O Globo
Se não há dúvida de que a prisão dos
mandantes do assassinato de Marielle
Franco escancarou a contaminação do aparato estatal no Rio de Janeiro pelo
crime organizado, também é verdade que só o crime ter sido solucionado já é um
fato totalmente atípico.
Levantamento do GLOBO no ano passado a partir de dados públicos, registros jornalísticos e de centros de pesquisa mostra que o crime organizado é suspeito de ter executado 43 políticos no Rio nos últimos 20 anos. Noutro trabalho publicado na mesma época, a cientista política Mariana Carvalho, da Universidade Brown, cruzou dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os do Datasus e concluiu que o Rio é o local onde mais se matam políticos no Brasil: 2,6 mortes por grupo de mil políticos.
Seja qual for o indicador, a conclusão é a
mesma: no estado que mais mata políticos no Brasil, quase nunca se descobre
quem matou e quem mandou matar. Por isso tanta gente alimenta a esperança de
que o caso Marielle venha a ser um marco de mudança.
Mas há também grandes chances de Marielle ser
apenas a exceção que confirma a regra, um daqueles crimes de grande repercussão
em que se empenham os melhores esforços na investigação, se elege um inimigo
público número um — como os irmãos Brazão — e
se entregam cabeças apenas para que tudo continue funcionando como dantes.
A cabeça agora é o ex-chefe da Polícia
Civil Rivaldo
Barbosa, que o matador Ronnie
Lessa diz ter arquitetado o crime e que estava “na mão” dos irmãos
Brazão. A fama de Rivaldo já era conhecida, a ponto de a Polícia
Federal (PF) avisar ao comando da intervenção federal sobre a
segurança do Rio em 2018 que não o nomeasse para o cargo.
Quem conhece bem o cenário fluminense sabe
que Rivaldo é apenas um na engrenagem azeitada pelo dinheiro do tráfico, da
milícia, da contravenção e de outras empreitadas criminosas que alimentam a
corrupção policial — negócio extremamente lucrativo, que em última instância
resulta numa das menores taxas de solução de homicídios do país.
Por mais complexo que seja o cenário, porém,
não é preciso ir longe para vislumbrar formas de virar a chave. A própria
história do caso Marielle já traz algumas pistas. Tudo caminhava para que as
mortes de Marielle e Anderson engordassem a estatística de crimes sem solução
quando as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile começaram a desarquivar
investigações sobre outros assassinatos suspeitos de ligação com o Escritório
do Crime.
De repente, brotou na Polícia Civil uma
denúncia anônima de que o atirador que puxara o gatilho era Lessa. As
promotoras cutucaram um nervo exposto da corrupção policial no Rio, a Delegacia
de Homicídios.
De lá para cá houve diversas reviravoltas.
Quem acabou concluindo a investigação foi a PF, mas ninguém discorda do papel
fundamental que as duas tiveram ao simplesmente cumprir a função do Ministério
Público de fiscalizar o trabalho das polícias.
No Rio, esse trabalho ocorre de forma
bissexta, sem recursos básicos, como acesso completo aos dados do sistema de
inteligência onde se pode ver que crimes estão sem solução, em que regiões e há
quanto tempo.
Para completar o quadro, em 2021 o
procurador-geral do estado, Luciano Mattos, nomeado por Cláudio
Castro (PL) com o
apoio da família Bolsonaro, extinguiu o Grupo de Atuação Especializada em
Segurança Pública (Gaesp), que fazia o controle das polícias.
Mattos foi reconduzido em 2023, mesmo tendo
sido derrotado na eleição interna do MP — isso levou todos os 26 promotores do
sobrevivente Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) a
pedir exoneração, incluindo Simone e Letícia.
O meticuloso trabalho para evitar o controle
da polícia fluminense não ficou restrito ao âmbito estadual. Quando o
superintendente da Polícia Federal no Rio, Leandro Almada, foi indicado para o
cargo, já com a missão de elucidar a morte de Marielle, o governador e aliados
do próprio PT fizeram
pressão sobre o Palácio do Planalto para barrar a nomeação.
Por essa mesma chefia da PF no Rio,
aliás, Jair
Bolsonaro é acusado de ter criado a crise que levou à saída de Sergio Moro do
Ministério da Justiça.
“Você tem 27 superintendências, eu quero
apenas uma”, disse o ex-presidente, segundo o próprio Moro.
A cronologia do caso Marielle deixa
claríssima a relação entre a metástase do crime organizado no Rio e o esforço
do sistema político em dificultar o controle da ação policial.
Por isso, qualquer que seja a fórmula de começar a mudar esse quadro, será preciso que algumas cabeças sejam entregues, para que o controle comece a ocorrer. E não serão as cabeças de Ronnie Lessa ou de Rivaldo Barbosa.
2 comentários:
Verdade.
E falta mostrar PROVAS das acusações feitas aos 3 presos recentemente. Os indícios são reais, mas prova mesmo eu ainda não vi, só a palavra do delator.
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