sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Maria Cristina Fernandes - Decisão de Moraes atesta golpismo de militares da ativa

Valor Econômico

Decisão coloca em xeque as declarações do ministro da Defesa, José Múcio, de que as Forças Armadas “como um todo” não queriam um golpe

A decisão que fundamentou a Operação “Tempus Veritatis” (hora da verdade), da Polícia Federal, atesta a participação, na tentativa de golpe de Estado, de militares da ativa que permaneceram em seus cargos e foram até promovidos pelo atual comando do Exército.

Ao envolver o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na trama golpista, a operação tem potencial ainda de afetar as eleições municipais. Além de uma minuta do golpe, apreendida no escritório do ex-presidente na sede do PL, ficou evidenciada a relação entre o técnico Élder Balbino, contratado por Valdemar para atestar fraude nas urnas, e Fernando Cerimedo, um dos responsáveis pela difusão de notícias falsas durante a campanha. Valdemar foi preso durante a operação de busca e apreensão, pela posse ilegal de arma e de uma pepita de ouro não registrada.

E, finalmente, ao apreender o passaporte de Jair Bolsonaro, a Polícia Federal indica que o desfecho do inquérito sobre a participação do ex-presidente nos atos golpistas está próximo. Em mensagem de Cid, supostamente ao general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, o ex-ajudante de ordens diz que Bolsonaro estava com um decreto, supostamente a minuta golpista, para respaldar participação das Forças Armadas no golpe.

O oficial de mais alta patente arrolado no inquérito é o general Theophilo Gaspar de Oliveira, que hoje está na reserva, mas à época estava à frente do Comando de Operações Terrestres (Coter) e integrava o Alto Comando do Exército. O general permaneceu nesta função até 30 de novembro do ano passado.

A decisão se baseia no vídeo de uma reunião com o ex-presidente, nas informações obtidas da delação de seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, e no conjunto de mensagens arroladas no inquérito. Nas mensagens de WhatsApp entre Cid e outro coronel, Bernardo Corrêa Neto, o general Theophilo aparece como adesão certa ao golpe, desde que Bolsonaro assinasse a minuta de decreto golpista.

Em outra troca de mensagens, desta vez entre Cid e o próprio general, Theophilo lhe garante que vai falar com o general Julio Cesar Arruda, ex-comandante do Exército, para que uma eventual prisão do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro não se concretizasse. A interação com os golpistas não o inibiu a propor a reunião de vários tropas sob seu comando (operações especiais, artilharia, defesa cibernética e comunicação) ao longo dos 11 meses em que permaneceu em suas funções sob o novo governo. A proposta, confirmada pelo Exército, não chegou a ser acatada pelo Alto Comando.

A decisão do ministro Alexandre de Moraes fundamenta ainda a participação do coronel Bernardo Corrêa Neto, então lotado no Comando Sul, no aliciamento de oficiais para a subscrição da “Carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército brasileiro”. A despeito desta atuação, o coronel foi transferido para o Colégio Interamericano de Defesa, em Washington. A transferência foi assinada em 30/12/2022, segundo a decisão de Moraes, e em 2021, segundo o Exército. No Informex, porém, boletim oficial, a transferência tem como data o “terceiro trimestre de 2023” com permanência de dois anos.

A carta, cuja minuta foi enviada por Corrêa Neto, a Mauro Cid, visava a pressionar o então comandante do Exército, general Freire Gomes, a aderir ao golpe. O coronel cumpria, por delegação de Cid, a tarefa de aliciar oficiais para a empreitada golpista.

Como antecipado pelo Valor, em 21 de setembro de 2022, o almirante Almir Garnier, comandante da Marinha, aderiu incondicionalmente ao golpe, o comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista, resistiu, e coube a Freire Gomes, comandante do Exército, se opor abertamente.

O então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, é identificado como um eloquente defensor de um golpe antes das eleições — “Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições”. Diz ainda ter pedido ao diretor-adjunto da Abin, Vitor Carneiro, para infiltrar agentes nas eleições. Neste momento, segundo o relato que consta da decisão, interrompe Heleno e diz que tratarão do assunto “em particular”. A manifestação indica que as ações ilegais moviam a própria Abin e não uma “Abin paralela”.

Nas mensagens reproduzidas constam aquelas que foram trocadas pela rede interna de comunicação do Exército, Una. Apesar disso, o atual comando do Exército informa que não teve conhecimento de nenhuma das informações contidas na decisão e que, por isso, não poderia ter evitado que os oficiais citados tivessem permanecidos em suas funções, fossem promovidos e que transferências determinadas pelo comando anterior fossem efetivadas. A assessoria do general Tomás Paiva informa ainda que há “informações pessoais” na troca de mensagens desta intranet e que, por isso, a rede não é monitorada pelo Centro de Informações do Exército.

O tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, encarregado por Cid de dar apoio logístico ao acampamento golpista em frente ao QG do Exército e ao deslocamento de golpistas, foi promovido já sob o atual comando. Desde o fim do segundo turno de 2022, a troca de informações entre os dois girou em torno do apoio para a realização de manifestações cujos alvos seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. “O que demonstra que os protestos convocados não se originavam da mobilização popular, mas, sim, da arregimentação e do suporte direto do grupo ligado ao então presidente Jair Bolsonaro”, diz a decisão. É assim que Moraes contesta a linha de defesa militar de que a conivência com os acampamentos visava a não se contrapor a “manifestações populares”.

O ex-ministro da Casa Civil general Braga Netto tem mensagens de WhatsApp em que critica com termos de baixo calão os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. A decisão reproduz suas queixas contra o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva. Em mensagem por WhatsApp, Braga Netto dá conta de uma visita do general ao ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas e diz que ele, Tomás Paiva, tem se insurgido contra as atividades golpistas de Theophilo e do ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Oliveira — “nunca valeu nada”.

A decisão coloca em xeque as declarações do ministro da Defesa, José Múcio, de que os acampamentos em frente ao quartel general do Exército eram democráticos e que as Forças Armadas “como um todo” não queriam um golpe. O despacho do ministro Alexandre de Moraes ainda evidencia que esta omissão em relação ao acampamento em frente ao QG era parte do planejamento dos atos de 8/1.

Passados 13 meses dos atos golpistas, 1.430 pessoas foram presas e 28 já foram condenadas. Enquanto isso, o Exército abriu quatro Inquéritos Policiais Militares e quatro processos administrativos até aqui, mas nenhum crime foi admitido. O Exército puniu dois militares de baixa patente por infração disciplinar.

2 comentários:

Daniel disse...

Golpismo explícito de militares da ativa!

ADEMAR AMANCIO disse...

Onde já se vou!