sexta-feira, 19 de abril de 2024

Vera Magalhães - SOS Haddad

O Globo

A revisão da meta menos de um ano depois da aprovação do arcabouço fiscal só contribuiu para o temor de descontrole das contas públicas

Fernando Haddad volta dos Estados Unidos com a situação em seu latifúndio mais tensa e bagunçada do que quando embarcou. O mercado e instituições como o Fundo Monetário Internacional mostram o aumento do ceticismo quanto à trajetória da política fiscal proposta pelo ministro no ano passado. Ao mesmo tempo, no Congresso crescem os ruídos que mantêm a pauta congelada praticamente desde o fim do ano passado.

O ministro terá de atuar nas duas pontas para evitar que passe (volte?) a ser alvo de desconfiança e que seja minada a carta branca recebida de Lula para indicar o caminho da política econômica. Ele e todos sabem que vários setores, a começar do próprio PT, só esperam por sinais de sangue na água para alvejá-lo.

A revisão da meta fiscal para os próximos anos, menos de um ano depois da aprovação do arcabouço fiscal, só contribuiu para o temor de descontrole das contas públicas. Haddad lutou bastante para evitar que fosse revista a meta de 2024, mas não teve a mesma disposição ou as mesmas armas para bancar aquilo que ele mesmo propôs quando da aprovação do marco que substituiu o teto de gastos.

O resultado é que, qualquer que seja a justificativa para a revisão da meta, o novo arcabouço durou ainda menos que seu antecessor. A principal razão parece ser justamente uma característica central da nova regra, apontada como arriscada por economistas, analistas e pela imprensa: a forte dependência de um aumento consistente da arrecadação para que todo o mecanismo ficasse de pé.

O grande problema é que o Congresso frustrou, nos últimos meses, diversas iniciativas da Fazenda para promover esse incremento da receita. Boa parte das medidas foi derrubada e, quando o governo insistiu, por meio da Medida Provisória 1.202, o mesmo Parlamento fincou pé, desmantelou o texto e mantém suas partes em banho-maria sem nunca chegar a votá-las. E, quando vier a votar, é bem provável que o resultado sejam novas derrotas para o Executivo.

Na outra ponta, os gastos só crescem. O anúncio de reajuste do salário mínimo para 2025, incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias, deve ter um impacto de R$ 36 bilhões graças ao atrelamento de despesas previdenciárias e outras.

O mesmo Legislativo que inflaciona as emendas parlamentares, contribuindo para a gastança, aponta essa política de ganho real do mínimo como fator de deterioração da expectativa com a trajetória da dívida e do ajuste fiscal. “A política econômica pode derrotar o Lula em 2026”, observou um cacique nesta quinta-feira, enquanto, na política, o circo pega fogo com as derrotas impingidas ao presidente pela Câmara e também pelo Senado, comandado por Rodrigo Pacheco, tido como aliado.

Nessa arena, a volta de Haddad também é aguardada com certa ansiedade. Embora mesmo ele tenha demonstrado nos últimos meses extrema irritação com a maneira como Arthur Lira e Pacheco promoveram o esvaziamento da MP 1.202 e frustraram sua busca pela revisão de desonerações e benefícios tributários que considera ineficazes e injustos, a avaliação é que sua interlocução com os comandantes das duas Casas ainda é melhor que a do colega Alexandre Padilha.

Lula demonstra que insistirá em empoderar o titular das Relações Institucionais, pois removê-lo ou escanteá-lo justamente quando Lira intensifica as críticas a ele seria capitular diante do presidente da Câmara. Mas é imprevisível o que a medição de forças pode produzir em termos de resultados para o governo nas votações.

Na última hora, os governistas ganharam uma semana a mais para negociar a salvação de parte dos vetos de Lula marcados para morrer em sessão do Congresso. O foco é conseguir ao menos um “desconto” na derrubada dos vetos a emendas ao Orçamento. Um refresco de cerca de R$ 3 bilhões, ou nada diante dos outros tantos bilhões voando por aí em aumento de previsão de gastos. Não faltará trabalho a Haddad, que mal terá tempo de deixar as malas em casa.

 

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