sexta-feira, 26 de abril de 2024

Bernardo Mello Franco – Chibatada na História

O Globo

Depois de 114 anos, a Marinha continua a açoitar a memória de João Cândido. O comandante Marcos Sampaio Olsen pediu aos deputados que rejeitem a inclusão do navegante negro no Livro de Heróis da Pátria. Alegou que ele teria deixado um “reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro”.

No início da República, a Marinha ainda submetia os praças a castigos físicos. A Lei Áurea, que abolira a escravidão em terra firme, não havia chegado aos navios de guerra.

Em 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes foi amarrado ao mastro de um encouraçado e levou 250 chicotadas. A surra motivou a Revolta da Chibata, que obrigaria a Força Naval a suspender a rotina de maus-tratos.

Em carta enviada à Câmara, Olsen classificou o motim como “fato opróbrio” (vergonhoso) e “deplorável página da história nacional”. Descreveu seus participantes como “abjetos marinheiros”, que teriam ferido a hierarquia e a disciplina para “chantagear a nação”.

O almirante reconheceu que os castigos físicos eram “equivocados”, mas tratou João Cândido, líder do levante, como um “insurgente” a serviço da “subversão”. Com essa retórica embolorada, conclamou os parlamentares a negarem a homenagem oficial.

O projeto já foi aprovado no Senado. Agora é debatido na Comissão de Cultura da Câmara. Em audiência na quarta-feira, um representante da Marinha leu a correspondência de Olsen e acrescentou que a revolta sempre será considerada um episódio “inaceitável”.

O historiador Álvaro Pereira do Nascimento, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, classificou a renitência como um “erro grave”. “A Marinha tem que assumir seus erros. Não haverá como apagar isso da História”, advertiu.

Preso, torturado e expulso da corporação, João Cândido morreu na pobreza, em 1969. Décadas depois, é reverenciado como símbolo da luta contra o racismo. A carta de Olsen desonra a Marinha, não a memória do marinheiro.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Conhecido como navegante negro,tinha dignidade de um mestre sala...

Daniel disse...

Barbaridade! Cabeça de militar é mesmo cheia de titica. O almirante não se envergonha de suas "ideias"?