Correio Braziliense
Existe um problema de desempenho nos
ministérios, mas só a boa comunicação e menos mancadas de Lula podem melhorar a
percepção sobre os resultados positivos do governo
Uma pesquisa do Ipec, divulgada ontem,
mostrou que 18% dos brasileiros se dizem de esquerda, 28% e centro e 41% de
direita — ou seja, a direita tem 23 pontos a mais do que a esquerda. Ocorre que
o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora tenha uma composição
bastante ampla — que abarca partidos de direita, como o União Brasil, o PSD, o
PP e o Republicanos —, não é percebido pela população como um governo de
coalizão democrática.
O PT se esmera para que a percepção seja a de
que é um governo de esquerda, corroborado pelo confronto permanente de Lula com
Bolsonaro e certas declarações que reforçariam um viés estatizante,
nacionalista e antiamericano. O fato é que na disputa pelo centro político, que
diminuiu de 34% para 28%, a direita tem levado a melhor. Lula obteve muitos
votos de centro, e até de direita, principalmente de mulheres, no segundo turno
das eleições, quando teve o apoio de Simone Tebet (MDB). Esses votos se descolaram
e muitos podem migrar para a direita.
Com Bolsonaro inelegível, a possibilidade de Lula enfrentar um adversário em condições de disputar esses votos de centro com certa facilidade é muito grande. Quatro governadores de estados importantes são capazes de atrair esse eleitorado, em seus respectivos estados. Todos estão posicionados para serem candidatos em 2026 e já buscam projeção nacional: Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; Romeu Zema (Novo), em Minas; Ratinho Junior (PSD), no Paraná; e Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, o único que ainda pode concorrer à reeleição.
Os quatro podem se aproveitar de que Lula não
tem empatia com o ethos conservador da maioria da sociedade — voltou à
Presidência por causa do fracasso do governo Bolsonaro e da sua ameaça
autoritária, por uma estreita maioria da sociedade. Ethos é um conceito que se
utiliza do grego para descrever o “caráter moral”, os valores e as crenças de
uma pessoa, grupo ou sociedade. Para a sociologia e a antropologia, o ethos são
costumes e os traços comportamentais que distinguem um povo.
Nesse sentido, temos duas dimensões: a grande
diversidade cultural do país, que favorece antagonismos entre baianos e
mineiros, cariocas e paulistas, nordestinos e sulistas; e a cada vez mais
expressiva divisão entre os católicos tradicionais e os evangélicos, que começa
a transbordar dos salões para as ruas. O resultado eleitoral mostrou dois
brasis: o setentrional e o meridional.
Em Aristóteles, o ethos influencia a
sociedade ao lado do logos, a razão, e do pathos, a emoção. A calibragem dessa
relação na política não é nada fácil. Mas existe um denominador comum: a
Constituição. No direito constitucional, o ethos refere-se ao conjunto de
valores fundamentais, princípios e ideais que permeiam a ordem constitucional.
A radicalização política ameaça o texto constitucional. A facilidade com que
surgem propostas de emendas constitucionais que tentam mudar a relação entre o
Estado e a sociedade, sobretudo as minorias, merece muita atenção da sociedade
civil e não apenas do Supremo Tribunal Federal (STF).
Imagem negativa
Mas voltemos ao governo Lula. As pesquisas de
opinião pública mostram uma queda de popularidade do governo em diversas áreas,
em contradição com os números macroeconômicos: emprego, renda, inflação. Nas
oito áreas avaliadas pela pesquisa do Ipec, apenas uma teve a avaliação
positiva maior do que a negativa: a Educação (38% dos entrevistados consideram
como ótima ou boa; 31% avaliam como ruim ou péssima; e 28% acham regular),
apesar do lobby dos professores contra o ministro Camilo Santana, ex-governador
do Ceará. A sequência de resultados é preocupante para Lula.
Combate à inflação: ruim ou péssimo para 46%;
ótimo ou bom para 23%; regular para 28%. Segurança pública: ruim ou péssima
para 42%; ótima ou boa para 27%; regular para 28%. Combate ao desemprego: ruim
ou péssima para 39%; ótima ou boa para 26%; regular para 31%. Saúde: ruim ou
péssima para 42%; ótima ou boa para 29%; regular para 30%. Política externa:
ruim ou péssima para 37%; ótima ou boa para 30%; regular para 24%. Combate à
fome e à pobreza: ruim ou péssima para 38%; ótima ou boa para 33%; regular para
29%. No Meio Ambiente houve empate: 33% dos entrevistados consideram a gestão
ótima ou boa e 33%, ruim ou péssima; regular para 29%.
Ontem, Lula cobrou mais agilidade e dedicação
de seus ministros à articulação política, inclusive do vice-presidente Geraldo
Alckmin e do titular da Fazenda, Fernando Haddad (precisaria “ler menos
livros”, pasmem, e fazer mais política com o Congresso). Sim, existe um
problema de desempenho nos ministérios, mas só a boa comunicação do governo e
menos mancadas de Lula podem melhorar a percepção sobre os resultados positivos
do governo.
É preciso, também, superar a concepção de que
o eixo do governo é uma insustentável agenda de esquerda. Lula precisa de um
programa comum de centro democrático, com as forças de cujo apoio necessita no
Congresso, no qual todos, à esquerda e à direita, dentro do possível, sejam
contemplados.
Um comentário:
Lula e os livros,de novo!
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