Valor Econômico
Despacho questiona a efetividade do cumprimento da decisão do Supremo sobre a transparência da execução orçamentária
O despacho do ministro Flávio Dino da sexta-feira, 19, intimando os presidentes da República e da Câmara e do Senado para que se manifestem em 15 dias sobre o descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal que pôs fim ao “orçamento secreto” gerou a expectativa de que o processo possa vir a devolver a iniciativa orçamentária ao Executivo. Não apenas com a reversão efetiva do “orçamento secreto” mas também com uma possível inconstitucionalidade das chamadas “emendas pix”. O processo iniciado por Dino não é capaz de modificar a decisão do Supremo mas de lhe dar efetividade.
Este movimento, além de afetar o jogo de
forças no tabuleiro do Congresso Nacional no ano que antecede a renovação das
mesas diretoras, ameaça a emenda que, originalmente, é de autoria da então
senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), hoje deputada e presidente do PT. A proposta
depois foi encampada pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e apadrinhada por todo
o Centrão.
Como herdou a vaga da ex-ministra Rosa Weber,
relatora da ação que resultou na inconstitucionalidade do “orçamento secreto”,
Flávio Dino foi o destinatário da ação do Psol que questiona o cumprimento da
decisão do STF. A ação tem como um dos “amigos da corte”, partes que depõem a
favor da ação, a Transparência Brasil, que já foi abertamente atacada pelo
ministro Gilmar Mendes, o que não impediu Dino de seguir adiante com o
despacho.
Em dezembro de 2022, o STF julgou
inconstitucionais as emendas RP9 por meio das quais o esquema do “orçamento
secreto” operava com o argumento de que o beneficiário político da emenda se
mantinha oculto. A partir daquela decisão, metade daqueles recursos foram
redistribuídos para os ministérios e a outra metade voltou para os
parlamentares em forma de emendas individuais.
Foi aí que se operaram duas mudanças.
Primeiro o relator do orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI),
ampliou as emendas da Comissão de Desenvolvimento Regional, da qual também era
o presidente e que tem por competência apresentar emendas que lideram o
orçamento secreto. Como o STF não criminalizou a prática da liberação de
emendas em nome de um agente oculto e, sim, as emendas de relator (RP9), a
burla migrou para as emendas de comissão.
‘Emendas pix’ saltaram de 6,7% do total em
2020 para 31,8% no ano passado
A segunda mudança foi o aumento na frequência
com a qual os parlamentares passaram a se valer das chamadas “emendas pix”.
Gleisi Hoffmann continua a defendê-las. Diz que essas emendas agilizam a
liberação de verbas, compõem o fundo de participação dos municípios e não são
secretas. Esta emenda, de fato, ao contrário das RP9, está vinculada ao nome do
deputado que a indicou e ao prefeito que a recebeu, mas não se sabe como o
recurso é gasto porque o TCU é impedido de fiscalizar.
Nos memoriais da petição que provocou o
despacho de Dino informa-se que a decisão do Supremo inflou as “emendas pix”.
Saltaram de 6,7% em 2020 para 31,8% de todas as emendas individuais em 2023.
Nas contas apresentadas, R$ 10,4 bilhões são transferências em que a informação
de origem e destino apenas é publicizada na fase de empenho, prévia à
transparência, como acontecia com as RP9. Parte ínfima delas, acrescenta o
documento, especifica a ação ou o programa nos quais o recurso deve ser
aplicado.
O despacho de Dino deixou em alerta as mesas diretoras das duas Casas legislativas onde foram acolhidas as mudanças internas que contornaram a decisão de Rosa por meio das “emendas pix” e de comissão. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trava embate com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em torno do gerenciamento das emendas e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é o autor da maior pauta-bomba da temporada, a proposta de emenda constitucional que ressuscita os quinquênios. Apesar de o ministro ter se afastado do presidente da República, a quem só voltou a encontrar no jantar da semana passada na casa do decano da Corte, Gilmar Mendes, a decisão acabou sendo acolhida pelos governistas como um reforço para a batalha travada pelo Executivo no Congresso.
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