Valor Econômico
Fatores globais contribuem para a alta da moeda americana neste ano, mas riscos domésticos explicam a maior parte do movimento
O cenário para o câmbio mudou
significativamente de figura ao longo do ano. No primeiro semestre, o real se
enfraqueceu em relação à moeda americana, com o aumento dos riscos externos e
principalmente dos internos, devido em grande parte às incertezas sobre as
contas públicas, mas nos últimos dias também por causa das críticas do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do Banco Central (BC),
Roberto Campos Neto, e ao nível dos juros. Em 2024, o dólar já subiu quase 60
centavos, de R$ 4,86 para R$ 5,44, uma alta de 11,9%.
A força das contas externas, com saldo comercial perto de US$ 100 bilhões em 12 meses e reservas internacionais de US$ 355 bilhões, ajuda a amenizar, mas não impede o avanço do dólar, movimento que tende a causar impacto desfavorável sobre a inflação. A pressão sobre o câmbio e a maior volatilidade da moeda podem ainda atrapalhar o planejamento das empresas, encarecendo a importação de bens de capital, por exemplo, o que prejudica o investimento.
Por trás da alta do dólar, há sem dúvida o
efeito da piora do cenário externo neste ano. O principal motivo é a mudança da
perspectiva para os juros americanos nos últimos meses. A avaliação hoje é que
o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) vai demorar mais e cortar
menos as taxas do que se imaginava no começo do ano, um fator negativo para
países emergentes como o Brasil.
Mas esse não é o fator predominante para a
subida do dólar por aqui. “O vetor mais relevante foi a piora do cenário
doméstico”, diz o economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria e
pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (FGV Ibre). Segundo ele, há contribuição negativa do cenário
internacional, mas ela é menos significativa, enquanto o aumento da diferença
entre os juros externos e internos jogou na direção contrária, compensando
apenas parcialmente a piora do ambiente externo e do doméstico.
Ribeiro tem um modelo que procura identificar
o peso das variáveis que comandam a variação da taxa de câmbio, divididos entre
fatores globais, fatores locais e a diferença entre juros externos e internos.
Entre os aspectos externos, os cálculos do economista consideram os preços de
commodities, a moeda americana no mercado internacional, a taxa de dez anos dos
títulos do Tesouro americano e a parte do risco Brasil explicada por questões
globais. No modelo de Ribeiro, os fatores domésticos são o “resíduo” não
explicado nem por motivos externos nem pela diferença de juros.
Do fim do ano passado até sexta-feira, o
dólar se fortaleceu no quadro global e o juro dos papéis de dez anos do Tesouro
dos EUA avançaram de 3,88% para 4,26%, combinação que pressiona moedas de
emergentes como o real. Já os preços de commodities, medidos pelo índice CRB,
subiram, o que ajuda divisas de países como o Brasil, grandes exportadores
desses produtos.
Nas contas de Ribeiro, a alta neste ano de
11,9% do dólar em relação ao real teve contribuição de 1,5 ponto percentual dos
fatores globais. Já o aumento da diferença entre juros externos e internos,
medida pelas taxas de juros de um ano do Brasil e dos EUA, atuou na direção
oposta, tirando 0,58 ponto do aumento de 11,9%. Desse modo, os fatores locais
são os principais responsáveis pela subida do dólar, explicando quase 11 pontos
percentuais da alta.
“A avaliação do comportamento cambial é das
tarefas mais difíceis na vida prática de um macroeconomista”, escreve Ribeiro,
observando que “os movimentos na cotação da moeda refletem um sem-número de
fatores (reais, financeiros, especulativos e institucionais), em grande medida
instáveis e pouco previsíveis”. Segundo ele, há uma tendência entre os
analistas, tanto no Brasil como no exterior, a tentar explicar os movimentos do
câmbio apenas por eventos domésticos. É um viés usual, e em geral errado, diz Ribeiro.
O sobe e desce das moedas costuma estar muito mais associado a vetores globais.
No avanço do dólar por aqui neste ano, porém,
os fatores externos não preponderam, ainda que tenham contribuído para a subida
da moeda americana, de acordo com o estudo de Ribeiro. “A decomposição pelos
fundamentos sugere que as questões locais têm tido importância cada vez maior,
sendo, inclusive, o fator dominante nas últimas semanas”, diz o economista,
reforçando que não é um resultado comum, o que reforça a especificidade do
atual momento.
Nesse cenário, Ribeiro diz que um
fortalecimento imediato da taxa de câmbio depende, em última instância, de uma
melhora no ambiente econômico e institucional doméstico. Um alívio do cenário
global pode ser relevante, mas, sem a solução dos problemas internos, a moeda
seguirá pressionada, avalia ele.
Ao tratar da piora do quadro interno, Ribeiro
ressalta a percepção mais disseminada “dos enormes desafios na condução da
política fiscal brasileira, primeiro com certa flexibilização das regras
impostas pelo recém-criado arcabouço fiscal e, mais recentemente, pela
necessidade de apoio ao Rio Grande do Sul, afetado por uma tragédia climática
sem precedentes”. Ele cita ainda as dúvidas quanto ao desempenho futuro da
economia, “enfrentando choques negativos na atividade e na inflação”. Além
disso, há “ruídos na condução da política monetária, desancoragem das
expectativas e um processo de desinflação mais lento do que se supunha”,
colocando em risco a redução da Selic e aumentando a animosidade entre o Banco
Central e o Executivo. “Por onde se olha, há risco e incerteza”, resume ele.
O governo é que tem ampliado os riscos e as incertezas na economia, com a resistência a enfrentar o ajuste fiscal pelo lado dos gastos e com as críticas de Lula ao BC e aos juros. Se forem apresentadas medidas críveis de controle de despesas e cessarem os ataques à autoridade monetária, há espaço para alívio no câmbio - o que é de interesse do próprio governo.
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