O Estado de S. Paulo
Neste domingo de carnaval, vale lembrar a
marchinha ‘Recordar é viver’ (1955), a propósito do programa Nova Indústria
Brasil
O Brasil foi descoberto no dia 21 de abril,
“dois meses depois do carnaval”, dizia a marchinha que encantou foliões no
carnaval de 1934. Tudo, metaforicamente, ficaria para depois da grande festa
nacional. Mas não foi assim este ano, em que ações da Polícia Federal ocuparam
as primeiras páginas dos jornais, iluminando a importância de elucidar os
eventos que levaram ao surreal 8 de janeiro de 2023. As rodas da economia e da
política tampouco deixaram de girar com Executivo e Congresso em estado de alta
tensão por causa da disputa sobre fatias do Orçamento.
Foi numa virada de fevereiro para março, logo
após o carnaval de exatos 30 anos atrás, que o governo de então lançou a
Unidade Real de Valor (URV). Essa unidade de conta era o embrião da nova moeda,
que chegaria quatro meses mais tarde sob o nome de real e que viria a
consolidar-se – esperemos – como a definitiva moeda nacional.
Neste início de fevereiro, o governo Lula completou seus primeiros 400 dias. Pode parecer pouco, mas o tempo da política não é igual ao tempo cronológico. Na política, como na guerra, dias podem valer semanas; semanas, meses; meses, anos. Foi também de 400 dias, por exemplo, o período decorrido entre o momento em que o presidente Itamar Franco nomeou FHC seu (quarto) ministro da Fazenda e o lançamento do Real. Aqueles 400 dias valeram por anos.
O governo Lula parece apostar que os efeitos
dos seus primeiros 400 dias também se projetarão por anos à frente e
contribuirão para seu (legítimo) projeto de permanecer no poder, vencendo as
eleições de 2026. Como estamos em pleno domingo de carnaval, vale lembrar outra
marchinha dos carnavais de outrora, Recordar é viver (1955), a propósito do
programa Nova Indústria Brasil, anunciado ao final de janeiro.
O programa evoca três lembranças. A primeira
é uma declaração da então presidente Dilma Rousseff, dez anos atrás, a poucos
meses das eleições. “Só em 2014 estão em construção ou contratados para serem
construídos aqui, no Brasil, 18 plataformas, 28 sondas de perfuração e 43
navios tanque (...) Graças à política de compras da
Petrobras (...), renasceu uma indústria naval
dinâmica e competitiva, que irá disputar o mercado com as maiores indústrias
navais do mundo.” Quem é minimamente informado sabe no que deu.
A segunda lembrança é uma imperdível
entrevista concedida a este jornal (2/1/2013) por Bernardo Figueiredo, por
muitos anos braço direito de Dilma Rousseff para assuntos de infraestrutura.
“Se a gente pegar os planos nacionais de logística de transporte e de logística
portuária e outros estudos do governo, teremos de investir perto de R$ 400
bilhões em cinco anos. Vamos dizer que tenho de investir outros R$ 20 bilhões
por ano para não gerar novo passivo e ser preventivo. Então, a necessidade de
investimento seria de R$ 100 bilhões por ano. Resolvendo isso, posso dizer que
em cinco anos não teríamos mais problemas de infraestrutura.”
A terceira lembrança é também de uma
entrevista – ainda mais imperdível, porque reveladora do pensamento de Lula
sobre a arte de governar (Valor Econômico, 17/9/2009). “Tenho cobrado
sistematicamente da Vale a construção de siderúrgicas no País. A Vale não pode
se dar ao luxo de exportar apenas minério de ferro.” “Convoquei o Conselho da
Petrobras para dizer: olha, este é um momento em que não se pode recuar. Que a
Petrobras construa refinarias, estimule a construção de estaleiros (...). Este
é o papel do governo.” “Não conheço ninguém que tenha a capacidade gerencial da
Dilma.”
A julgar pelos primeiros 400 dias de Lula
III, o pensamento de 15 anos atrás perdura. “Se der superávit zero, ótimo, se
não der, ótimo também” (8/2/2024). O País está sendo informado de que haverá
simultaneamente um plano trienal de ação (2024-2026) e um Plano de Aceleração
do Crescimento (novo PAC). Em ambos há referências a metas aspiracionais cujo
horizonte estende-se até um ponto não especificado nos anos 30.
Quando, como é nosso caso, o Estado já se
sobrecarregou de obrigações que testam os limites de sua capacidade – de
tributar, de gastar, de se endividar, de reformar, de gerir e de investir –, a
realidade impõe, pelo lado da oferta doméstica, restrições a ambiciosos
processos de expansão. E exige claras definições de prioridades. Porque, ao
dispersar demais suas atividades, o Estado fica mais suscetível a ceder a
interesses isolados, a persistir em promessas que não pode cumprir. A assumir
metas e objetivos inalcançáveis, que redundam em dívidas por equacionar.
Principalmente quando receitas não recorrentes são utilizadas para financiar
gastos que se tornam permanentes – e crescentes –, como vimos em experiências
recentes.
Ao longo dos próximos três anos será
fundamental, de maneira clara e crível, sinalizar para agentes econômicos que
existe um sistema de regras de responsabilidade fiscal que represente
compromisso firme em assegurar a sustentabilidade da trajetória de finanças
públicas do País. Como temos nos regimes monetário e cambial e como ainda nos
falta na área fiscal, a despeito dos esforços do ministro Fernando Haddad,
contra intenso fogo amigo. Porque uma política fiscal insustentável pode
impedir o desenvolvimento econômico e social sustentado no longo prazo.
*Economista, foi ministro da Fazenda no
governo FHC
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