quinta-feira, 28 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Intervencionismo de Lula afugenta os investidores

O Globo

Bolsa de Valores perdeu R$ 22 bilhões neste ano, e investimento direto já sofre com incerteza

O Brasil já paga o preço das investidas do governo federal sobre PetrobrasVale e outras empresas. Declarações e atitudes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm levado investidores estrangeiros a abandonar o mercado de capitais brasileiro, onde é predominante a transação de empresas como Vale ou Petrobras. Desde o início do ano, eles já sacaram mais de R$ 22 bilhões da B3, maior volume para o período desde 2020. Nesta semana, um dos maiores bancos americanos recomendou em relatório a venda de ações de estatais brasileiras.

É verdade que a debandada está ligada à dinâmica da economia global. Os juros ainda altos nos Estados Unidos atraem capital para o país, enquanto as dúvidas sobre o crescimento da China espalham incerteza sobre a demanda por commodities, afetando as previsões para países como o Brasil. No caso brasileiro, porém, o movimento também sofre a influência de um anabolizante: o intervencionismo do governo. A recomendação do banco americano é justificada pelo aumento dos riscos associados a ele. Há temor de efeitos negativos na gestão das companhias.

Não se trata de fantasia. No início de março, a Petrobras informou que não pagaria dividendos extraordinários aos acionistas, política adotada desde 2021. O presidente da petroleira, Jean Paul Prates, era favorável a pagar 50% do resultado extraordinário. Não demorou para que a ideia fosse derrubada no conselho da Petrobras, com as digitais de Lula. Ainda pior foi a tentativa de justificar a mudança. Em entrevista, Lula comparou o mercado a um dinossauro voraz. Para os investidores, ficou evidente que o ímpeto intervencionista não ficaria ali. Em um dia, a Petrobras desvalorizou-se em R$ 55 bilhões. Devido à desconfiança dos investidores, ela sempre foi cotada abaixo das maiores petrolíferas. Nos últimos tempos, esse desconto aumentou da média entre 30% e 34% para 44%.

O presidente já causara espanto no ano passado, quando tentou impor o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da Vale, uma empresa privada. Mesmo depois de abandonar a ideia, Lula continuou tentando interferir na sucessão da mineradora, extrapolando suas atribuições.

Diante dos desmandos em governos anteriores, em particular petistas, o país criou “remédios” para evitar intromissões indevidas do governo no setor produtivo. Um deles foi a Lei das Estatais, com requisitos técnicos para a indicação a cargos de comando. O atual governo vem, contudo, tentando corroer esses mecanismos.

Mesmo os investimentos diretos no setor produtivo, cuja reação costuma ser mais lenta, já sofrem com a desconfiança que a gestão petista inspira no mercado externo. Em 2023, somaram US$ 62 bilhões (ou 2,85% do PIB), ante US$ 74,6 bilhões (3,82% do PIB) em 2022. Tais sinais deveriam fazer soar o alarme no governo.

A taxa de investimento brasileira, de 16,5% em 2023, ainda é baixíssima para a necessidade do país, em torno de 25%. Não haverá como elevá-la sem capital privado. Por isso, em contraste com o que diz Lula, a comparação mais apropriada para o mercado de capitais não é um dinossauro, mas o adubo. Ao comprar ações de empresas brasileiras ou apostar recursos no país, os investidores dão um voto de confiança e ampliam a chance de crescimento. Decisões políticas erradas e declarações infelizes elevam a volatilidade, destroem valor e corroem esse otimismo.

Proposta de governadores sobre legislação penal revela sensatez

O Globo

De nada adiantará, porém, endurecer a lei se ela não for cumprida, como tem sido frequente

São sensatas as propostas apresentadas por governadores do Sudeste e do Sul ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para endurecer punições e dificultar a liberação de presos durante audiências de custódia. As reivindicações foram levadas também aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) , e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), onde já tramitam projetos com objetivos semelhantes. A leniência da legislação penal tem sido alvo de críticas, especialmente em relação a criminosos que se aproveitam das brechas legais para cometer delitos sucessivos e ficar impunes.

Entre outros pontos, o grupo defende mudanças no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal, para evitar que quem pratique crimes regularmente seja considerado réu primário e continue delinquindo. A intenção, como afirmou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não é aumentar as prisões, mas dar uma resposta a dificuldades jurídicas evidentes.

Uma das quatro propostas apresentadas é alterar os requisitos nas audiências de custódia para liberdade provisória quando há crime grave e reincidência. “Há casos de a mesma pessoa ser presa 40 vezes e, ao ser levada para audiência de custódia, sem haver trânsito em julgado de qualquer condenação, ser considerada primária”, diz Leite. Governadores defendem que seja incluída na lei a “previsão da habitualidade criminosa”, para que a detenção seja transformada em prisão preventiva quando houver repetida prática de crimes, mesmo sem condenação.

Outro ponto defendido é considerar homicídio qualificado aquele praticado a mando de uma facção criminosa. Com isso, a progressão de regime ocorreria somente com o cumprimento de dois terços da pena, e não de um terço. O grupo propõe ainda que, nos casos de presos que arrancam a tornozeleira eletrônica, a volta ao regime fechado seja automática, sem exigir autorização da Justiça. A quarta proposta pede mudanças no entendimento sobre abordagem policial. Muitas prisões são anuladas sem justificativa objetiva. O grupo quer que o contexto da situação seja levado em conta pelo juiz.

A violência precisa ser enfrentada, e parece claro que a legislação atual não dá conta do desafio. De 70 prisões ou apreensões de suspeitos feitas por agentes do programa Segurança Presente no ano passado, quando uma sucessão de roubos e agressões em Copacabana chocou os cariocas, 48 eram de adultos com passagem pela polícia, e nove eram de adolescentes que haviam frequentado o sistema socioeducativo.

O costumeiro prende e solta não tem sido eficaz. Mas de nada adiantará endurecer a lei se ela não for cumprida. O sequestrador que manteve 16 passageiros reféns dentro de um ônibus na Rodoviária do Rio neste mês não deveria estar solto. Beneficiado com o regime aberto, ele violou a obrigação de usar tornozeleira. Mas a ordem de prisão só chegou quando o sequestro já estava resolvido. Para combater a violência, é preciso atuar em todas as frentes. Alterar a legislação é só uma delas.

Governo Lula enfim critica ditador Maduro

Folha de S. Paulo

Itamaraty muda tom e aponta inaceitáveis afrontas à democracia na eleição venezuelana; a ver se petista manterá posição

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece ter sentido o golpe da popularidade evanescente. A perda de prestígio, confirmada pela mais recente pesquisa Datafolha, pode explicar a mudança de atitude do Brasil em relação à Venezuela —mudança demasiado tardia, registre-se.

De forma inédita, o governo petista criticou as autoridades eleitorais venezuelanas por bloquearem o registro da candidatura da oposicionista Corina Yoris no pleito presidencial marcado para julho.

A nota, redigida pelo Itamaraty, diz que a atitude de Caracas não é compatível com o Acordo de Barbados, pelo qual a ditadura de Nicolás Maduro se comprometia a realizar uma eleição livre e justa.

Yoris, que seria a substituta de María Corina Machado como candidata unificada da oposição, não conseguiu se registrar para disputar o pleito. O site em que deveria fazê-lo muito suspeitamente não funcionou, e as autoridades recusaram-se a estender o prazo.

Há menos de um mês, a Justiça cooptada pelo regime proibiu Machado de concorrer a cargos públicos por um período de 15 anos.

A nova postura brasileira, embora bem menos crítica a Caracas do que a de outras nações sul-americanas, contrasta com a atitude que Lula vinha adotando.

Ao celebrar a definição de uma data para a eleição, o petista disse, num misto de cegueira ideológica e insensibilidade, que a oposição venezuelana deveria parar de "ficar chorando" e indicar um outro candidato para substituir Machado.

No ano passado, saiu-se com a tese de que "o conceito de democracia é relativo", para não criticar o ditador companheiro.

A chancelaria venezuelana percebeu a mudança e emitiu uma nota dura, afirmando que o Brasil parecia seguir ordens de Washington.

Entretanto tomaram o cuidado de diferenciar o que entendem ser o posicionamento do Itamaraty do de Lula, procurando preservar o mandatário. Maduro, afinal, não tem tantos aliados para alijá-los por qualquer contrariedade.

É pouco provável que o presidente brasileiro tenha autorizado a mudança de atitude porque se deu conta da verdadeira natureza do regime de Maduro.

Sua tolerância para com chefes autoritários que ele julga amigos segue firme. Recentemente elogiou a eleição russa, que apresentou sinais inequívocos de manipulação.

Mas há motivos para crer que o petista foi, ao menos por ora, convencido de que seus posicionamentos na arena internacional custam popularidade no cenário interno, e se dispôs a conter o dano.

Espera-se que não desmantele a nova e mais equilibrada postura brasileira em sua próxima fala de improviso. Até Lula tem dificuldades para controlar Lula.

Israel se isola

Folha de S. Paulo

Tragédia da guerra em Gaza faz até EUA deixarem de apoiar o Estado judeu na ONU

Quando o grupo palestino Hamas lançou o mais devastador ataque terrorista da história de Israel, em 7 de outubro, boa parte do mundo cerrou fileiras com o Estado judeu.

O motivo era justo: mais de 1.200 pessoas mortas das formas mais brutais possíveis, outras estupradas e sequestradas geraram simpatia a uma nação acostumada a ser admoestada pelo tratamento que dispensa às populações palestinas sob seu jugo.

Mesmo países críticos a Tel Aviv, como diversos da Europa, se uniram no apoio ao direito de retaliação israelense. Para o cambaleante governo radical de Binyamin Netanyahu, foi oportunidade áurea para buscar a sobrevivência política.

Só que o premiê apegou-se à guerra, deixando no caminho 32 mil cadáveres recolhidos na Faixa de Gaza —mais a desordem no comércio no mar Vermelho pela retaliação dos houthis do Iêmen em apoio ao Hamas e o risco de um conflito maior, envolvendo o Irã.

O apoio a Israel esmaeceu, com a notável exceção de seu real fiador, os Estados Unidos. Mas a pressão do eleitorado americano, que vai às urnas em novembro, acabou por colocar os rivais Joe Biden e Donald Trump numa mesma posição: Netanyahu precisa parar.

Após iniciar o envio de magra ajuda humanitária a Gaza, o presidente democrata disparou uma salva diplomática inédita ao abster-se de votar na resolução do Conselho de Segurança da ONU que enfim pediu um cessar-fogo e a libertação dos reféns, sem contudo condicionar uma coisa à outra.

Abster-se equivale a condenar Israel na medida, abraçada pelos outros 14 membros do conselho. Foi a sexta resolução debatida sobre o tema —3 foram barradas pelos americanos, 2 por Rússia e China.

Ato contínuo, Netanyahu criticou Biden e cancelou o envio de uma delegação aos EUA, selando um isolamento mundial. Mas o premiê —que, se enfrentasse eleição, estaria fora do cargo, segundo pesquisas— ainda tem apoio interno à guerra em si. O país quer reaver os 134 reféns que estão com o Hamas.

Assim, como todas as resoluções do tipo, a atual ruma para a lixeira da "realpolitik". Quando Netanyahu se dará por satisfeito é incerto.

Calote como modelo de negócios

O Estado de S. Paulo

Governo Lula anuncia renegociação de dívidas estaduais que tem tudo para dar errado. Frouxidão das contrapartidas é incentivo para governadores ampliarem gastos e descumprirem acordo

O governo Lula da Silva cedeu aos governadores e aceitou renegociar as dívidas dos Estados mais encalacrados do País. Disfarçada com uma roupagem social, a proposta prevê a redução dos juros dos empréstimos àqueles que aceitarem aumentar o número de vagas ofertadas no ensino médio técnico. Os governadores interessados no pendura também poderão abater parte de suas dívidas de outras formas, por meio da entrega de empresas públicas à União.

Parece uma péssima ideia, e é. Qualquer renegociação séria deveria beneficiar as duas partes, tanto quem emprestou o dinheiro, que não quer levar um novo calote, quanto quem tomou os recursos, que deseja manter seu nome limpo na praça. Para isso, é fundamental que condições mais favoráveis para o pagamento estejam atreladas a contrapartidas firmes, cujo descumprimento deve implicar imediata execução da dívida.

Nada, no processo atual, inspira confiança de que dessa vez será diferente. O Executivo não demonstra qualquer preocupação em receber os recursos, e o histórico de alguns Estados permitiria incluí-los na lista dos chamados devedores contumazes, que fazem da inadimplência um verdadeiro modelo de negócios, muitas vezes com o apoio do Judiciário.

Os Estados devem quase R$ 750 bilhões à União. Se o número impressiona, o que mais chama a atenção é que não são os mais pobres os responsáveis pela maior parte da dívida. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por nada menos que 90% desse volume.

O fato de o problema não ser algo generalizado justificaria a adoção de acordos firmados diretamente entre o governo federal e os Estados em dificuldades, que levassem em conta as condições específicas de cada um deles para pagar os empréstimos – e não uma renegociação coletiva como o Executivo propôs.

É impossível não lembrar das experiências anteriores. Na maior delas, em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso assumiu as dívidas regionais para impedir que os Estados continuassem a financiar seus gastos por meio de seus bancos. Em troca, os Estados se comprometeram a privatizar suas instituições financeiras e distribuidoras de energia.

Aprovada no ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) consolidou esse processo ao impor travas aos gastos com pessoal e restrições que limitavam a expansão do endividamento dos entes federativos. Quem descumpria as contrapartidas deixava de receber repasses da União. Foi o caso mais bem-sucedido da história recente, mas tampouco esteve isento de erros.

À época, alguns Estados do Norte e do Nordeste não conseguiram vender suas distribuidoras dentro do prazo estabelecido. A União decidiu, então, assumir as empresas até estruturar uma nova tentativa de privatização. Era para ser algo temporário, mas durou 20 anos e gerou um prejuízo de mais de R$ 20 bilhões à Eletrobras. Diante desse exemplo, é estarrecedor que o governo volte a cogitar a ideia de aceitar estatais para amortizar dívidas.

As administrações petistas de Lula e Dilma Rousseff só acentuaram os problemas que já existiam ao incentivar o endividamento dos Estados. Mesmo aqueles com baixa capacidade de pagamento foram alcançados, a pretexto de incentivar investimentos públicos, mas os governadores beneficiados usaram o dinheiro para autorizar concursos públicos e conceder reajustes salariais.

Novas renegociações foram necessárias durante os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Foi quando o Rio de Janeiro se superou. Vendeu a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), como o acordo estabelecia, mas embolsou todo o dinheiro sem pagar o que devia à União, deixando o governo federal a ver navios.

A expansão do ensino médio técnico é o que supostamente justifica a mais nova renegociação das dívidas estaduais. Fica difícil acreditar nisso quando aquele que supostamente seria o maior interessado nesse acordo, o ministro da Educação, Camilo Santana, não estava na reunião com os governadores. Sua ausência fala por si: nem é preciso fazer curso técnico para saber quem vai pagar essa conta.

E o Hamas venceu

O Estado de S. Paulo

O grupo terrorista que trucidou israelenses inocentes e usa crianças palestinas como escudos ganhou a guerra pela opinião pública e agora mina até a sólida relação dos EUA com Israel

Por mais difícil que seja, na prática, conciliar o direito de defesa de Israel e os direitos humanos dos palestinos, os dois objetivos – maximizar a destruição militar e política do Hamas e minimizar a desgraça dos civis – não só são, em tese, compatíveis, como são indispensáveis. Aniquilar o Hamas fazendo de Gaza terra arrasada só aprofundará o caos que vomitará mais ressentimento, radicalismo e violência. Poupar os civis poupando o Hamas é um convite a mais agressões a Israel e opressão aos palestinos. Em ambos os casos o caminho para uma coexistência pacífica e próspera entre os dois povos será obliterado.

Israel começou a guerra com a solidariedade internacional e um consenso sobre seu direito de defesa. Em pouquíssimo tempo – horas até, em alguns casos – o 7 de Outubro foi esquecido e consolidou-se outro consenso: o de que a reação de Israel é “desproporcional”. Hoje Israel está isolado, e para grande parte da opinião pública global sua guerra é indefensável.

A recente resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre Gaza é paradigmática. É um sinal da disfuncionalidade da ONU que a resolução não tenha condicionado o cessar-fogo à libertação dos reféns; é um sinal de sua infâmia que não tenha condenado o Hamas; é um sinal do isolamento de Israel que seu principal aliado, os EUA, tenha retirado sua tradicional sustentação diplomática, abstendo-se. Israel vence batalhas militares, mas o Hamas vence a guerra política.

Um triunfo do Hamas, contudo, não será apenas o fracasso de Israel, mas do mundo e dos próprios palestinos. Ansioso por deter Israel, o mundo abandona a questão crucial: como derrotar um regime totalitário que oprime seu povo e quer exterminar os judeus e, no limite, subjugar todos os povos ao islã? Os dois objetivos – maximizar os danos ao Hamas e minimizar os danos aos palestinos – se mantêm indispensáveis, mas, em nome da paz e da prosperidade dos palestinos, o último eclipsou o primeiro, ameaçando a paz e a prosperidade de todos, incluindo os palestinos. Em nome de uma paz instantânea, mas ilusória, porque insustentável sem a justiça, o mundo está exercitando sua força para impedir Israel de vencer batalhas militares, quando deveria pressioná-lo a corrigir os rumos e vencer a batalha política.

Esta não é uma guerra convencional. O Hamas não quer simplesmente ser deixado em paz em Gaza. O grupo terrorista (e seu mandatário, o Irã) quer aniquilar Israel e para isso precisa excitar o ódio nos muçulmanos e a ojeriza no mundo contra os israelenses. Se o Hamas se preocupasse com a paz e a prosperidade dos palestinos, teria perseguido a solução de dois Estados. Se se preocupasse em proteger os civis, batalharia nas linhas de frente. Mas o Hamas torpedeou os Acordos de Oslo, desviou os recursos de Gaza para construir túneis e bases militares sob hospitais e escolas e usa a população não só como escudo, mas como camuflagem e munição humanas para sacrificar o máximo de civis. A morte de cada civil é atroz, mas nas condições desta guerra não só urbana, mas subterrânea e traiçoeira, a proporção de 1 soldado para 1,3 a 2 civis não é uma atrocidade de Israel, muito menos genocídio.

O verdadeiro crime de Israel não está na ação de seu Exército, mas na recusa do governo em prover suporte humanitário adequado, abrigo para os civis refugiados e ordem nos territórios ocupados, além de uma estratégia política e um canal de interlocução com os palestinos pacíficos, os árabes e todos que buscam reconstruir a Palestina e garantir a coexistência pacífica e próspera dos dois povos. A meta dos amigos da paz e da justiça deveria ser chamar os israelenses à razão e pressionar seu governo rumo a esses objetivos.

Israel deveria pensar o seu futuro como os israelitas que, segundo o livro bíblico de Neemias, reconstruíram sua nação após o exílio da Babilônia: com uma espada em uma mão (contra o Hamas) e uma pá na outra (junto com os palestinos). É verdade que, sob risco existencial, Israel abandonou a pá e tomou a espada com as duas mãos. Mas atar as mãos de Israel sem abater o Hamas não trará mais paz, prosperidade e justiça. Só mais violência, miséria e iniquidade.

Desespero criativo

O Estado de S. Paulo

Limitação de créditos tributários dá início a nova batalha judicial contra o governo federal

Era uma questão de tempo a batalha judicial contra a medida do governo federal que limitou a compensação de créditos tributários obtidos em ações de empresas na Justiça, em decisões transitadas em julgado, ou seja, que não admitem mais nenhum recurso. As primeiras sentenças já começaram a sair, em placar ligeiramente desfavorável ao governo, e – levando em conta tratar-se de grandes companhias, por meio das quais a Fazenda esperava garantir mais R$ 24 bilhões na arrecadação deste ano – a tendência é que puxem uma longa fila de litigantes.

Até mesmo as catracas do Ministério da Fazenda deviam esperar uma reação como essa, a despeito do tom quase de súplica do ministro Fernando Haddad ao anunciar, no fim do ano passado, o teor da Medida Provisória (MP) 1.202, que entrou em vigor em janeiro. “Assim como as empresas precisam se planejar, o Estado precisa se planejar também”, disse o ministro. Aí é que está: as empresas se planejaram de acordo com as causas tributárias ganhas na Justiça. Um revés com efeito retroativo como este acaba com qualquer planejamento.

O compreensível desespero da equipe econômica para reduzir o buraco das contas públicas e manter inalterada – ao menos por enquanto – a meta de zerar o déficit fiscal não justifica a adoção de medidas do tipo “devo, não nego, pago quando puder”, como o proposto na MP. Pela canetada, o governo limitou em R$ 10 milhões por mês o teto que empresas podem compensar em seus pagamentos de tributos. São 495 empresas com créditos entre pouco mais de R$ 10 milhões até mais de R$ 1 bilhão e que ganharam disputas judiciais contra o Fisco.

As pendengas judiciais são diversas e o governo federal tenta na Justiça evitar, por exemplo, que valores recolhidos a mais no ICMS, um imposto estadual, sejam compensados em tributos federais como PIS/Cofins. Questões meritórias à parte, com a MP a Fazenda na prática decidiu de forma unilateral e retroativa a respeito dos benefícios compensatórios. Para fechar as contas do ano, a equipe econômica propôs que o valor que ultrapasse os R$ 10 milhões seja compensado ao longo de até cinco anos.

A medida de Haddad foi comparada pelo ex-deputado Rodrigo Maia, hoje presidente do Conselho de Representantes da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), à chamada “PEC do Calote”, elaborada por Paulo Guedes, então ministro da Economia do governo Bolsonaro, que também limitou o pagamento de bilhões em precatórios devidos pela União para reduzir o rombo no Orçamento.

Na essência, a pedalada é a mesma. Na época, Guedes argumentou que iria disparar um míssil para abater um meteoro. Acabou provocando uma chuva de meteoros que desabou no primeiro ano do governo Lula, com o pagamento de R$ 92 bilhões das sentenças judiciais. Quando o martelo da Justiça é batido em última instância, sem cabimento de recurso, sabe-se quem é credor, quem é devedor e o valor devido. Postergar o pagamento não elimina a dívida e a história recente mostra que pedaladas podem levar a consequências desastrosas. 

Brasil deve se preparar para crítica mais enfática a Maduro

Valor Econômico

A deterioração do regime chavista atingiu um grau que não admite mais a menor participação democrática

O breve hiato de esperança de que o governo da Venezuela pudesse realizar eleições democráticas para presidente, como resultado do Acordo de Barbados, em troca da suspensão de várias sanções econômicas dos EUA, se fechou nesta semana, com as manobras descaradas de Nicolás Maduro para impedir a inscrição de oposicionistas no pleito. A principal aliança oposicionista, a Plataforma Unitária, não conseguiu incluir sua candidata, Corina Yoris, enquanto 12 outros concorrentes não tiveram problemas para fazê-lo.

Pela primeira vez um governo petista manifestou preocupação com as arbitrariedades do governo chavista, e, mesmo que em tom polido, cobrou explicações oficiais para as restrições arbitrárias à oposição. Recebeu o mesmo tratamento que o presidente Nicolás Maduro, há dez anos no poder, dispensa à oposição. Em nota oficial, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela respondeu que a nota oficial do Itamaraty era “intervencionista” e parecia ter sido redigida pelo Departamento de Estado dos EUA.

Desde o primeiro mandato de Lula, em 2003, o governo brasileiro tem feito vista grossa ao progressivo autoritarismo do governo venezuelano, que, já no fim do mandato de Hugo Chávez, desembocou em uma ditadura sem disfarces. Lula, admirador de Chávez, e o Itamaraty sempre defenderam o tratamento diferenciado ao país como uma forma de manter poder de influência e moderação sobre os chavistas. A mesma atitude obsequiosa foi seguida pela presidente Dilma Rousseff e de novo por Lula, que agora se empenhou em uma negociação multilateral (Acordo de Barbados) com EUA, a oposição venezuelana e a Noruega por eleições livres e limpas.

O acordo foi um incentivo a que Maduro permitisse uma avaliação popular dos governos chavistas, reinantes desde 1999. A deterioração do regime, na qual o governo brasileiro se recusou a acreditar e buscou encobrir, atingiu um grau que não admite mais a menor participação democrática. Maduro não pode aceitar ser desafiado em nenhum campo político. Suas ações o demonstram cabalmente. Nas últimas semanas, opositores têm sido presos sob acusação de participação em atos violentos para a derrubada do regime. Os principais candidatos da oposição com alguma chance de vitória, como Maria Corina Machado, Henrique Capriles e Leopoldo López, foram impugnados pela comissão eleitoral sob total controle do governo.

O governo determinou a prisão de assessores importantes de Maria Corina, eleita em primárias oposicionistas para concorrer contra Maduro, acusados de terrorismo e tentativa de sublevação contra o Estado. O presidente anunciou que pretende aprovar a toque de caixa, em um Congresso totalmente composto por chavistas, uma legislação contra o fascismo, na acepção particular de que opositores de todos os tipos se enquadram na definição. A Venezuela expulsou a assessoria técnica do Alto Comissariado da ONU para direitos humanos do país.

A Venezuela mostrou-se um pária belicoso, que pode pôr em xeque a paz existente ao longo das fronteiras brasileiras. Maduro reivindica para seu país a província de Essequibo, na Guiana, em cujas costas há um mar de petróleo, e chegou a criar um Estado com esse nome no mapa geográfico venezuelano. O Brasil age diplomaticamente para impedir o que pode vir a se transformar em um ato de agressão para conquista territorial pelos chavistas.

Apesar de reduzir a oposição a um objeto inofensivo, Maduro não descuidou de tentar manter uma fachada de democracia nas eleições que marcou para 28 de julho. Doze candidatos concorrerão, entre eles Manuel Rosales, hoje governador da província de Zulia, que disputou com Chávez as eleições de 2007 e obteve 37% dos votos. A Plataforma Unitária não conseguiu colocar Corina Yoris no páreo, mas, na última hora, foi bem-sucedida ao romper a barreira com o candidato provisório Eduardo Urrutia. Pelas regras, ele poderá ser substituído por outro oposicionista após 1 de abril.

Na verdade, Maduro escolheu os candidatos contra os quais prefere concorrer, que serão derrotados de antemão pelo jogo armado pelas instituições, sob total controle. O governo conta ainda com a aberração de que grande parte da população insatisfeita com anos de desmando chavista, que poderiam votar na oposição, ter abandonado o país. Saíram do território 7 milhões de habitantes, quase um quarto da população, no maior êxodo em massa do século em ambiente de paz.

Maduro se sente forte pela recuperação parcial da economia, cujo único pilar de sustentação é o preço do petróleo, em alta. A inflação continua escandalosa, mas menor do que já foi: 200%, ante mais de 3.000% em 2020. Julga-se confortável no poder até mesmo para desafiar seu principal aliado na região, o Brasil. O presidente Lula, por seu lado, saiu do apoio irrestrito para críticas moderadas ao regime chavista, depois que suas loas à democracia relativa e a Maduro foram desmentidas pelos atos do ditador e contribuíram para derrubar sua popularidade nos últimos meses. Pelo retrato de hoje, Maduro deverá permanecer no poder; Lula deveria se preparar para críticas mais enfáticas.

É hora de miscigenar o serviço público

Correio Braziliense

O avanço das cotas étnico-racial mudou o perfil das instituições públicas de ensino superior, com maior presença de negros, quilombolas e indígenas

Pretos e pardos somam 55,5% da população brasileira, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora sejam maioria na sociedade brasileira, os negros estão sub-representados nos espaços de poder, como no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Algo que se repete na maioria dos órgãos públicos em todo o país.

O avanço das cotas étnico-raciais mudou o perfil das instituições públicas de ensino superior, com maior presença de negros, quilombolas e indígenas. Em 2014, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.990, que reservou 20% das vagas em concursos públicos para os negros, por uma década. O efeito da norma termina em junho próximo.

No Congresso, tramita o Projeto de Lei 1958/2021. A proposta prorroga para 25 anos os efeitos da lei e eleva de 20% para 30% o percentual de vagas destinadas aos negros, quilombolas e indígenas. O PL foi aprovado em dezembro último pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. Em entrevista ao Correio Braziliense, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, defende a extensão do tempo de vigência da lei. Destacou que o Concurso Nacional Unificado, promovido pelo Ministério da Gestão e Inovação para preencher vagas no setor público, tem 2 milhões de inscritos, sendo que 420 mil são mulheres que se declararam negras.

Além de estender a vigência da lei, como prevê o PL 1958/21, a ministra Anielle defende a sua aprimoração, com a abertura de janelas para os indígenas e quilombolas, o que permitiria que indivíduos desses segmentos encontrassem seus iguais no setor público para serem atendidos. No Senado, as chances de aprovação são bem maiores do que na Câmara dos Deputados, onde o governo petista enfrenta mais resistência aos seus projetos.

O PL em debate não é bandeira desse ou daquele partido. Não tem coloração partidária. Ao contrário, busca dar aos órgãos públicos a coloração do tecido demográfico do Brasil, que se torna singular pela miscigenação das várias etnias que abriga. Indígenas, brancos, afrodescendentes, quilombolas, nacionais ou estrangeiros, o Brasil tem diversas paletas étnicas-raciais que o tornam único no cenário mundial. Restringir as chances de emprego no setor público a um determinado segmento significa legislar para fortalecer o racismo e as mais diversas formas de discriminações e preconceitos, e afrontar a realidade populacional do país.

Os integrantes do Congresso não chegaram à Câmara ou ao Senado com os votos de determinados grupos, mas conquistando votos de eleitores independentemente da sua origem. Durante a disputa, não houve discriminação desse ou daquele eleitor pela cor da pele. O importante era conquistar uma vaga no Legislativo. Por que, então, não adotar o mesmo critério para alargar o prazo de vigência do projeto de lei, que embasa os concursos públicos, sem levar em conta a origem dos candidatos, mas seus conhecimentos e competências para o exercício dos mais mais diversos cargos do poder público? A democracia racial precisa se tornar realidade no Brasil miscigenado.

 

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