O Globo
Sim, foi um belo trabalho descobrir quem
matou Marielle e, em tese, quem mandou matar. Mas eu, você e até as pedras da
rua sabemos que ainda há perguntas sem resposta
Quando o primeiro samba de sucesso foi
gravado em 1917, todo mundo achou a letra muito engraçadinha: “O chefe da
polícia pelo telefone manda me avisar/ Que na Carioca tem uma roleta para se
jogar...”
Bons tempos aqueles, em que o chefe da polícia era um simples contraventor — e bons tempos aqueles em que a gente ainda conseguia achar graça na “informalidade” do Rio, naquele espírito anárquico de balneário que parecia ao mesmo tempo malandro e inocente, tão cativante na sua malemolência.
Bons tempos aqueles em que a gente ainda
acreditava que havia uma banda podre na polícia, uma banda podre no governo.
Uma banda podre, imagina: uma banda, só. Uma
parte, uma fração; haveria em contraposição uma banda boa, quiçá maior até do
que a banda podre.
Que ingenuidade.
“A prisão do delegado Rivaldo Barbosa me
quebrou na solda”, escreveu uma amiga na internet. “Rivaldo foi meu professor
no curso de Direito. E não foi só um professor, ele foi O professor, um dos
melhores que eu já tive. Na aula dele não se ouvia nem uma mosca. Nunca vou
esquecer de uma aula antológica que ele deu sobre... crime. Ele não dava aula
de Direito Tributário ou Empresarial... ele dava aula de Direito Penal.”
Professor carismático. Policial atento,
solidário, sentado ao lado dos pais da vítima, cara amável e compungida,
prometendo investigar tudo: mais banda boa impossível.
O deputado federal, uma Autoridade, mais
importante do que eu ou você, leitor, contracheque de R$ 44.008,52, apartamento
funcional, gabinete com 28 funcionários, eleito com 77.367 votos, um Maracanã
de gente que o considerou digno de confiança; o seu irmão conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, eleito por 61 de 66 votos na
Alerj, cargo vitalício, afastado nos últimos anos por suspeita de fraude e
corrupção, mas reconduzido ainda outro dia, desculpe qualquer coisa,
Excelência.
Assassinos.
O ministro Ricardo Lewandowski dá o Caso
Marielle por encerrado; o ministro Gilmar Mendes acha que se deve usar essa
janela como “uma oportunidade para aprofundar o combate ao crime organizado”.
São visões conflitantes.
Ou está encerrado, ou será uma oportunidade.
Sim, foi um belo trabalho descobrir quem
matou Marielle e, em tese, quem mandou matar. Mas eu e você, leitor, e todo
mundo que está passando lá embaixo, e todos os meus gatos e as pedras da rua
sabemos que ainda há muitas perguntas sem resposta. Em que pé andam as
investigações sobre as rachadinhas do gabinete de Flávio Bolsonaro e o
financiamento de construções da milícia? Por que o presidente insistiu tanto na
mudança da chefia da polícia no Rio de Janeiro? O que é que o general Braga
Neto tem a ver com a história? Por que ele trocou o chefe da polícia exatamente
um dia antes do crime?
“Eu acho que é o momento de profunda reflexão
do Congresso Nacional se dedicar a essa temática de uma reforma das polícias e
uma reforma especialmente voltada para o que está acontecendo no Rio”, disse o
ministro Gilmar.
O ministro está certo, mas onde mesmo
trabalhava o deputado ora preso?
Esquece, ministro.
Enquanto isso, em Balneário Camboriú, o jovem
Jair Renan, 670 mil seguidores no Instagram, anunciou a sua filiação ao PL e a
sua pré-candidatura a vereador. Denunciado por falsidade ideológica e lavagem
de dinheiro, ele já tem os pré-requisitos necessários -- e um risonho futuro
pela frente.
Um comentário:
BRILHANTE! Texto excepcional mesmo! Como pode o ministro Ricardo Lewandowski dar o Caso Marielle por encerrado?? Não mostrou uma prova decisiva e já quer fugir do assunto? Sem provas, os supostos mandantes vão acabar INOCENTADOS por falta de provas nos julgamentos!
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