O Estado de S. Paulo
Congresso e sociedade têm de olhar para o futuro e concentrar seus esforços no fortalecimento do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, e na modernização das Forças Armadas
A História nos ensina que alguns fatos, de
natureza simples, podem se transformar em marcos divisores na vida dos países,
com fortes consequências para as futuras gerações. São fatos que se tornam
simbólicos por representar uma mudança de atitude, de comportamento e de
trajetórias que caracterizaram a vida política até aquele momento.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar
definitivamente, por unanimidade (11 a 0), que o artigo 142 da Constituição
federal não comporta a interpretação de que as Forças Armadas representam um
Poder Moderador entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, criou um fato
histórico. A decisão pode ser considerada como uma virada de página no longo e
conturbado relacionamento entre civis e militares ao longo dos últimos 120 anos
no Brasil.
Desde a Proclamação da República até 1985, a interferência e participação dos militares na política foi fator de instabilidade interna e de restrição à democracia no País. As Forças Armadas, como instituição de Estado, nos últimos 40 anos, em especial nos últimos cinco, ao contrário do que ocorreu no passado, não assumiram uma posição ideológica e evitaram interferência que pudesse ameaçar o Estado Democrático de Direito, como estimulado pelo governo anterior. Essa mudança de atitude – de espécie de tutela da Nação para o grande mudo – reforça a percepção de que a decisão do STF possa ser vista como histórica.
Virada a página da cultura intervencionista
na relação entre civis e militares, o Congresso Nacional e a sociedade, via
instituições civis especializadas e as organizações militares, têm de olhar
para o futuro, com visão estratégica, e concentrar seus esforços no
fortalecimento do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, e na
modernização das Forças Armadas.
A modernização das Forças Armadas não deve
ser vista como uma questão dos militares, mas da sociedade em geral. A
capacidade militar deve ser entendida de forma ampla, pois ela não depende
apenas da capacidade operacional de combate, exercida por um importante
instrumento de defesa, que são as Forças Armadas. Não se pode mais adiar o
exame de ampla transformação no modo de operar das três Forças no tocante à
capacidade de logística de defesa, responsável pelo desenvolvimento e
fornecimento dos meios de que as Forças Armadas precisam para compor suas
unidades de combate e para sustentar seu emprego em combate. Sem ela, como
ocorre agora, as Forças Armadas deixam de operar eficientemente.
A logística de defesa teria de se modernizar
do lado da oferta, provida pela Base Industrial de Defesa (BID), em particular
por uma parte que deve ser considerada estratégica; e do lado da demanda,
constituída por uma organização do Estado responsável por aquisições e
políticas industriais e de CT&I para desenvolver e sustentar a BID
estratégica. Sem uma capacidade de logística de defesa própria, é impossível a
um país das dimensões do Brasil ter capacidade militar eficiente.
No contexto de um mundo em profundas
transformações geopolíticas, científicas e tecnológicas, com enorme impacto nos
esforços brasileiros para alcançar objetivos estratégicos relacionados ao seu
desenvolvimento econômico e social e, também, na preservação de sua soberania e
independência e na projeção externa, torna-se urgente estabelecer uma agenda
positiva para a Defesa Nacional de curto, médio e longo prazos, que responda
aos desafios externos atuais e futuros.
No curto prazo, a agenda deveria incluir,
entre outros aspectos, o fortalecimento da BID por meio de sua crescente
nacionalização, atuação vigorosa do BNDES e do Banco do Brasil para o
financiamento do comprador de produtos da BID e para a outorga de performance
bonds a empresas de defesa.
No médio prazo, deveriam estar incluídos os
meios à disposição do Ministério da Defesa, via previsibilidade orçamentária
(vinculada ao PIB) e manutenção dos investimentos para conclusão dos atuais
projetos especiais das Forças Armadas, a fixação em lei de incremento gradual
de investimentos em defesa, a revisão da assimetria quanto à imunidade
tributária das importações de defesa, apoio a projetos das Forças Armadas com
forte conteúdo científico e tecnológico, treinamento, pesquisa e cooperação
técnica, e, depois de estudos apropriados, a criação de órgão para cuidar da
logística da Defesa.
No longo prazo, incluiria a política de
reaparelhamento das Forças, a redução do custo com pessoal (ativa e reserva) e
significativa autossuficiência em altas tecnologias críticas para o
desenvolvimento dos produtos de defesa considerados estratégicos.
A grande vulnerabilidade do Brasil na área da
Defesa é sua reduzida base industrial de defesa, incapaz de atender às
necessidades de suas Forças Armadas. Quase todos os meios existentes e/ou os
seus principais componentes e tecnologias críticas são comprados no exterior e
fornecidos por países da Otan. Os gastos em defesa no Brasil representam 1,1%
do Orçamento geral da União, com cortes adicionais recentes (R$ 419 milhões) e
apenas 7% dirigidos a investimentos e à compra de armamentos.
O Brasil, no contexto da nova política
industrial, necessita empreender imediatamente um grande e continuado esforço
para desenvolver e fortalecer, da forma mais autônoma possível, sua capacidade
militar.
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