Folha de S. Paulo
Ainda falta descobrir muito de quem fez parte
da armação, a financiou ou foi conivente
Jair
Bolsonaro prometeu ou estimulou o golpe em público, por muitas vezes,
com mais frequência e de modo ainda mais explícito a partir de 2021, quando sua
impopularidade decolava.
Em comícios e "lives", dizia que
não haveria eleição em 2022 a não ser que o voto fosse impresso,
"auditável", ou de algum modo da sua vontade. Dizia que não
obedeceria a decisões do STF. Etc. A dúvida
era a respeito de como seria a armação do golpe.
Um indício do modus operandi foi a descoberta, em janeiro de 2023, da "minuta do golpe" na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro.
A prisão do tenente-coronel Mauro Cid suscitou
vazamentos úteis, mas fragmentários, de evidências. Cid, falsário e muambeiro,
era lacaio de Bolsonaro e comandava uma quadrilha de militares no Planalto.
Na decisão
em que autorizou a batida da Polícia Federal contra bolsonaristas, Alexandre
de Moraes resumiu o que haveria de pistas
e provas da armação do golpe, ao menos depois de meados de 2022. É muito e
é pouco.
Antes de mais nada: quase tudo ali é
"puro suco" de bolsonarismo. As conversas têm muito de ignaro e
lunático, como aquelas sobre fraudes eleitorais, nas quais alguns parecem
acreditar. São vazadas no linguajar cafajeste, iletrado e violento do
bolsonarismo.
Tudo parece improvisado, tosco,
desinteligente. Quase não é difícil acreditar que alguma daquelas pessoas ou
agregados delas rezassem para pneus; certamente oravam para muros de quartéis.
Mas por que imaginar que o golpe seria
elegante e bem planejado? Né? Talvez bastassem um cabo, um soldado e
"vontade de matar". Recorde-se a tosqueira da ditadura militar de
1964-1985.
Um tipo como Bolsonaro chegou a presidente e
não foi deposto por impeachment. Uma parceria de brucutu militar com ferrabrás
das cavernas civis pode tentar a tirania de novo.
A reação da parte melhor da elite brasileira,
em agosto de 2022, ainda que tardia, ajudou a conter ânimos golpistas na cúpula
militar. Foi por pouco, com tosqueira, com tudo.
Agora, com a operação da PF, há prova de que
se discutia o golpe em reunião de governo, numa das quais Augusto Heleno,
desonra do generalato, pregava a antecipação do golpe e explicitava o esquema
de espionagem que comandava (infiltração em partidos).
Bolsonaro exigia o aumento da propaganda de
desinformação ("guerra psicológica") e editava a redação de um
"AI-B" (Ato Institucional do Bolsonaro, a "minuta do
golpe").
Oficiais superiores do Exército, de major a
general, debatiam a armação da coisa: operação, financiamento e convocação de
tropas.
Depois do fracasso, Estevam Theophilo,
general que foi do Alto Comando durante o primeiro ano quase inteiro de Lula 3,
dizia a Cid, "el golpeador", que ele tinha as costas quentes, que
seria protegido pelo Comando do Exército.
Ainda é pouco, porém, o que se sabe.
Militares conspiravam com o conhecimento de superiores ou mesmo de comandantes
de Forças Armadas, não importa que parte deles, enfim, barrasse o golpe.
Por que ninguém era preso? Por que golpistas
estavam para ser ou foram promovidos e nomeados para postos importantes,
"boca rica"? Os comandantes queriam abafar o caso ou temiam eles
mesmos serem derrubados, presos ou mortos?
Graças a Cid, temos a filmagem de reunião
preparatória do golpe, com Bolsonaro e asseclas maiores. Quantas mais houve?
Com quem? De onde vinha o dinheiro, como uns R$ 100 mil que financiaram comício
golpista?
Há golpismo nas Forças Armadas, está mais
evidente. Cid e colegas estudaram "intervenção militar" (golpe) na
escola de pós-graduação do Exército. Parte da elite, ricos, apoiava ou
financiava o golpe ou era conivente, omissa, em defesa do "liberalismo"
(não pagar imposto, arrancar o couro do povo e o resto que se dane). Parte do
Congresso criticou e menosprezou a operação da PF.
É preciso ir mais a fundo, pois, sem anistia.
O golpismo não acabou, como se vê.
Um comentário:
Verdade.
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