sábado, 1 de junho de 2024

Dora Kramer - Sem rumo nem prumo

Folha de S. Paulo

Lula deixou o Congresso no vácuo, semeou descaso, natural que colha derrotas


Ainda na campanha, quando indagado sobre seus planos para se relacionar com um Congresso cheio de novos poderes, o então candidato Luiz Inácio da Silva (PT) não demonstrava preocupação. Dizia que resolveria tudo com muita conversa.

Transcorrido praticamente um ano e meio de governo, o presidente muito discursou, mas não resolveu nem conversou na forma e no conteúdo exigidos pela atual configuração do Parlamento.

Aqui não se fala do perfil ideológico, desde sempre de centro-direita, com a esquerda minoritária. Foi assim em todos os governos petistas, sendo que nos dois de Lula a coisa fluiu. Nem sempre a poder de motivações republicanas, mas andou sem percalços, no automático como habitual.

Era um tempo de Congresso submisso a cargos, emendas de liberação não impositiva, presidente da República nos píncaros da popularidade e oposição aveludada.

Isso mudou. O tempo passou, e Lula fez a Carolina na janela. Não deu o devido peso à força da maioria de centro, direita e extrema-direita, que antes não tinha voz nem o respaldo das "ruas" hoje conhecidas como redes sociais e que tampouco dispunha do manejo do Orçamento da União.

Num primeiro ano dedicado a ambições internacionais, Lula confiou no taco do passado, deixou o Congresso entregue a articuladores cuja expertise não está à altura da ferocidade das onças agora poderosas e dedicou-se à governança de palanque.

Semeou descaso, jogou no improviso, natural que colha derrotas. Atribuí-las ao perfil ideológico dos parlamentares é ignorar que o Legislativo lhe deu folga orçamentária na transição, aprovou o arcabouço fiscal e ainda lhe conferiu medalha por ter tirado a reforma tributária do campo das ilusões quase perdidas.

Nessa altura mais proveitoso para uma correção de rotas seria se acertar internamente para conseguir responder à velha pergunta comum à esquerda do século passado: qual é o rumo? Só então se chega ao prumo.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Dora doriando.