Folha de S. Paulo
Depois de algumas horas de indignação sobre o
fiasco fiscal, mudamos de assunto
Depois de um breve rebuliço midiático, o
fiasco das metas fiscais de Lula 3 começa a desaparecer do noticiário
principal. Voltamos a nossa programação normal.
A ira de Lira ocupou manchetes. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), viria a se vingar porque um primo perdeu um cargo, porque Lira não recebeu a parte dele do butim de emendas, porque estaria fulo com "o Planalto", que fez troça pública de uma derrota "lírica" na Câmara. A vingança seria maligna, com CPIs, pautas-bomba e outras retaliações.
Não chega a dar uma epopeia, digamos com
sarcasmo, como a ira de Aquiles, mas dá rolo político, que, no entanto, pode
ser narrado em um mero bilhete sobre a nossa vida ridícula. A seguir, volta o
noticiário do "manda recado": do STF para o Senado,
vice-versa, da Câmara para o Planalto etc. É o correio deselegante da nossa
crise crônica.
A crise fiscal continua onde sempre esteve.
No bolso dos ricos, que ganham com isso, em juros altos, nas planilhas da meia
dúzia que se ocupa disso, na desconversa brasileirinha.
O governo precisa arrumar tantos bilhões para
atingir a meta fiscal do ano "x", se diz. Para quem engole a
propaganda de um esquerdismo doidivanas, tudo isso é farsa neoliberal.
Catar moedas, mesmo bilhões, não basta para
lidar com o problema. É até possível obter a dinheirama com um plano de
"médio prazo", paulatino. Mas é muito dinheiro. Onde?
Dá para arrumar algum tributando mais os mais
ricos, mas não tivemos reforma do Imposto de
Renda ou patrimonial nem depois de Lula 1, faz
duas décadas —e ainda faltaria dinheiro. Dá para diminuir a renúncia de
impostos (receita tributária de que se abre mão), de que tanto fala Fernando
Haddad.
O grosso dessa renúncia vai para a Zona
Franca de Manaus, para os profissionais ricos do Simples, para subsidiar saúde
privada de rico, para empresas diversas etc. Falar no assunto dá crise.
O gasto federal maior sai do INSS
(aposentadorias, pensões, benefícios sociais). Um meio de enxugar esse gasto é
unificar programas sociais que parecem uma previdência, mas são antigos Bolsa
Família que pagam mais (BPC, a maior parte da Previdência rural); dar aumentos
menores para o piso da Previdência (um salário mínimo); acabar com o abono
salarial.
Seria mexer com quem ganha um salário mínimo,
que, no entanto, já vale metade do salário médio e uns três quartos do salário
mediano —sim, o Brasil é essa miséria. Falar nisso causa escândalo.
Congresso, "políticos" e o sistema
de Justiça custam relativamente muito no Brasil. É preciso cortar aí, mas essa
despesa é ínfima, dado o tamanho do problema.
A segunda maior conta federal é a de salários
e aposentadorias de servidores, civis e militares. Na última década, já houve
grande corte nessa despesa. Mas não houve rearranjo administrativo eficiente ou
reforma do gasto militar, que se quer aumentar, aliás. Faltam funcionários em
muitos setores ou recursos para tocar a máquina de modo decente.
Corte de gastos e aumento de receitas têm de
vir dessa lista aí —a revisão do gasto ineficiente é necessária, mas não paga a
conta. Não há discussão nacional explícita, "dedo na ferida", sobre o
nó fiscal, que dirá acordo nacional sobre perdas. Há paliativos diversionistas
e um acordão para não bulir com as rendas desse sistema inviável.
Pior. O governo quer criar mais
universidades, bancar conta de luz, abriu mão de dividendos de estatais, de IR
etc. O Congresso quer dar mais dinheiro para empresas, para estados e
prefeituras (que ficam com quase metade da carga tributária), aumentar escandalosamente
salários do Judiciário (o que terá impacto em demais salários) etc.
E os juros? Baixá-los com canetada é
fantasia. O assunto fica para uma coluna inteira, a próxima.
2 comentários:
É!
Escrita correta e com graça.
Postar um comentário