Crise fiscal exige plano de corte de gastos
O Globo
Alerta do FMI é mais uma prova do erro
cometido nas políticas de salário mínimo e vínculos orçamentários
O último relatório do Fundo Monetário
Internacional (FMI)
sobre políticas fiscais em todo o mundo aumentou a estimativa de déficit
nas contas
públicas brasileiras em 2024 de 0,2% para 0,6% do PIB (mais
longe do objetivo oficial: zero). Elaborado antes de o governo afrouxar as
metas dos próximos anos, o estudo revela a necessidade de mais esforço para
evitar o descontrole na dívida pública. Em vez disso, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva trocou as metas de superávit para 2025 (de 0,5% para zero) e 2026 (de 1%
para 0,25%). A impressão é que abandonou qualquer plano de ajuste fiscal.
Um governo comprometido com a queda do endividamento público, uma das raízes do crescimento baixo, concentraria esforços em cortar ou, no mínimo, diminuir o ritmo de alta dos gastos. Não é a tônica da atual gestão. Os primeiros sinais da falta de compromisso com a responsabilidade fiscal foram dados antes mesmo da posse. A PEC da Transição, aprovada em dezembro de 2022, aumentou as despesas, a pretexto de cumprir promessas de campanha, e previu substituir o teto de gastos por uma nova regra.
Em agosto do ano passado, a mesma lei
complementar que criou o novo arcabouço fiscal voltou a indexar os gastos
mínimos com saúde e educação ao crescimento da receita (a regra válida desde
2016 era correção pela inflação). Como o governo escolheu a estratégia de
aumentar a arrecadação para equilibrar as contas, as vinculações de saúde e
educação aumentaram automaticamente o gasto previsto para as duas áreas,
enfraquecendo o esforço de ajuste. Ainda tramita no Congresso a ideia sem nexo
de criar mais um vínculo orçamentário para despesas com Defesa.
Noutra frente, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva pediu, e o Congresso aprovou, uma nova política para o salário mínimo.
O piso nacional passou a contar com a possibilidade de aumentos acima da
inflação garantidos por lei (reajustes levam em conta a inflação do ano
anterior, mais o crescimento do PIB de dois anos antes). Só o aumento previsto
para 2025 terá impacto de R$ 36 bilhões nas despesas do governo, sobretudo em
gastos com benefícios previdenciários indexados ao mínimo.
Olhando para a frente, nada sugere mudança de
atitude. À medida que as demandas surgirem, a tendência do Congresso será abrir
exceções no esforço fiscal. Foi o que aconteceu com o programa Pé-de-Meia. Para
estimular o ensino médio, o governo passou a conceder bolsas de estudos.
Executivo e Legislativo não negam a disposição de gastar R$ 7,1 bilhões por ano
com o programa, mas decidiram deixar a quantia fora da meta fiscal, como se
isso fizesse a despesa sumir.
Os brasileiros merecem mais na saúde e na
educação, e o Pé-de-Meia, embora precise ser testado, parece ter méritos. Mas
defensores do mantra “gasto é vida” qualificam quem exige responsabilidade
fiscal como inimigo dos pobres. Nada mais absurdo. Se gastar irresponsavelmente
fosse solução para a pobreza, o Brasil já seria um país rico. Para alocar
recursos ao que é prioritário, é preciso tirar de outro lugar. Políticas
populistas aumentam a dívida pública, contribuem para a alta dos juros, inibem
investimentos e reduzem a possibilidade de gerar mais emprego e renda. A saída
para o Brasil quebrar o histórico de índices sociais sofríveis é o crescimento
sustentado da economia. Fingir que a dívida não é problema só atrasa qualquer
solução.
PEC ressuscitando reajuste automático para
juízes e promotores é indefensável
O Globo
Em momento de crise fiscal, plenário do
Senado tem dever moral de rejeitar a benesse descabida
Não há justificativa defensável para a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado ter aprovado a Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) que, para beneficiar juízes e promotores, promove a
ressurreição do quinquênio, aumento automático extinto há 18 anos. A PEC,
desengavetada pelo presidente da Casa, senador Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), beneficia duas das categorias mais
privilegiadas no serviço público com reajustes salariais de 5% a cada período
de cinco anos, chamados Adicionais por Tempo de Serviço (ATS), pagos sem
nenhuma relação com o desempenho do servidor. A decisão da CCJ, que será
encaminhada ao plenário, reforça uma visão cartorial do serviço público, avessa
ao mérito.
Juízes e promotores estão entre as categorias
mais bem remuneradas no setor público, com um salário médio que os coloca entre
os 2% de maior renda no país. Os juízes contam ainda com privilégios já
extintos em outras áreas, como férias de 60 dias, licenças-prêmio,
aposentadorias compulsórias e outras benesses. Podem ainda receber em dinheiro
férias não usufruídas, o que lhes garante volta e meia somas inimagináveis para
outros servidores ou empregados no setor privado.
Como já aconteceu outras vezes em que
corporações do funcionalismo pressionaram o Congresso na defesa de seus
interesses, a PEC tem recebido emendas para ampliar os beneficiados, abrangendo
aposentados e pensionistas. O relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), acolheu
pedido para incluir integrantes da Advocacia Pública da União, dos estados e do
Distrito Federal. Também deve levar o reajuste automático quem segue carreira
jurídica em todos os Poderes e na Defensoria Pública. Do jeito como são as
coisas em Brasília, não se pode descartar o pagamento retroativo das benesses.
Apenas Judiciário e Ministério Público
consomem por ano aproximadamente 1,8% do PIB, 11 vezes o custo de instituições
similares na Espanha, dez vezes o na Argentina e nove vezes o nos Estados
Unidos. Não há paralelo no planeta para a prodigalidade com que o Brasil trata
seu Judiciário, que não é propriamente conhecido pela eficiência.
De acordo com o Centro de Liderança Pública
(CLP), o impacto da medida representaria neste ano um gasto de R$ 1,8 bilhão. O
Ministério da Fazenda estima, ao todo, uma despesa anual adicional de R$ 42
bilhões se todas as categorias relacionadas ao Judiciário também forem
beneficiadas. Como costuma acontecer nessas ocasiões, o aumento para uma ou
duas puxa a fila de pedidos de reajuste. A decisão da CCJ do Senado abre a
porteira para mais pressão do funcionalismo federal sobre o governo.
A tentativa de ressuscitar o quinquênio
coincide com o afrouxamento das metas fiscais pelo governo. Pode servir de
estímulo a outros desvarios do tipo. Cabe ao plenário do Senado e, em último
caso, à Câmara repelir a investida. No mínimo, por um dever moral.
Poderes estão fora de órbita no Brasil
Folha de S. Paulo
Judiciário legisla, Congresso sequestra
Orçamento, Executivo ataca equilíbrio fiscal; urge corrigir essa anomalia
O presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criticou o
ministro responsável pela articulação política do governo, Alexandre
Padilha (PT), e teve um primo
demitido de uma prebenda federal. O Planalto dobrou a aposta no ministro, e o
centrão trama maneiras de retaliar o Executivo.
Lira também se incomodou com mais uma
provável reviravolta em entendimentos do Supremo Tribunal Federal —que mudou de
ideia e se inclina a ampliar sua alçada sobre autoridades com foro especial— e
ameaçou criar uma CPI para investigar supostos abusos em decisões de ministros
da corte.
Reagindo a uma investida do STF em
temas legislativos, o Senado aprovou
emenda à Constituição que, ao estilo das nações mais regressistas do
planeta, criminaliza o
porte e a posse de drogas.
Um grupo de juízes da corte manifestou sua
preocupação com a saliência do Congresso num jantar em "petit comité"
com o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). Um dos comensais, Alexandre de
Moraes, entabulou
depois conversas diretas com Lira e o chefe do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG).
Como costuma ocorrer em Brasília,
o que inicialmente parece configurar uma "crise entre os Poderes"
caminha depressa para a prática secular do acordão entre poderosos. O objetivo,
no fim das contas, não é mais que acomodar interesses mesquinhos.
Passa como se fosse virtude a doença crônica
que acomete a tríade dos Poderes no Brasil. Não é normal que juízes da corte
suprema dediquem o seu tempo a tricotagens com autoridades que nomeiam,
controlam e aprovam magistrados constitucionais.
Mas esses convescotes são frequentes, sintoma
epidérmico da falta de respeito às fronteiras institucionais em Brasília.
Nessa geleia geral em que se confundem os
papéis, não constitui surpresa que juízes se intrometam corriqueiramente em
assuntos do Legislativo e do Executivo, como ocorre agora no julgamento sobre
descriminalização dos usuários de maconha.
Também o Congresso conspurca fronteiras.
Absorveu ao longo dos últimos anos a prerrogativa, contraditória com o
presidencialismo, de distribuir,
sob critérios paroquiais e eleitoreiros, uma montanha de recursos públicos sob
a forma de emendas parlamentares que distorcem o jogo político.
Já o Executivo abriu mão de ser o fiador do
equilíbrio orçamentário de longo prazo e joga lenha na fornalha da gastança. O
equilíbrio orçamentário caminha ao lado da estabilidade política.
Os Poderes estão fora de órbita no Brasil.
Como corrigir essa anomalia deveria ser uma prioridade da agenda nacional.
Tropeços com vacinas
Folha de S. Paulo
Governo não pode se eximir da
responsabilidade por falhas contra Covid e dengue
O sistema de vacinação no
Brasil, que já foi exemplo para o mundo, enfrenta percalços no governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT).
A má nova mais recente diz respeito à
aquisição de vacinas atualizadas contra a Covid-19. Em dezembro, a Anvisa
concedeu registro para imunizante da Pfizer específico
para a variante XBB. Entretanto, quatro meses depois, a compra não foi
concluída.
A campanha de
vacinação, que deveria estar em curso, ficou para maio. Ao longo de
2023, o governo só adquiriu doses da Coronavac. A recomendação técnica era
aguardar as vacinas de mRNA atualizadas da Pfizer e da Moderna —o registro
desta só veio em março.
Atrasou, com isso, o pregão entre as duas
concorrentes. Mas nem tudo que é explicável é justificável, especialmente no
que toca à saúde da
população. O bom gestor precisa antecipar-se a possíveis entraves. Problema
similar deu-se na atual epidemia de dengue.
O Ministério da
Saúde não agilizou a burocracia para a compra do imunizante
Qdenga nem preparou a infraestrutura do sistema de saúde para a alta de casos
—que havia sido projetada pela OMS no
início de 2023 divido à mudança climática e ao fenômeno El Niño.
Em quatro meses, a doença tirou a vida de
1.116 brasileiros, ante 1.094 em todo o ano passado.
Ademais, a vacinação com a Qdenga obteve
baixo comparecimento, mesmo limitada à coorte de 10-14 anos. Na quarta-feira
(17), o Ministério da Saúde emitiu nota
permitindo inocular pessoas de 4 a 59 anos, como paliativo para não
desperdiçar imunizantes com vencimento no fim deste mês.
Por óbvio, o discurso antivacina de Jair
Bolsonaro (PL) foi um dos vários descalabros provocados pelo
seu governo na área da saúde. Mas o PT já está no poder há 16 meses, e a pasta
chefiada por Nísia
Trindade não pode mais escorar-se nos desmandos do passado para
isentar-se de responsabilidades.
Também cabe assinalar que as pressões políticas do Congresso contra a ministra têm pouco a ver com o bem-estar da população e muito com o apetite fisiológico de parlamentares do centrão pelo gordo orçamento da Saúde.
Avança a PEC lesa-sociedade
O Estado de S. Paulo
Ao aprovar volta do quinquênio para casta do
funcionalismo, CCJ do Senado vira as costas para o País e debocha das carências
de milhões de brasileiros privados de uma vida digna
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do
Senado, que, obviamente, deveria zelar pela higidez constitucional das matérias
que aprecia, acaba de avalizar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
atenta contra um dos princípios mais comezinhos do regime republicano inscrito
na Lei Maior: a igualdade de todos perante a lei, sem privilégios de qualquer
natureza. Trata-se da PEC 10/2023, apresentada pelo presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSDMG), a fim de resgatar a excrescência do quinquênio – um aumento
automático de 5% nos salários de algumas categorias do serviço público a cada
cinco anos de trabalho.
A PEC 10/2023 é degenerada na origem. A
concessão dessa gratificação salarial cumulativa aos servidores das chamadas
carreiras jurídicas – que já compõem, é bom lembrar, a elite do funcionalismo
no Brasil – é mais um privilégio absolutamente incompatível com a noção mais
elementar que alguém possa ter de República. Ademais, está-se diante de uma
imoralidade em um país onde metade da população ainda não tem acesso a esgoto
sanitário em pleno século 21 e onde quase metade das crianças vive em situação
de pobreza, condenadas, portanto, a um futuro nada auspicioso.
Porém, mesmo que o Brasil fosse um país rico
e a maioria de sua população desfrutasse de uma qualidade de vida de país
nórdico, o pagamento de quinquênio para uma casta de servidores – magistrados,
membros do Ministério Público, da Advocacia Pública da União, Estados e
municípios, delegados da Polícia Federal e servidores dos Tribunais de Contas –
seguiria como o acinte à moralidade pública que é. Ao chancelar essa PEC
lesa-sociedade, que seguiu para o plenário, a CCJ do Senado virou as costas
para o País e debochou das carências de milhões de brasileiros privados de uma
vida digna.
O nível da discussão na CCJ demonstrou que
seus membros parecem crer que o Poder Legislativo por vezes deve trabalhar para
colocar o Estado a serviço da casta de servidores, e não da sociedade. O
relator da PEC 10/2023 no colegiado, senador Eduardo Gomes (PL-TO), chegou ao
cinismo, não há outra maneira de dizê-lo, ao defender a volta do quinquênio. “A
gente precisa gastar melhor o dinheiro público”, afirmou o sr. Gomes, “e talvez
gastar melhor signifique gastar com os bons funcionários públicos.”
Além de cínico, o argumento do relator é
falacioso. Afinal, o que os servidores das carreiras jurídicas terão de fazer
para merecer o incremento de 5% em seus vencimentos a cada cinco anos?
Rigorosamente nada. Ao que parece, o único requisito é ter sido aprovado em
concurso público. E não se pode nem dizer que eles deverão permanecer na
carreira, pois o quinquênio também valerá, caso a PEC seja promulgada, para os
servidores já aposentados.
À guisa de justificação, Pacheco alega que é
preciso transformar as carreiras jurídicas públicas em algo mais “atrativo”,
tanto para “os jovens operadores do direito” como para os que já estão “no fim
de suas carreiras”. Entende-se a necessidade de progressão salarial, mas não é
disso que se trata. As carreiras jurídicas públicas já são atrativas, como
demonstra a acirrada disputa por vagas a cada concurso público. E o são
justamente porque compõem a parcela mais bem remunerada não apenas do serviço
público, mas do País.
Os defensores dos privilégios para membros do
Poder Judiciário e do Ministério Público, entre outros, alegam desproporção
salarial em relação às carreiras jurídicas na iniciativa privada. Contudo, com
boa dose de malícia, só enxergam os milhões de reais que poucas bancas
conseguem amealhar, e não a massa de advogados que batem ponto nos fóruns
Brasil afora para ganhar, em média, nem um terço do que ganha um juiz em início
de carreira.
Para adicionar insulto à injúria, o
quinquênio ainda seria pago a título de indenização, e não remuneração, de modo
a não incidir sobre o teto constitucional do funcionalismo público. Eis uma
breve aula acerca dos percalços de uma República que há quase 135 anos luta
para se afirmar como tal.
Teste de realidade
O Estado de S. Paulo
As pressões de sindicatos e movimentos
sociais sobre o governo são cada vez maiores, o que exige uma habilidade
política que Lula da Silva não parece demonstrar no momento
Liderado por um ex-paredista, o governo
federal está enfrentando o duro teste de realidade de quem prometeu atender
demandas praticamente impossíveis de cumprir, sobretudo diante dos companheiros
de sindicatos e de movimentos sociais que equiparam a eleição de Lula da Silva
à volta do messias. Passados mais de 15 meses de mandato, as pressões são
evidentes, e o governo parece mais atônito do que nunca nas suas respostas.
Fazendo jus à sua vocação para emparedar
governos, especialmente governos lulopetistas, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) puxa o grito das gralhas, com sua tradicional sequência
de invasões e delitos a que chama de “Abril Vermelho”. Enquanto o governo
anunciava o Programa Terra da Gente, destinado a acelerar assentamentos, o
bando invadia propriedades privadas e públicas em pelo menos 11 unidades da
Federação, incluindo áreas de pesquisa da Embrapa e da Comissão Executiva do
Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), ambas ligadas ao Ministério da
Agricultura. Por afinidade ideológica ou pela esqualidez moral do governo, a
truculência habitual foi premiada mais uma vez.
Enquanto isso, a paralisação dos
profissionais do meio ambiente ameaça, desde janeiro, a fiscalização ambiental
e a emissão de licenças para obras de infraestrutura suspensas. Uma
bomba-relógio com perigo iminente para o que se imagina ser estratégia do governo
Lula para o País, isto é, a economia e o meio ambiente. Antes, o ministro do
Trabalho, Luiz Marinho – uma espécie conhecida (e não rara em governos do PT)
de “ministro dos sindicatos” –, defendeu distorções em favor dos privilégios
das guildas. Primeiro, Marinho tentou arruinar a reforma trabalhista, com
mudanças que feririam de morte a modernização da legislação implementada no
governo Temer; depois, seguiu numa ofensiva atabalhoada em nome do projeto de
lei que cria direitos trabalhistas para motoristas de aplicativos.
Agora professores de universidades e
institutos federais entraram em greve reivindicando reajuste salarial,
reestruturação de carreira e equiparação dos benefícios dos servidores públicos
federais àqueles concedidos ao Legislativo e Judiciário. O diálogo aberto com o
governo não freou o ímpeto da categoria para suspender as aulas. Trata-se de
uma iniciativa que, como se sabe, prejudica tão somente os alunos e o País,
como bem resumiu o ministro da Educação, Camilo Santana – aliás, um dos
raríssimos exemplos de condenação pública de uma autoridade petista a um
movimento grevista. Servidores técnico-administrativos de institutos federais
já estão em greve desde março, pedindo a revogação de diversas iniciativas de
governos anteriores, ao pregar inclusive uma contrarreforma da Previdência
Social.
Não satisfeito, o partido do presidente tem
reforçado as pressões ao liderar a sabotagem ao ministro da Fazenda, Fernando
Haddad. Para os petistas, certamente não sem o aval de Lula, Haddad erra ao se
esforçar pelo elementar: a responsabilidade das contas públicas. Um esforço
vão, como se viu na revisão da meta fiscal para este ano. No pensamento
rupestre lulopetista, as lições dos governos anteriores de Lula e Dilma
Rousseff devem ser revogadas e substituídas pelo raciocínio torto e
reconhecidamente ineficaz segundo o qual é gastando mais que se cresce.
Pressões de toda ordem fazem parte da rotina
de governos, à esquerda e à direita, responsáveis ou populistas. Sobretudo
quando demandas ficaram represadas durante quatro anos, como foi o caso do
governo de Jair Bolsonaro, marcado por arrocho salarial e absoluta ausência de
diálogo. O problema das pressões atuais é que exigem uma habilidade política
que Lula não parece demonstrar no momento. Ele e seus ministros vêm se
desequilibrando num perigoso pêndulo – ou a dificuldade de atender as demandas
ou a tentação de atendê-las em demasia.
Seus efeitos são trágicos e conhecidos:
desarranjos institucionais, greves, invasões de terra e a areia movediça da
instabilidade e do risco permanentes. Uma tentação adicional para abrir os
cofres onde não há espaço para concessões.
Liturgia democrática
O Estado de S. Paulo
É um avanço ver o diálogo civilizado entre o
ministro da Justiça e a bancada da bala no Congresso
O ministro da Justiça e Segurança Pública,
Ricardo Lewandowski, foi nesta semana a uma audiência da Comissão de Segurança
Pública da Câmara e de lá saiu com um triunfo imprescindível para um País
cindido e polarizado: a retomada da liturgia da democracia, aquela segundo a
qual se assenta o princípio elementar de convivência respeitosa entre
contrários, a busca de consensos e a relação harmoniosa entre representantes de
dois Poderes. A comissão é um espaço de maioria oposicionista e concentrada na
chamada bancada da bala, e parlamentares bolsonaristas não hesitaram em
provocar o ministro e demarcar suas diferenças, sobretudo na política de armas.
Mas nem a oposição nem o convidado ficaram presos nas armadilhas das
discordâncias, como se inimigos fossem.
Lewandowski tratou os parlamentares não como
irresponsáveis armamentistas, mas como lideranças experientes no assunto.
Sugeriu canal de diálogo em torno de pontos pleiteados pela bancada, como o
direito adquirido de clubes de tiro fechados por decreto. Deixou alternativas
em aberto para acomodar demandas e criticou a inflexibilidade em relação à
oposição – recomendação a ser ouvida por muitos dos seus colegas ministros, do
PT e do próprio Palácio do Planalto, que costumam enxergar oposicionistas ou
como potenciais cooptados ou, repetindo os métodos do expresidente Jair
Bolsonaro, como inimigos a serem aniquilados. Em contrapartida, foi elogiado. O
próprio presidente do colegiado, Alberto Fraga (PL-DF), prometeu no início da
sessão que o ministro não seria destratado. E não foi.
A demonstração de civilidade na comissão é
mais notável quando se observa o atual panorama das relações entre Executivo,
Legislativo e Judiciário e sua espiral descendente de revanches e conflitos
(ver o editorial Freios e contrapesos em frangalhos, 18/4/2024). E mais ainda
quando se recorda das diatribes produzidas pelo antecessor de Lewandowski. Quem
não se lembra das ruidosas polêmicas protagonizadas por Flávio Dino? À época,
substituía a liturgia do cargo pela vocação exibicionista, opinava histrionicamente
sobre tudo e sobre todos, fustigava adversários, fazia prejulgamentos sobre
casos e se convertia numa espécie de influencer militante, mais preocupado em
atingir corações e memes nas redes sociais do que zelar pelas funções do cargo.
A mudança não ocorre sem riscos. Há um
equilíbrio tênue a buscar, sobretudo num terreno onde não faltam convicções
enraizadas. O próprio ministro deu um exemplo disso, o veto ao artigo da nova
Lei de Execuções Penais que proibia saídas temporárias de presos por razões
familiares. Por outro lado, a bancada da bala claramente pressionou Lewandowski
contra uma diretora da pasta que ajudou a elaborar o decreto que reviu a
política de controle de armas. A resposta do ministro deu sinais de que pode
rifá-la.
Já se trata, porém, de um avanço extraordinário poder assistir a uma audiência do ministro da Justiça sem parecer que estamos diante de um teatro de guerra ou de animadores de auditório. A liturgia da democracia dá mais trabalho, mas é o melhor caminho para aperfeiçoar ideias e reconstruir o País.
Instabilidade pode mudar a rota de atuação do
BC
Valor Econômico
Mais uma vez, após um bom intervalo de tempo
para consertar o problema fiscal, nova onda de instabilidade externa atinge o
Brasil e pode obrigar a taxa Selic a estacionar em nível indesejavelmente alto
As turbulências atuais já eram previstas, com
a reversão de expectativas otimistas demais por parte dos investidores quanto
ao afrouxamento da política monetária nos EUA. Cortes rápidos das taxas,
ignorando a base cautelosa das afirmações das atas do Federal Reserve (Fed, o
banco central americano), se revelaram enorme erro de cálculo. A persistência
de juros maiores nos EUA, uma possibilidade sublinhada pelo Fed há meses, está
na base da volatilidade atual nos mercados financeiros globais. A consequência
direta, o fortalecimento do dólar, afeta países com diferentes graus de solidez
econômica. No caso do Brasil, foi um mau momento. Apesar de a economia
apresentar performance razoável, o governo brasileiro ignorou os sinais de
resistência inflacionária e abandonou a promessa de controle, já frouxa,
trazida pelo novo regime fiscal.
Mas, assim como os investidores erraram no
otimismo, podem estar errando agora na direção contrária. O FMI já advertira há
meses que o movimento de reavaliação dos preços dos ativos em caso de
manutenção dos juros nos EUA por mais tempo sacudiria as economias emergentes
pelo canal financeiro. Essa ameaça não atingiu o Brasil pelo lado mais
perigoso, o da fuga de dólares e problemas no balanço de pagamentos, com
diminuição da capacidade de respeitar seus compromissos - as reservas nacionais
são de US$ 352 bilhões -, e sim pela desvalorização cambial e seus efeitos
potenciais sobre a inflação doméstica. Foi a combinação inusual de aumento dos
preços das commodities e do dólar em relação ao real que fez a inflação
ultrapassar os dois dígitos (10,06%) em 2021.
Haverá um impulso inflacionário se o dólar
mudar permanentemente de patamar, o que não é uma certeza. Em repiques
anteriores ele regrediu - ainda no início de abril a cotação foi de R$ 5,
oscilando abaixo disso por quase um ano. Um problema premente, porém, é o do
reajuste de combustíveis. Antes da disparada da moeda americana, havia
defasagem estimada de 17% nos preços domésticos da gasolina e de 12% no caso do
diesel. A desvalorização do real torna a defasagem maior, assim como dá
urgência à necessidade de correção. Um reajuste de 10% levaria o IPCA a subir
0,49% no mês subsequente, o que não é pouca coisa diante de uma inflação em 12
meses de 3,93% em março.
Os cenários doméstico e externo, já
qualificados como incertos na ata da mais recente reunião do Copom, tornaram-se
ainda mais fluidos. Assim, não é possível determinar com qualquer precisão se o
balanço de riscos delineado pelo Banco Central se alterou.
O BC alinhava entre os riscos de alta a
“maior persistência das pressões inflacionárias globais”, o que parece se
firmar como elemento desestabilizador agora, e, no campo doméstico, “uma maior
resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do
produto mais apertado”, o que também encontra apoio na realidade. Os riscos de
baixa tornaram-se bem menores: a “desaceleração da atividade econômica global
mais acentuada do que a projetada” e “os impactos do aperto monetário sincronizado
sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado”.
Diante do aumento dos riscos para a inflação,
o BC já havia reduzido seu horizonte de orientação futura de dois meses para
um. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicou que mesmo a sinalização de
novo corte de 0,5 ponto em maio está em xeque e abriu, em palestras em
Washington, um leque de quatro possibilidades. No caso de mudanças
significativas que o obriguem a modificar o cenário de risco, o processo de
queda dos juros já seria interrompido na próxima reunião, dentro de três
semanas. Se as turbulências forem passageiras, como chuvas de verão, o corte de
0,5 ponto percentual da Selic estará assegurado. Se a volatilidade continuar
alta, sem que seus efeitos sejam mais graves do que os que já se manifestam, o
corte de juros seria atenuado para 0,25 ponto percentual. E, no caso de um
cenário de forte estresse global, a Selic poderia voltar a subir.
Alguns graus de instabilidade foram
acrescidos a esse quadro com a mudança das metas fiscais trazidas pelo projeto
de LDO de 2025. Ficou comprovado que o governo não tem interesse em persistir
na busca do equilíbrio das contas públicas e está mais interessado em obter
crescimento a qualquer custo, mesmo com a inflação ainda desancorada, tornando
mais difícil sua queda e mais provável sua elevação. Os efeitos da frouxidão
fiscal, porém, se manifestam ao longo do tempo, mas com efeitos imediatos nas
expectativas, que pioraram.
Salvo desastres geopolíticos, a situação econômica global pode não ser muito afetada pela revisão das expectativas e os mercados se reacomodarem em breve. A inflação resistente no mundo inteiro deve exigir juros maiores por mais algum tempo, o que não é sinônimo de catástrofe à vista. Porém, mais uma vez, após um bom intervalo de tempo para consertar o problema fiscal, nova onda de instabilidade externa atinge o Brasil e pode obrigar a taxa Selic a estacionar em nível indesejavelmente alto. Parar com taxa real perto de 6% inibirá investimentos e o crescimento da economia, além de piorar as contas fiscais.
Brasil e os seus povos indígenas
Correio Braziliense
A comemoração foi criada como Dia do Índio,
em 1943, na Era Vargas, muito pela pressão de Marechal Rondon, importante
indigenista brasileiro
Nesta sexta-feira, é celebrado o Dia dos
Povos Indígenas. A comemoração foi criada como Dia do Índio, em 1943, na Era
Vargas, muito pela pressão de Marechal Rondon, importante indigenista
brasileiro. O objetivo era celebrar a diversidade da cultura indígena e
destacar a relevância desses povos na história nacional. Passados 81 anos da
instituição da data e com a nova denominação a partir de 2022, os propósitos de
combater preconceitos e fortalecer a luta por direitos ainda se mostram
urgentes.
Nas escolas, é tradicional que eventos sobre
a temática ocorram. A abordagem na sala de aula segue fundamental, mas ir além
disso também. Aproveitar o dia para pensar nos avanços que devem ocorrer para
que os direitos dos povos indígenas sejam integralmente garantidos é
necessário. Mesmo com as conquistas ao longo do tempo, refletir sobre as
questões não resolvidas precisa fazer parte das atividades comemorativas.
De 1943 até hoje, os povos indígenas
fortaleceram suas organizações, formaram lideranças e produziram ações
determinantes. O estabelecimento da primeira reserva indígena, na década de
1960, os movimentos que marcaram a Constituinte e a criação do Ministério dos
Povos Indígenas e de uma Frente Parlamentar Mista, em 2023, são marcos
importantes. Porém, o debate para a definição de diretrizes governamentais
precisa continuar.
Segundo o último censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena chegou a
1.693.535 pessoas em 2022, o que representa 0,83% do total de habitantes. Um
pouco mais da metade (51,2%) estava concentrada na Amazônia Legal. Em 2010,
quando foi realizado o levantamento anterior, foram contados 896.917 indígenas.
Isso equivale a um aumento de 88,82% em 12 anos. Além disso, houve crescimento
no número de terras indígenas, passando de 505 para 573 entre 2010 e 2022. O
que não se consegue mensurar é a contribuição dos povos originários na formação
do Brasil.
Lamentavelmente, a tentativa de apagamento da
cultura indígena produziu efeitos perversos. Diante disso, recuperar
devidamente o peso histórico do modo de viver desses povos é uma pauta
obrigatória. O país precisa dar o devido espaço ao protagonismo indígena nas
mais diversas áreas. O desrespeito de décadas exige reparações e, para isso, o
debate tem de ocorrer no cotidiano.
Quebrar preconceitos e abrir lugar aos
indígenas na sociedade conferem significado a esta sexta-feira. Por outro lado,
cobrar a responsabilidade dos governos para que os direitos indígenas sejam
respeitados é ponto crucial. A discussão sobre políticas públicas que garantam
a dignidade e protejam os valores desses povos está longe de acabar.
O futuro indica um aumento da presença de indígenas exercendo atividades com diploma de ensino superior e cada vez mais qualificados para ocupar posições de liderança. Essa participação expande o alcance profissional, no entanto, deve vir acompanhada da inclusão social. O indígena deve estar inserido no sistema com toda a sua grandeza e essência. Ainda falta muito a ser realizado, como resolver o impasse da demarcação de terras, e por isso o Brasil ainda não pode festejar plenamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário