Julgamento mais importante de Trump será na urna
O Globo
Condenação criminal inédita do ex-presidente
lança disputa eleitoral deste ano em território desconhecido
Momentos depois de tornar-se o primeiro
ex-presidente americano a ser condenado por um crime, ainda nas dependências de
um tribunal em Nova York, Donald Trump declarou
que o veredito será dado pelo povo em 5 de novembro, dia da eleição americana.
Trump é conhecido por proferir mentiras em série, mas até o mais inflamado de
seus críticos será obrigado a concordar que desta vez falou uma verdade: apenas
as urnas terão o condão de decidir seu destino — e o de todo o país.
Os Estados Unidos não contam com lei semelhante à da Ficha Limpa, portanto, mesmo condenado, o nome de Trump estará nas cédulas depois de referendado na convenção republicana de julho. A sentença será proferida também em julho, dias antes da convenção. Como Trump não tem antecedentes criminais, é remota a chance de ser preso. O cenário mais provável é uma multa acompanhada de liberdade condicional. Ainda assim, o ineditismo da situação lança desde já a disputa deste ano em território desconhecido.
O júri de 12 nova-iorquinos considerou Trump
culpado nas 34 acusações de ter falsificado registros contábeis para encobrir
um escândalo sexual na campanha presidencial em 2016. Havia bons argumentos
para que a condenação fosse mais branda. Pela lei de Nova York, a falsificação
configura apenas delito. Os jurados só o condenaram por crime depois de
convencidos de que a intenção era interferir na eleição de 2016. A defesa não
fez muito esforço para livrar Trump da condenação. Para a base trumpista mais
aguerrida, a sentença é mais uma prova de “caça às bruxas”. O site para doações
à campanha de Trump entrou em colapso tamanha a procura depois da sentença. Sua
aposta política é que apresentar-se como vítima da injustiça de um “sistema
corrupto” renderá votos.
Faltando cinco meses para a eleição, é cedo
para conhecer o impacto dessa estratégia na urna. Mas já ficou claro para onde
Biden terá de dirigir suas armas até lá. O foco dos democratas será atrair, nos
estados decisivos, eleitores que diziam estar dispostos a reconsiderar o voto
em caso de condenação e apresentar-se como alternativa ao caos representado
pela volta de Trump à Casa Branca. Nos estados mais críticos — Wisconsin,
Michigan e Pensilvânia —, as pesquisas revelam equilíbrio. São os mesmos
estados que custaram a derrota a Hillary Clinton em 2016. As próximas semanas
permitirão avaliar o efeito das manchetes negativas na candidatura republicana.
E os próximos meses, se os democratas aprenderam algo com aquela derrota.
Trump não é apenas um ex-presidente. Tem
milhões de apoiadores fiéis, uma máquina eleitoral poderosa e bilhões à
disposição para gastar. É acusado de ter conspirado para reverter os resultados
da eleição de 2020 e de ter relutado em entregar documentos secretos mantidos
após sair do governo. As duas acusações resultaram em processos que não deverão
ser julgados até novembro. O caso de Nova York era considerado o menos robusto
do ponto de vista jurídico, e os recursos da defesa também só deverão ser julgados
depois da eleição. Se Trump vencer, colocará o país diante de questões
constitucionais inéditas sobre o alcance da Justiça ante um presidente em
exercício (nem a possibilidade de “autoperdão” está descartada). Por todas as
implicações possíveis, o julgamento mais crucial para o futuro dos Estados
Unidos acontecerá mesmo em novembro.
Congresso não pode derrubar vacina infantil
obrigatória contra Covid-19
O Globo
Parlamentares deveriam se preocupar em cobrar
melhorias na logística de vacinação
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara aprovou recurso contra uma decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL),
de rejeitar um projeto excluindo a vacina contra
a Covid-19 para crianças do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com isso,
ele volta a tramitar. O Parlamento não deve decidir sobre a obrigatoriedade de
vacinas. Deputados e senadores têm direito de legislar sobre qualquer assunto.
Mas, mesmo numa democracia, representantes eleitos não devem interferir em
decisões de cunho técnico, tomadas por autoridades sanitárias com base em dados
epidemiológicos. A verdade científica não depende de opiniões. Há consenso
sobre a segurança e eficácia da vacinação infantil contra Covid-19. Ela protege
as crianças e a população, logo deve ser seguida a recomendação técnica, como
manda a Constituição.
O coronavírus continua
circulando. Só em 2024, a Covid-19 já matou mais de 3.800 brasileiros. Para ter
uma ideia do que isso representa, a epidemia de dengue, que neste ano bateu
todos os recordes, matou até agora em torno de 3.300. Com a população adulta
imunizada, as crianças se tornaram a parte vulnerável da sociedade. Daí a
importância da aplicação das doses. Apesar dos baixos índices de cobertura,
houve redução no número de mortes de crianças e adolescentes após o início da
vacinação contra Covid-19.
Os políticos deveriam, em vez de se preocupar
com isso, cobrar do Executivo maior eficiência na logística de vacinação contra
a Covid-19, que tem sido falha. Como
demonstrou reportagem do GLOBO, enquanto cidades como São Paulo
e Rio já oferecem em seus postos vacina contra a variante mais recente do
vírus, ao menos quatro capitais (Manaus, Teresina, Cuiabá e Salvador) não
receberam novas doses. A vacinação tem sido feita de forma descoordenada. Cada
município segue seu próprio calendário. Não há sintonia também na definição do
público-alvo. Em São Paulo e noutras capitais, são elegíveis cidadãos acima de
60 anos e grupos como quilombolas ou profissionais de saúde. No Rio, a campanha
começou com foco nos adultos com mais de 85 anos. Antes, havia coerência.
Falhas no abastecimento têm sido recorrentes.
Em abril, o Ministério da Saúde esperou a vacina acabar para comprar nova
remessa. Estoques nos postos zeraram. Na época, o governo alegou que o atraso
se devia a mudanças na licitação das vacinas. Apenas no fim de abril foram
comprados 12,5 milhões de doses, quantidade insuficiente para o público-alvo. O
governo terá de fazer novas encomendas.
É verdade que a Covid-19 está sob controle.
Mas por um único motivo: a vacinação. Apesar das campanhas negacionistas e dos
percalços de logística, no ano passado foram aplicados mais de 516 milhões de
doses, garantindo uma cobertura de 80%. Mesmo assim, ainda não se atingiu a
meta de 90%. O Ministério da Saúde acerta ao fazer campanha sobre a importância
da vacinação. Mas, para que a população se vacine, é preciso que as doses
estejam disponíveis, e nisso o governo tem falhado. Essa deveria ser a preocupação.
Um condenado na Presidência dos EUA?
Folha de S. Paulo
Culpado em processo criminal, Trump
representa desafio para instituições da democracia americana e estabilidade
global
A condição de ex-presidente condenado
criminalmente firma Donald Trump como figura inaudita, e perniciosa, na
história da democracia mais importante do Ocidente.
O veredicto do júri que avaliou 34 acusações
penais em Nova York demonstra de forma inequívoca o vigor de um sistema legal
que vive sob ataque pelo homem que governou, de 2017 a 2021, a maior potência
militar do planeta.
Como ocorreu na Chicago dos anos 1930, quando
o gângster Al Capone acabou preso por sonegação fiscal e não pelos banhos de
sangue que ordenava, a Justiça carimbou Trump como condenado em um caso
relativamente lateral.
Seu erro não foi ter tentado calar a atriz
com quem havia mantido relações, a fim de preservar sua imagem na campanha
eleitoral de 2016, mas sim ter falsificado registros do dinheiro pago a Stormy
Daniels para acobertá-los como serviços empresariais.
É pouco ante as outras três acusações
criminais a que responde: pela tentativa de reverter a disputa que perdeu para
Joe Biden em 2020, pela interferência no processo eleitoral da Geórgia naquele
ano e por esconder documentos secretos consigo após deixar o poder.
Trump dificilmente será preso pela sentença a
ser proferida em julho. Ainda que fosse, poderia seguir em campanha eleitoral
para voltar à Casa Branca em novembro, e até governar da cadeia se eleito.
É uma distorção decorrente de um princípio
fundador dos EUA, a soberania da voz do povo. Demagogos como Trump usam essa
retórica libertária, pervertendo-a como autorização para um vale-tudo.
A hipótese mais perturbadora, contudo, é a de
que o ex-presidente derrote Biden e enfrente as gravíssimas acusações na
cadeira presidencial. Os dois processos de âmbito federal tendem a ser
suspensos enquanto ele estiver no governo, mas seguem vivos, e não se sabe o
que ocorreria com o da Geórgia.
O conjunto compõe receita de instabilidade
que testará ainda mais a esgarçada tessitura institucional dos EUA, além de
confirmar o risco geopolítico que um eventual nova mandato de Trump trará.
Resta saber o impacto eleitoral da
condenação. Se é certo que apoiadores de tipos como o republicano ou seu
seguidor Jair Bolsonaro (PL) são impermeáveis a acusações contra seus ídolos, o
pleito americano é disputado no detalhe.
Trump está pouco acima de Biden nas
sondagens, mas lidera em estados-chave para uma vitória no Colégio Eleitoral
—cuja composição se sobrepõe ao voto popular.
Se trumpistas podem se mobilizar pelo que
veem como caça às bruxas, pesquisas indicam que pessoas sem aderência
partidária tendem a não votar num condenado. E são elas que decidem a disputa.
MEC inerte
Folha de S. Paulo
Nome promissor, Izolda Cela deixa pasta, que
ainda deve política para o setor
Dentre as escolhas de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) para seu ministério, a da pasta da Educação mostrou-se promissora,
não só pelo contraste com o descalabro sob Jair Bolsonaro (PL), mas pelos nomes
selecionados. Contudo ainda não há uma política clara desenhada para combater
os problemas crônicos do ensino brasileiro.
O ministro Camilo Santana governou o Ceará,
unidade da Federação que melhorou significativamente seus indicadores no setor.
A segunda na hierarquia, Izolda Cela, foi secretária de Educação do estado e
também de Sobral (CE), cidade pioneira no incremento dos índices estaduais de
aprendizagem.
Passado um ano e cinco meses de mandato, Cela
deixa a pasta para disputar pleito municipal, e o MEC precisa correr atrás do
prejuízo de uma gestão que, até o momento, está abaixo das expectativas.
Em relação à alfabetização, o governo
apresentou na terça (28) dados que mostram melhorias na área em 2023, como se
fossem resultados do programa lançado em junho do ano passado. Mas, até
novembro, nenhum centavo do recurso previsto havia sido destinado para o
letramento dos brasileiros.
Já a urgente reforma do novo ensino médio,
que tem potencial para alavancar a aprendizagem e reduzir a evasão escolar,
alta nesta etapa do ensino, foi postergada devido a hesitações na formulação do
projeto e dificuldades na articulação política com o Congresso. Só foi aprovada
em março deste ano.
O setor de educação exige políticas de longo
prazo, já que serão responsáveis por cobrir anos, até décadas, da vida
acadêmica de uma geração. Mas os números mostram como, aqui, o Estado é incapaz
de implementar ações contínuas.
De acordo com o IBGE, 11,4 milhões de pessoas
acima dos 15 anos são analfabetas. Pesquisa do Instituto Natura com dados do
MEC mostrou que, em 2019, ínfimos 19% dos jovens do país concluíram o ensino
médio na idade certa e com nível suficiente de aprendizagem.
O PT esteve no poder de 2003 a 2016. Não pode perder tempo em mais um mandato sem desenvolver políticas que deem início a mudanças consistentes nos índices vexatórios da educação brasileira.
A democracia dos EUA no tribunal
O Estado de S. Paulo
Eleitores americanos terão de escolher entre
Biden, o atual presidente, e Trump, o primeiro ex-presidente dos EUA condenado
pela Justiça, num inédito teste de estresse da democracia
Em novembro, os eleitores norte-americanos
podem reeleger o atual presidente, Joe Biden, ou podem decidir dar as chaves da
Casa Branca a um delinquente condenado pela Justiça. Não parece ser uma escolha
muito difícil, mas aparentemente, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto,
grande parte dos norte-americanos ou não se importa com a ficha corrida de
Donald Trump, a ponto de elegê-lo mesmo sendo um criminoso, ou não acredita na
lisura do Judiciário dos Estados Unidos e considera que Trump, um notório escroque,
é realmente um “perseguido político”. Em qualquer dos casos, uma vitória de
Trump será um grande teste de estresse para a democracia norte-americana, que
um dia já foi farol para o mundo.
A bem da verdade, a democracia
norte-americana já não anda bem das pernas. Se o sistema de Justiça dos EUA não
se deixou intimidar pela truculência trumpista no processo em que o
ex-presidente acaba de ser condenado, em Nova York, é fato que o trumpismo já
começou a contaminar a Suprema Corte – que aceitou as chicanas da defesa de
Trump e só analisará os vários processos contra o ex-presidente após as
eleições, a despeito da gritante gravidade de alguns deles.
Ou seja, os eleitores norte-americanos
votarão no escuro, sem saber se o candidato do Partido Republicano é o golpista
e traidor da pátria que seus acusadores dizem que ele é. Na hipótese de que
seja eleito, Trump, obviamente, tomará providências para que jamais seja
julgado pelo terrível ataque que comandou contra as instituições de seu país e
contra o processo eleitoral de 2020.
Ainda assim, na votação entre os jurados no
caso em que foi julgado, Trump foi derrotado de lavada. Por unanimidade, um
júri composto por 12 nova-iorquinos – 7 homens e 5 mulheres, entre os quais
presumivelmente há eleitores do ex-presidente – concluiu que Trump é culpado de
todas as 34 acusações relacionadas à falsificação da contabilidade de sua
campanha eleitoral em 2016.
Segundo o procurador do distrito de
Manhattan, Alvin Bragg, o objetivo da manobra contábil – que envolveu a
intermediação do então advogado de Trump, Michael Cohen – era esconder dos
eleitores americanos um pagamento de US$ 130 mil a título de propina para
evitar que o relacionamento extraconjugal que Trump manteve com a atriz pornô
Stormy Daniels viesse a público. Se isso acontecesse às vésperas da eleição
daquele ano, o caso poderia comprometer o plano de Trump de chegar à Casa
Branca, particularmente por seus impactos negativos no eleitorado
ultraconservador.
A conclusão do primeiro julgamento de Trump,
ainda que num caso de menor relevância, repleto de inconsistências e contra o
qual ainda cabe recurso, levou os EUA a uma nova fronteira histórica. Não é
trivial que um ex-presidente norte-americano, que ainda tem a pretensão de
voltar ao poder, tenha sido condenado num tribunal criminal.
Pode ser que se confirme a infame boutade de
Trump, na campanha eleitoral de 2016, segundo a qual ele poderia matar
indiscriminadamente pessoas na Quinta Avenida e não perderia um único eleitor
republicano por isso. Mas também pode ser que a condenação no processo de Nova
York afugente alguns eleitores independentes em número suficiente para dar a
vitória a Biden numa disputa que promete ser voto a voto.
Até lá, ainda vamos ouvir a litania de Trump
contra as instituições que têm a ousadia de lhe impor limites. Ontem, foi
indecente a ponto de vincular sua condenação ao fato de que o juiz do caso é de
origem colombiana, tudo isso em meio a um discurso segundo o qual “estamos
perdendo nosso país” para os imigrantes.
Mas a indecência é parte da natureza de Trump, razão pela qual seria ingênuo esperar que a condenação o moderasse. Pelo contrário: agora na condição de primeiro ex-presidente norte-americano condenado pela Justiça, Trump, mais do que nunca, vai reafirmar a farsa segundo a qual ele é o “homem comum” que luta bravamente contra o “sistema globalista”. Como disse o presidente Biden nas redes sociais, “só há uma maneira de manter Donald Trump fora da presidência dos Estados Unidos: nas urnas”.
Manual de autocontenção para o STF
O Estado de S. Paulo
A sociedade discute cada vez mais os exageros
do Supremo e se preocupa com a legitimidade de suas decisões, pois há quem
ganhe com o caos. Cabe aos ministros ouvir os críticos de boa-fé
É perceptível que os recentes exageros e
arroubos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm causado imensa
preocupação na sociedade brasileira, sobretudo em relação à manutenção da
legitimidade das decisões daquela que é a última instância do Judiciário
nacional. Essa legitimidade é um dos pilares da democracia, e não é à toa que
os liberticidas trabalham incansavelmente para miná-la.
Mas, se é verdade que os inimigos da
democracia não dormem em sua missão de destruí-la por meio da desmoralização do
Supremo, também é verdade que alguns ministros do Supremo têm dado obstinada
colaboração para essa desmoralização. Donde se conclui que cabe aos integrantes
do Supremo fazer um exame de consciência sobre seu papel no tumulto
institucional que só favorece a arenga dos extremistas.
Um bom começo seria examinar as muitas
críticas que têm sido feitas de boa-fé por cidadãos e instituições genuinamente
interessadas na recuperação da imagem do Supremo e no restabelecimento integral
de seu papel precípuo de zelador da Constituição. Em seu conjunto, essa
produção intelectual poderia servir como uma espécie de manual de autocontenção
para o Supremo.
Um bom exemplo recente é o artigo Supremocracia
desafiada, dos professores da FGV Direito SP Rubens Glezer e Oscar Vilhena,
publicado na Revista de Estudos Institucionais da Faculdade Nacional
de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com
Glezer e Vilhena, desde 2008, quando a teoria da “supremocracia” descreveu a
ampliação do poder da Corte após a Constituição de 1988, já se fazia premente,
por exemplo, o aprimoramento de “mecanismos de autocontenção” para evitar
questionamentos à sua autoridade. Passados mais de 15 anos, o poder do tribunal
só aumentou, com interferências recorrentes na vida política e nos mais
variados temas – “sem que fossem desenvolvidos, na mesma medida, mecanismos de
controle para reduzir riscos de excesso no exercício de sua competência”, como
diz o artigo, com precisão.
Para preservar o Supremo e, consequentemente,
a democracia, Glezer e Vilhena levantam o debate acerca de autoridade,
imparcialidade, percepção social e legitimidade, além de clareza, coerência e
consistência das decisões. Justamente para testar a capacidade do Supremo de
manter sua autoridade, os extremistas pregaram desobediência às ordens daquela
Corte, como fez explicitamente o então presidente Jair Bolsonaro no infame 7 de
Setembro de 2021 e como fizeram os golpistas do 8 de Janeiro. Por essas razões,
conforme alertam os pesquisadores, “o Supremo precisa qualificar seus processos
para lidar com a crescente hostilidade”.
Daí vem um receituário: assegurar a
autoridade com a recuperação da percepção de legitimidade e da adesão
voluntária e robusta às suas diretrizes; ser e parecer imparcial; usar com
moderação instrumentos processuais de concentração de poder, como súmulas
vinculantes; respeitar as demais instâncias; evitar a catimba constitucional, a
flutuação jurisprudencial ou a participação desnecessária no debate público; e
praticar efetivamente a autocontenção com instrumentos para limitar decisões
monocráticas muitas vezes indefensáveis – como as tomadas recentemente pelo
ministro Dias Toffoli a favor de corruptos confessos no âmbito da Operação Lava
Jato.
Como escreveu o cientista político Carlos
Pereira em sua coluna no Estadão (Decisões monocráticas, como a de Toffoli, podem nos recolocar na rota do
populismo, 26/5/2024), “decisões controversas desta magnitude e,
mais ainda, fruto de mudanças sucessivas de entendimento da Corte, muitas vezes
a partir de decisões monocráticas de seus ministros sobre o mesmo tema, podem
ter um efeito político devastador”: o de “nos recolocar na rota do populismo”.
Aqueles que se apresentam como “salvadores da democracia”, como fazem
reiteradamente alguns ministros do Supremo, deveriam refletir sobre essas
críticas e mudar urgentemente de atitude, pois disso depende a mesma democracia
que eles julgam salvar.
Reaberta a querela da Foz do Amazonas
O Estado de S. Paulo
Magda Chambriard revela missão de perfurar no
litoral do Amapá e pede debate de ministros
A presidente da Petrobras, Magda Chambriard,
foi bastante específica ao divulgar como sua prioridade de gestão acelerar a
exploração de petróleo para repor as reservas do pré-sal, que em seis anos
entrarão em declínio. Apesar da visível preocupação com a escolha das palavras,
para não queimar a largada, na prática a executiva declarou oficialmente
reaberta a campanha da companhia pela perfuração de poços exploratórios na
Bacia de Foz do Amazonas.
A escolhida de Lula divulgou sua missão em
entrevista coletiva no primeiro dia útil após a posse, já com o desenho da
estratégia que parece ter sido combinada com o Planalto: incumbir o Conselho
Nacional de Política Energética (CNPE) de arbitrar a questão. Trata-se
claramente de uma tentativa de “despolitizar” a mais do que provável decisão do
presidente Lula da Silva em favor do Ministério das Minas e Energia, de
Alexandre Silveira, que defende a exploração na região, em detrimento da
opinião do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva, obviamente resistente
ao projeto.
Lula quer extrair o petróleo da Margem
Equatorial, onde está localizada a Bacia de Foz do Amazonas, sem correr o risco
de perder Marina Silva, seu passaporte de credibilidade internacional para o
meio ambiente. A trava que impede a perfuração dos primeiros poços não são
pareceres técnicos do Ibama – cujas exigências, a bem da verdade, descem a
níveis inconcebíveis de detalhe –, mas a questão política.
Enquanto Magda Chambriard dava sua primeira
entrevista, Alexandre Silveira atacava em outra frente em evento em Belo
Horizonte, dizendo que “nossos irmãos da Guiana” estavam “chupando de canudinho
as riquezas do Brasil”. Presume-se que o ministro, cada vez mais loquaz, tenha
sugerido que o país vizinho, que conseguiu acrescentar 11 bilhões em reservas
de petróleo com a exploração na Margem Equatorial nos últimos anos, esteja se
apropriando de petróleo que seria brasileiro e que o Brasil deveria estar extraindo.
Bobagens ministeriais à parte, não se trata
de um debate trivial. O compromisso do Brasil com a descarbonização não
significa interromper da noite para o dia a busca por novas reservas de
petróleo. O combustível fóssil continuará ditando a geração de energia por
muitas décadas e, para países como o Brasil, pode representar uma mudança de
patamar econômico e social e uma ferramenta fundamental de financiamento da
transição energética, que custará muito caro.
Chambriard era diretora-geral da Agência
Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) quando foram leiloados 65
blocos de petróleo na Bacia de Foz do Amazonas, em 2013, de um total de 289
blocos da 11.ª rodada da ANP. Todas as áreas foram aprovadas previamente por um
grupo técnico formado por Ibama, Ministério do Meio Ambiente e ICM-Bio.
A proposta de envolver o CNPE talvez ajude a
pôr fim ao impasse. Afinal, dez ministros de Estado integram o colegiado,
incluindo Marina e Silveira. O placar dificilmente será favorável a Marina
Silva, e Lula terá de assumir o ônus da decisão final. De preferência, ainda na
primeira metade de seu mandato.
Ninguém está acima da lei nos EUA
Correio Braziliense
Em uma eleição apertada, em que a democracia
norte-americana é mais segura nas mãos de Biden do que nas de Trump, uma queda
provocada pela condenação pode fazer a diferença e decidir a eleição
A condenação criminal de Donald Trump pela
Justiça novaiorquina não afasta o ex-presidente da disputa contra Joe Biden,
cuja reeleição à Presidência dos Estados Unidos nem de longe está garantida.
Mas é um fato muito relevante na política norte-americana e mundial. Mostra que
ninguém está acima da lei nos Estados Unidos, como, aliás, disse Biden, ao
comentar as acusações feitas por Trump de que o julgamento teria sido
manipulado para beneficiá-lo.
Trump é o primeiro ex-presidente dos EUA a
ser considerado culpado por um crime e condenado. A sentença final ainda não
foi proferida pelo juiz encarregado do caso, mas pode, inclusive, levar o
ex-presidente para atrás das grades, apesar de ser réu primário e ter mais de
70 anos, em razão da aplicação de leis estaduais e federais sobre fraude e
financiamento de campanha.
A principal causa da condenação foi o
pagamento secreto à ex-atriz pornô Stormy Daniel, antes das eleições
presidenciais de 2016, para que não revelasse o caso que mantiveram, num rol de
mais de 30 acusações. Trump deve recorrer da decisão, mas o assunto já esquenta
o debate eleitoral norte-americano, que pode ter um candidato em uma situação
inédita: fazer a campanha de dentro da cadeia.
Não existe nada parecido na história dos
Estados Unidos. Trump ainda pode ser impedido de disputar a eleição se for
comprovado seu envolvimento direto na tentativa de impedir a posse de Biden por
ocasião da invasão do Capitólio. Ambos estão empatados nas pesquisas, mas pode
ser que a decisão do tribunal de júri de Nova York mude a opinião de muitos
eleitores.
Como sempre, o ex-presidente se diz vítima de
perseguição. E tenta sensibilizar o eleitorado em torno disso. Nas primárias
republicanas, porém, um percentual de eleitores na casa dos dois dígitos disse
que não votaria no ex-presidente se ele fosse condenado por um crime.
Foi o caso dos eleitores republicanos de
Carolina do Norte: 32% pensam que Trump não estaria apto à Presidência se fosse
condenado. Em abril, pesquisas da Ipson e da ABC News também mostraram que 16%
dos que apoiam Trump reconsiderariam o seu voto em tal situação.
Outros três processos criminais contra Trump,
envolvendo as suas tentativas de anular as eleições presidenciais de 2020 e o
tratamento de documentos confidenciais após deixar a Casa Branca, ainda estão
em andamento. Entretanto, não há prazo para os julgamentos.
Por ora, Trump se beneficia do fato de que a
maioria dos eleitores norte-americanos tem outras preocupações. E são temas que
desgastam a imagem do presidente Biden: a inflação, a situação das fronteiras,
a concorrência da China, o conflito com o presidente russo Vladimir Putin, as
guerras da Ucrânia e de Gaza.
Entretanto, numa eleição apertada, em que a democracia norte-americana é mais segura nas mãos de Biden do que nas de Trump, uma queda provocada pela condenação pode fazer a diferença e decidir a eleição.
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