segunda-feira, 24 de junho de 2024

Bruno Carazza - Benefício bilionário semicondutor de ineficiência

Valor Econômico

Na mesma semana que Lula critica renúncias fiscais, governo apoia prorrogação de incentivos por mais cinquenta anos

Na quarta (18/06), em entrevista à rádio CBN, o presidente Lula se declarou “perplexo” diante do volume de renúncias fiscais no Brasil, que passaria da casa dos R$ 546 bilhões, e anunciou seu compromisso de rever esses benefícios, para que o ajuste das contas públicas não seja aplicado somente sobre os pobres.

Nem bem a fala de Lula deixou de ecoar, a Câmara dos Deputados aprovou, com o apoio do PT e demais partidos da base do governo, o PL nº 13/2020 que amplia e estende renúncias fiscais para os setores de semicondutores e de tecnologia da informação até o ano de 2073, mesmo prazo de vigência da Zona Franca de Manaus.

Segundo estimativas da Receita Federal, a soma dos benefícios concedidos pela Lei de Informática e pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) gira em torno de R$ 8 bilhões anuais.

Na mesma semana em que a produtora de chips Nvidia ultrapassou a Microsoft e a Apple e se tornou a empresa mais valiosa do mundo, a princípio parece razoável o Estado brasileiro conceder incentivos para o desenvolvimento de empresas ligados aos setores mais dinâmicos da economia mundial.

Esse movimento, aliás, vem sendo feito pelos países mais avançados do mundo, principalmente após a crise de semicondutores ocorrida durante a pandemia e diante do progresso avassalador da utilização da inteligência artificial. Os governos dos Estados Unidos, China, União Europeia, Coreia do Sul, Japão e Índia anunciaram nos últimos dois anos centenas de bilhões de dólares em incentivos para a promoção de uma indústria local que produza semicondutores, chips e memórias.

Após a aprovação do PL que estende os benefícios para a indústria de semicondutores no Brasil, o secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Uallace Moreira, comemorou nas redes sociais: “Esse projeto vai alavancar os investimentos do setor de semicondutores no Brasil”, anunciou triunfante.

Com mestrado e doutorado pela Unicamp, Moreira tem fértil pesquisa na área de política industrial, inclusive com uma carreira internacional em entidades como BID, Cepal e Korean Institute for Economic Policy. Nas suas publicações, fica evidente a crença na estratégia de países em desenvolvimento superarem a armadilha da renda média por meio de saltos tecnológicos em setores dinâmicos, como o de tecnologia.

A experiência brasileira com a promoção da indústria de semicondutores, porém, mostra que esse processo é muito mais difícil do que se imagina.

Lançado em janeiro de 2007, o Padis concede uma série de isenções de tributos para a aquisição de insumos e bens de capital, inclusive importados, destinados à produção de chips e memórias no país, além de zerar a cobrança de Pis/Cofins, IPI e imposto de renda e contribuição sobre o lucro dessas empresas. Como contrapartida, os beneficiários devem investir pelo menos 5% de seu faturamento em P&D.

Passados dezessete anos, as empresas beneficiadas pelo programa deixaram de recolher mais de R$ 4,7 bilhões em tributos para os cofres públicos, com uma renúncia da ordem de R$ 360 milhões ao ano atualmente.

É difícil estimar qual o retorno do investimento estatal nessa iniciativa. O último relatório trienal que o Ministério do Desenvolvimento publicou sobre o programa, relativo a 2021, tem parcas cinco páginas, sendo que trechos inteiros são mera cópia das edições anteriores, de 2015 e 2018.

Por ele sabe-se que há quatro empresas produzindo chips ou memórias no país (Smart, Unitec, HT Micron e a estatal Ceitec), em diferentes estágios de desenvolvimento, com um investimento em pesquisa e desenvolvimento de R$ 90,2 milhões em 2019 como contrapartida para a renúncia fiscal.

Tampouco o Tribunal de Contas da União, o Ipea ou mesmo a academia se debruçaram seriamente sobre o programa. Num dos raros estudos sobre o Padis, Flávia Filippin, em sua premiada dissertação de mestrado na Unicamp, entrevistou executivos de empresas de semicondutores que afirmam que dificilmente as empresas produziriam no país sem os benefícios do programa. Ainda assim, um relatório de técnicos do BNDES (Rivera et al., 2015) classifica o setor como em estágio embrionário e dependente de incentivos.

Não há, porém, nenhuma avaliação séria sobre o retorno que o programa traz para a sociedade, a efetividade dos investimentos feitos em contrapartida ou os erros e acertos do programa.

Mesmo sem essas avaliações, o secretário Uallace Moreira, num artigo que escreveu antes de entrar para o governo na coletânea Bidenomics nos Trópicos, defendia o apoio do BNDES, o uso de compras públicas para criar demanda local e mais incentivos tributários como o Padis para impulsionar a produção de semicondutores no Brasil.

E assim, sem estudos técnicos prévios ou debates junto à sociedade, o governo patrocina, em parceria com o Congresso, a renovação de renúncias fiscais bilionárias, com benefício social de valor desconhecido, com previsão de durarem por mais cinco décadas.

É realmente para se ficar perplexo.

2 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito.

Marcos Lisboa assinaria abaixo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.