Revista Veja
As greves na educação provocam mais danos que as da indústria
Há anos, as redes públicas de ensino têm sido abaladas por greves, com reivindicação de mais recursos para as escolas ou por motivação política de sindicatos. Independentemente da justificativa, cada paralisação de aula mutila o progresso nacional. Na indústria, a força da greve está no imediato desabastecimento do mercado, por isso tende a ser rápida, e a fábrica retoma a produção sem prejuízo na quantidade ou na qualidade do produto. No caso da educação, os sacrifícios imediatos recaem sobre alunos e famílias; as greves se alongam e provocam prejuízos irreversíveis ao país. Diferentemente da linha de produção, a linha de formação não recupera plenamente o conhecimento que não foi criado na hora certa. Perdem alunos e professores. A greve na escola provoca evasão na quantidade e erosão na qualidade.
A educação do aluno não é retomada com a
mesma qualidade, cria-se um vazio de conhecimento que mutila o futuro de cada
aluno e do país. As aulas extras de recuperação, quando ocorrem, servem como
justificativa laboral para os salários recebidos durante a paralisação, mas não
preenchem a perda educacional. Seja porque a recuperação é feita sem o
necessário rigor pedagógico, seja pela perda da necessária motivação devido à
ruptura do pacto pedagógico entre alunos, professores, famílias, sociedade e
Estado. A consequência das greves tem sido a degradação do potencial da
inteligência nacional, espécie de genocídio intelectual por dano cognitivo da
população.
“A degradação é uma espécie de genocídio
intelectual por dano cognitivo da população”
O genocídio intelectual de 10 milhões de
analfabetos adultos cometido por falta de letramento na idade certa decorre, em
parte, de greves em escolas. A baixa qualidade do ensino fundamental decorre do
descaso histórico de todos os governos nacionais, mas também das sucessivas e
longas paralisações. Na etapa conclusiva da educação de base — chamada de
ensino médio —, as consequências são ainda mais nocivas devido ao aumento da
evasão entre adolescentes privados de aulas e do ambiente escolar.
Além da perda de qualidade educacional, o
progresso é mutilado também pelo agravamento da desigualdade, porque as greves
são quase sempre na rede pública. Por isto, é comum ver pais, inclusive
professores, retirarem seus filhos da escola pública, levando-os para o setor
privado em busca de evitar os prejuízos da interrupção de aulas. O progresso é
mutilado pela perda do potencial geral da população e a desigualdade social se
amplia, porque o sacrifício individual se concentra na parcela pobre, aumentando
a brecha na qualidade conforme a renda, o que alimenta o círculo vicioso da
pobreza.
Para evitar a mutilação do progresso e a
ampliação da desigualdade, os poderes Executivo e Legislativo precisam dar a
prioridade necessária à educação e, assim, evitar paralisação de aulas em
defesa de direitos; se esses poderes não asseguram a prioridade, o poder
Judiciário deve intervir para forçar os governos, municipal ou estadual, a
evitar greves atendendo às reivindicações; se esses governos não têm condições,
deve determinar que o governo federal intervenha, adotando a educação das
crianças vitimadas, porque todas são brasileiras, independentemente da cidade
onde vivam; se as reivindicações exigem mais do que é possível atender, a
Justiça deve defender as crianças e declarar as greves ilegais, evitando dessa
maneira perdas irreversíveis.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de
2024, edição nº
2880
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