Valor Econômico
Reunião é um convite a uma intensa troca global de ideias sobre como tornar nosso mundo apto para o desenvolvimento sustentável
O sistema geopolítico mundial não está
proporcionando o que queremos ou precisamos. O desenvolvimento sustentável é
nosso objetivo declarado, significando prosperidade econômica, justiça social,
sustentabilidade ambiental e paz. No entanto, nossa realidade é de continuidade
da pobreza em meio à abundância, a desigualdades crescentes, a crises
ambientais cada vez mais graves e à guerra. Para voltar aos trilhos, o
secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres,
sensatamente, convocou uma Cúpula do Futuro (SOTF, na sigla em inglês) para os
dias 22 e 23 de setembro, uma convocação que foi endossada pelos 193
Estados-Membros da ONU.
A ideia central da Cúpula do Futuro é que a humanidade se depara com um conjunto de desafios sem precedentes que só podem ser resolvidos por meio da cooperação internacional. A crise das mudanças climáticas induzidas pelo homem (em especial o aquecimento do planeta) não pode ser resolvida por um único país. Nem as crises de guerras (como na Ucrânia e na Faixa de Gaza) ou as tensões geopolíticas (entre Estados Unidos e China) podem ser resolvidas por um ou dois países sozinhos. Cada país, mesmo as grandes potências, como EUA, China, Rússia, Índia e outros, faz parte de uma complexa estrutura global de poder, economia e política que requer soluções genuinamente globais.
A reunião de cúpula girará em torno a cinco
tópicos principais, todos relacionados ao multilateralismo, que é o sistema
pelo qual as nações coexistem com o resto do mundo. Esses tópicos são: (1) o
objetivo do desenvolvimento sustentável; (2) o objetivo da paz; (3) o controle
de novas tecnologias como a inteligência artificial; (4) conferir mais poder
aos jovens e às futuras gerações; e (5) a reforma da arquitetura da ONU.
A Rede de Soluções para o Desenvolvimento
Sustentável da ONU (SDSN), que dirijo, emitiu uma declaração resumindo os
pontos de vista de grandes acadêmicos pelo mundo sobre a reforma do sistema
multilateral. A declaração da SDSN sobre a SOTF é o Capítulo 1 do Relatório de
Desenvolvimento Sustentável de 2024, da SDSN.
Sobre o objetivo do desenvolvimento
sustentável, o desafio central é o financiamento mundial. Alcançar os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) - como a luta contra a pobreza, fome,
doenças e degradação ambiental - exige altos investimentos públicos. As áreas
prioritárias de investimento público incluem educação, saúde, energia com zero
carbono, agricultura sustentável, infraestrutura urbana e infraestrutura
digital. O problema é que a metade mais pobre do mundo - os países de baixa
renda e de renda média baixa - não têm acesso ao financiamento necessário para
alcançar os ODS. A reforma mais premente do sistema global que esses países
precisam é o acesso a financiamento de longo prazo e baixo custo.
Sobre o objetivo da paz, o desafio é a
competição entre grandes potências. Os EUA estão em uma competição contra a
Rússia e a China. Os EUA buscam a primazia na Europa sobre a Rússia e a
primazia na Ásia sobre a China. A Rússia e a China resistem. O resultado é
guerra (na Ucrânia) ou risco de guerra (no Leste da Ásia). Precisamos de um
sistema liderado pela ONU mais forte, no qual a competição entre grandes
potências seja governada e contida pela Carta da ONU, em vez de pelo
militarismo e pela política de poder. Em termos mais gerais, ficou para trás a
era em que qualquer país pode ou deve aspirar à primazia ou hegemonia. As
grandes potências devem viver em paz e respeito mútuo sob a Carta, sem ameaçar
a segurança umas das outras.
Sobre o objetivo da tecnologia, o principal
desafio é garantir uma governança transparente e responsável das novas
tecnologias avançadas, como a biotecnologia, a inteligência artificial e a
geoengenharia. Tecnologias tão poderosas não podem continuar a ser
administradas em segredo pelos militares e empresas poderosas. Elas precisam
ser governadas com honestidade, transparência e responsabilidade perante o
público.
A competição entre grandes potências tem de
ser governada e contida pela Carta da ONU, em vez de pelo militarismo e pela
política de poder. As grandes potências devem viver em paz e respeito mútuo,
sem ameaçar a segurança umas das outras
Sobre o objetivo dos jovens e das futuras
gerações, o grande desafio é garantir que cada criança possa alcançar seu
potencial por meio de uma educação de alta qualidade. A educação é essencial
para se conseguir um emprego decente e uma vida digna. No entanto, centenas de
milhões de crianças, em especial nos países pobres, estão fora da escola ou em
escolas abaixo do padrão que não estão ensinando as habilidades necessárias
para o século XXI. Sem uma educação de qualidade, essas crianças enfrentarão
uma vida de pobreza e subemprego ou desemprego. Precisamos de um novo arranjo
financeiro internacional para garantir que cada criança, mesmo nos países mais
pobres, tenha a oportunidade de uma educação decente.
Sobre o objetivo de reformar o sistema da
ONU, a chave é dar mais poder e representatividade às instituições da ONU.
Hoje, a ONU depende demais de poucos países poderosos, principalmente dos EUA.
Quando os EUA não pagam suas contribuições para a ONU, por exemplo, todo o
sistema da ONU se enfraquece. Precisamos fortalecer o sistema da ONU garantindo
que ele seja financiado de maneira adequada e confiável por meio de um novo
sistema de impostos internacionais - por exemplo, sobre emissões de CO2,
transporte marítimo, aviação e transações financeiras - em vez de contribuições
dos governos.
Também devemos fazer com que as instituições
da ONU sejam mais representativas do mundo de 2024 do que do mundo de 1945,
quando a ONU foi criada. A Índia, por exemplo, deveria se tornar um membro
permanente do Conselho de Segurança da ONU. A Índia é o país mais populoso do
mundo, a terceira maior economia e também uma potência nuclear. Em 1945, a
Índia ainda era uma colônia britânica e, portanto, não recebeu o lugar adequado
no sistema da ONU naquela época.
Outra recomendação da SDSN é introduzir uma
Assembleia Parlamentar da ONU na forma de uma nova câmara ao lado da Assembleia
Geral da ONU (AGNU). A AGNU dá a cada Estado-membro um voto, com o poder desse
voto estando nas mãos do ramo executivo de cada governo. Um Parlamento da ONU
representaria os povos do mundo, em vez dos governos.
Ainda mais importante, a Cúpula do Futuro é um convite a uma intensa troca global de ideias sobre como tornar nosso mundo profundamente interconectado apto para o desenvolvimento sustentável no século XXI. É um grande desafio que deve ser aceito e enfrentado por pessoas de todo o mundo. Um grande debate será aberto em setembro e terá sequência nos próximos anos. (Tradução de Sabino Ahumada)
Um comentário:
Impossible Mission....
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