Folha de S. Paulo
Ninguém vai fazer grandes sacrifícios de
popularidade pelo mercado se a turma continuar financiando bancada do TikTok
Nas últimas semanas, os ricos brasileiros
fizeram duas coisas: declararam seu amor incondicional por bolsonaristas
como Tarcísio
de Freitas e pediram que Lula tome
medidas de ajuste fiscal impopulares, como a desvinculação entre o piso das
aposentadorias e o salário mínimo ou a revisão dos mínimos constitucionais para
saúde e educação.
A equipe econômica de Lula parece acreditar
que alguma
versão dessas medidas é necessária. Nos últimos tempos, a desvinculação na
Previdência foi defendida pela ministra do planejamento, Simone Tebet. O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, compartilhou no Twitter um texto do
economista Braúlio Borges que defende, além da desvinculação na Previdência,
que os mínimos constitucionais sejam atrelados a pisos reais de gasto per
capita, e não mais à receita.
O PT não gostou de nada disso.
Em geral, esta coluna defende a equipe
econômica de ataques vindos da esquerda. Continuo defendendo. Mas, neste caso,
também entendo a resistência do PT. As desvinculações são impopulares.
Se os defensores das desvinculações já
estiverem fechados com o bolsonarismo, os petistas têm todo o direito de
perguntar ao establishment brasileiro o seguinte: ô bonitão, você está me
pedindo para tomar as medidas mais impopulares do seu programa (que não estavam
no meu) para te ajudar a ganhar a eleição sem mim, em aliança com uma rapaziada
que quer me colocar no pau de arara?
Afinal, os ricos não estão exigindo que seus
bolsonaristas de estimação defendam as medidas que exigem de Lula. Tanto quanto
eu sei, nem Tarcísio nem Caiado, para não falar da família Bolsonaro ou de
Silas Malafaia, declararam apoio à desvinculação do piso da Previdência ou à
revisão dos mínimos constitucionais.
Notem bem: estou falando de declaração de
apoio com efeitos reais, que circule nos grupos de WhatsApp de igreja de
periferia e lhes custe popularidade. Nada de repetição da campanha de 2018,
quando Bolsonaro exibia os discursos de Guedes na Faria Lima e os escondia do
povão.
Da mesma forma, ninguém vai fazer grandes
sacrifícios de popularidade pelo mercado se a turma continuar financiando
bancada do TikTok que vai para o plenário gravar vídeo com fake news. Digamos
que hoje Lula decida que quer negociar novas grandes medidas de ajuste fiscal.
Se Lula quiser falar com uma direita adulta, que consiga levar seus radicais na
coleira, deve ligar para quem?
Aliás, na semana passada mostramos aqui
que o
ajuste fiscal de Tarcísio é só uma versão fraca do ajuste de Haddad. Bota
fraca nisso: nos últimos dias, o governador de São Paulo anunciou que as
igrejas em São Paulo terão isenção de ICMS em importações.
E convenhamos: se Lula hoje fizer tudo que o
mercado quer, perder popularidade e passar a faixa para Tarcísio em 2027, os
amigos do mercado na imprensa dirão que os bons resultados da economia daí em
diante terão sido resultado da isenção de ICMS para as igrejas de São Paulo em
2024.
Se a economia precisar de novas grandes
reformas, lamento, a política brasileira não está caminhando na direção de
torná-las possíveis. Seria necessário algo como o pacto de Moncloa, que
garantiu a democratização da Espanha na década de 70. Mas ninguém do lado de cá
vai topar Moncloa se a turma de lá ainda estiver sentada no colo do Franco.
Um comentário:
E como há "amigos do mercado" na nossa imprensa!! Só neste blog, deve ser pelo menos uma metade dos colunistas e editorialistas mostrados...
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