremo e do
governo, como se a agressão ao sr. Moraes e a seus familiares fizesse parte do
complô bolsonarista contra a democracia. Nada menos.
Ao longo de meses, a título de salvaguardar o
regime democrático, como se este estivesse encarnado no sr. Moraes, ministros
do Supremo atropelaram princípios republicanos óbvios. A então presidente do
STF, ministra Rosa Weber, magistrada rigorosamente incompetente para decidir em
um caso que, se tanto, deveria tramitar na primeira instância, autorizou o
cumprimento de mandados de busca e apreensão na residência e locais de trabalho
dos suspeitos da agressão – ainda que fosse claro, mesmo antes do término do
inquérito, que se tratava de crime de menor potencial ofensivo. Já o ministro
Dias Toffoli, relator do caso, diligentemente permitiu que Moraes figurasse
como assistente de acusação ainda na fase de inquérito – um evidente
privilégio, tanto que a Procuradoria-Geral da República interpôs recurso para
reverter essa aberração jurídica.
Tudo isso se deu em meio a um clima de
vale-tudo em nome da defesa da democracia. A incivilidade de um desafeto do sr.
Moraes, que talvez não merecesse nem sequer inquérito policial, serviu de
pretexto para movimentar a poderosíssima máquina do Supremo, com claros
propósitos intimidatórios. Abespinhado, com razão, pelos seguidos ataques que
vinha sofrendo por parte de delinquentes bolsonaristas, o Supremo reagiu de
modo igualmente truculento.
Como se isso não bastasse, o então ministro
da Justiça, o loquaz Flávio Dino, achou que era o caso de dizer, na ocasião,
que a agressão ao ministro Moraes e seus familiares poderia configurar, além de
crimes contra a honra e de ameaça, “um ataque ao Estado Democrático de
Direito”, tal como tipificado na Lei n.º 14.197/2021. Já a respeito do absurdo
pedido da Polícia Federal para realizar busca e apreensão na casa do acusado da
agressão e de outros supostos envolvidos, Flávio Dino declarou que estava tudo
em ordem – e acrescentou: “Sobre a proporcionalidade da medida, sublinho que
passou da hora de naturalizar absurdos”. Pode-se imaginar com que ânimo o sr.
Dino assumirá em breve seu cargo de ministro do Supremo.
Na mesma toada, o presidente Lula da Silva –
aquele que se elegeu prometendo “salvar a democracia” – não perdeu a chance de
explorar o caso. “Um cidadão desses é um animal selvagem, não é ser humano”,
disse Lula sobre o agressor, mesmo antes de se conhecerem os detalhes do
episódio. Para Lula, no entanto, isso era irrelevante. O importante era
denunciar “essa gente que renasceu no neofascismo, colocado em prática no
Brasil”. Lula prometeu “extirpar” tais extremistas e ser “muito duro com essa
gente, para aprenderem a voltar a ser civilizados”.
Comparando-se esse palavrório inconsequente
com o resultado anticlimático do inquérito sobre o incidente envolvendo o sr.
Moraes, tem-se a exata noção da distância que há entre a retórica inflamada dos
autoritários travestidos de paladinos da democracia e a realidade dos fatos. O
Brasil estará muito longe da desejada pacificação social enquanto o discurso
político incendiário prevalecer sobre a razão e ensejar o atropelo dos mais
elementares pilares do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras: quando
um simples tapa é tratado como um atentado à democracia, é a democracia que sai
com um olho roxo.
A crucial regulamentação da reforma
tributária
O Estado de S. Paulo
É hora de buscar convergências com os setores
produtivos, e isso deve ser feito antes do envio dos projetos ao Legislativo.
Governo e Congresso devem deixar de lado disputas de poder
O Congresso tem uma tarefa muito importante a
cumprir neste ano. Após a histórica aprovação da reforma tributária sobre o
consumo, o Legislativo terá de regulamentar a proposta, ou seja, apreciar
projetos de lei complementares que tratarão da transição entre os antigos e os
novos tributos sobre bens e serviços, o imposto seletivo, os regimes
específicos, a governança do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), o modelo para garantir a não cumulatividade dos tributos e a apuração de
créditos ao longo da cadeia, o tratamento da Zona Franca de Manaus, a
desoneração da cesta básica e os fundos de desenvolvimento regional e para os
Estados da Região Norte, entre muitos outros.
O ano será curto, uma vez que as eleições
municipais devem deslocar a atenção de deputados e senadores para as disputas
políticas em suas bases ao longo do segundo semestre. Nesse sentido, foi muito
positivo o encontro entre o presidente Lula da Silva e o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), marcado para aparar arestas geradas pelo veto parcial às
emendas de comissão e ao calendário para execução das emendas parlamentares.
Tudo que o País não precisa neste momento é
de uma guerra silenciosa entre o Executivo e o Legislativo a travar a
tramitação de propostas cruciais para colocar a reforma tributária nos trilhos.
Esse armistício entre Lula e Lira, porém, não é suficiente. Há muitos temas a
serem tratados por meio de projetos de lei complementares e será preciso
construir apoio para cada um deles.
Para subsidiar a elaboração dos anteprojetos,
o Ministério da Fazenda criou 19 grupos técnicos com participação de membros da
União, dos Estados e dos municípios. Os trabalhos deverão ser concluídos até 25
de março, quando serão submetidos ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para
só então serem enviados pelo governo ao Legislativo.
Com receio do que o governo pretende
apresentar, uma vez que foi excluído dos grupos técnicos, o setor privado
começou a se mobilizar. E o Congresso, como esperado, reagiu. O resultado foi a
criação de colegiados que conduzirão as mesmas discussões tratadas na Fazenda,
mas de forma paralela – o que tende a ampliar e consolidar divergências.
Como mostrou o Estadão, a indústria de
mineração e o setor de petróleo querem impedir que o Imposto Seletivo, cuja
alíquota será de até 1% sobre a produção, incida sobre as exportações. Assim,
buscam maneiras de convencer os parlamentares a reduzi-lo e até isentá-lo, de
forma a não comprometer a competitividade de seus produtos no exterior.
O setor de saneamento básico, por sua vez,
alega que as contas de água podem subir até 18%. O segmento, que havia
garantido um regime especial no Senado, acabou por perdê-lo na fase final de
tramitação da proposta na Câmara. Teme, inclusive, que a tributação impeça o
cumprimento dos compromissos de universalização estabelecidos no marco do
saneamento.
Esses movimentos reforçam a importância de o
governo atuar com prudência e cuidado na regulamentação da reforma tributária.
É hora de buscar convergências com os setores, e o ideal é que isso seja feito
antes mesmo do envio das propostas ao Legislativo. É essencial que o Executivo
saiba reconhecer a oportunidade que tem em suas mãos.
Para facilitar essas negociações,
transparência é fundamental. As dúvidas que permeavam o cálculo da alíquota
padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) já estão sanadas desde a
promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, no fim do ano
passado.
Antes da aprovação final da reforma, o
Ministério da Fazenda a havia estimado em 27,5%. É hora, portanto, de o governo
divulgar e de a sociedade saber qual será a alíquota padrão que resultou dessas
discussões. Só assim será possível saber se os temores dos setores têm ou não
algum sentido e propor correções, como a devolução do imposto para famílias de
baixa renda.
Ademais, governo e Congresso não podem se
perder em disputas de poder inócuas. É preciso concentrar forças nas propostas
de que o País precisa para criar um ambiente propício ao crescimento econômico
e à geração de empregos.
O carnaval do sr. Lewandowski
O Estado de S. Paulo
Ministro insulta o País ao tentar explicar falha inaceitável em prisão de segurança máxima
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
deu a dica: se um meliante quiser fugir da prisão, basta esperar o carnaval –
época em que, segundo informou o ministro, os guardas costumam ficar mais
“relaxados”.
Foi essa a estupefaciente explicação que o
sr. Lewandowski resolveu dar para o vexame da recente fuga de dois
perigosíssimos criminosos de um presídio de suposta segurança máxima em Mossoró
(RN). O ministro, no afã de justificar tão espantosa falha onde falha não pode
haver, resolveu insultar a inteligência de um país já farto de explicações
grosseiras para o recorrente fracasso da segurança pública.
Em favor do sr. Lewandowski, é bom que se
diga que pouca coisa pode ser debitada de sua conta, já que ele mal chegou ao
cargo. Mas isso não o autoriza a tratar como tolos os cidadãos brasileiros
preocupados com a manutenção de sua vida e de seu patrimônio diante da evidente
inépcia do poder público – cujo ápice parece ter chegado com a desmoralização
do instituto da “segurança máxima”.
As investigações iniciais sobre a fuga
apontam uma série de problemas num presídio que deveria ser modelar: o forro
das celas não estava concretado, a iluminação apresentava falhas, as câmeras de
segurança estavam sem manutenção havia dois anos e ferramentas de uma reforma
foram largadas no canteiro de obras. Tudo isso, somado ao “relaxamento”
carnavalesco, abriu caminho para a fuga.
O episódio amplia a pressão sobre o
presidente Lula da Silva numa área que tem sido, há muito tempo, o busílis dos
governos petistas. Sobre os ombros de Lewandowski, jejuno na administração
pública e na própria área de segurança pública, pesa o desafio de romper a
longa tradição de fracassos do PT ao lidar com esse problema. À guisa de
exemplo, tome-se a dramática situação da Bahia. Governado pelo PT há 20 anos, o
Estado tornou-se um dos mais violentos do País, acossado pela guerra entre
facções criminosas.
Em boa medida, a incompetência petista na
área deriva de uma deturpação original das causas da criminalidade. A
intelligentsia dita progressista enxerga o crime e o criminoso como corolários
de um sistema político-econômico que só gera opressão e iniquidades,
estimulando o crime. De acordo com essa fantasia, a criminalidade sumirá como
mágica no momento em que esse sistema perverso for substituído por outro,
supostamente mais justo. Não raro também os formuladores enxergam as polícias
como inimigas e a preocupação com a segurança como uma agenda da direita.
Claro que a ninguém de boa-fé ocorre
desvincular as profundas desigualdades do Brasil dos índices de criminalidade
obscenos. Mas o fato é que, quando resolvem enfrentar os problemas da
segurança, governos petistas o fazem de modo atabalhoado ou com medidas
ineficazes – como foi o caso da decretação de Garantia da Lei e da Ordem em
portos e aeroportos para combater o tráfico de armas e drogas.
O antecessor de Lewandowski, Flávio Dino,
parecia mais preocupado em fazer barulho nas redes sociais. Roga-se que o atual
ministro seja não só mais discreto, como mais eficiente – e que poupe os
brasileiros de explicações esdrúxulas.
Presídios exigem reformas e corregedoria
Correio Braziliense
O ministro Ricardo Lewandowski está sendo
injustamente responsabilizado pelas falhas nos presídios, mas a solução das
falhas é uma atribuição sua, intransferível
Um buraco na parede da cela dos dois presos
que fugiram do Presídio Federal de Segurança Máxima de Mossoró mostra não
somente a necessidade de reformas físicas urgentes nos cinco presídios sob
responsabilidade do Ministério da Justiça, mas também de medidas
administrativas que aumentem o sistema de controle e correição do sistema
penitenciário federal. A evasão de Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral
Nascimento, que continuam foragidos, não teriam ocorrido sem falha humana, na
melhor das hipóteses
Os fugitivos são do Acre e estavam na
penitenciária de Mossoró desde 27 de setembro de 2023. Transferidos após
participarem de uma rebelião no presídio de segurança máxima Antônio Amaro, em
Rio Branco, que resultou na morte de cinco detentos, três deles decapitados,
ambos são ligados ao Comando Vermelho. Fernandinho Beira-Mar, o poderoso chefe
da facção à qual os dois pertenciam, está preso em Mossoró desde janeiro deste
ano.
É uma prática recorrente o deslocamento de
presos considerados de alta periculosidade de um presídio federal para outro,
com objetivo de impedir ou dificultar que continuem comandando suas quadrilhas
de dentro da prisão. Antes de fugirem, Deibson e Rogério estavam isolados em
celas individuais, porém vizinhas e separadas por uma parede. Entretanto, os
dois conseguiram se comunicar e planejar a ação, da mesma forma como os chefões
continuam comandando suas facções.
Os dois presos utilizaram ferramentas
encontradas dentro do presídio para escapar. A unidade estava passando por uma
reforma interna, e os equipamentos não foram guardados adequadamente,
facilitando o acesso dos detentos. Usaram até um alicate deixado no canteiro de
obras. São falhas inaceitáveis.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública
anunciou que vai modernizar o sistema de videomonitoramento dos cinco presídios
federais e aperfeiçoar o controle de acesso, inclusive com reconhecimento
facial de todos que ingressam nas unidades prisionais. O ministro Ricardo
Lewandowski está sendo injustamente responsabilizado pelas falhas nos
presídios, mas a solução das falhas é uma atribuição sua, intransferível. Bem
como a recaptura dos presos.
Com recursos do Fundo Penitenciário Nacional
(Funpen), serão construídas muralhas em todos os presídios federais, a exemplo
do que foi feito no presídio do Distrito Federal. A direção da Penitenciária
Federal em Mossoró foi afastada. O ex-diretor da Penitenciária Federal de
Catanduvas (PR) Carlos Luís Vieira Pires foi nomeado interventor da unidade.
Cerca de 80 policiais penais federais, aprovados em concurso público, serão
incorporados ao sistema, alguns dos quais enviados para Mossoró.
Por determinação de Lewandowski, uma investigação de caráter administrativo apura as responsabilidades disciplinares e um inquérito policial, no âmbito na Polícia Federal, a eventual responsabilidade de natureza criminal e a participação de pessoas que possam ter facilitado a fuga dos dois detentos. Outro desafio é recapturar os dois fugitivos.
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