quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Merval Pereira - Em busca do caminho

O Globo

O STF não pode fazer pactos, pois provavelmente será chamado a julgar casos que envolvam os dois outros Poderes da República

Sempre que o Supremo Tribunal Federal (STF) faz parte de pactos políticos, como já aconteceu algumas vezes nos últimos anos, é sinal de que algo vai mal no nosso arcabouço institucional. Nos “pactos” anteriores, o tema central era sempre “a favor da democracia”. Agora, são as emendas parlamentares, uma intromissão direta em questões de outros Poderes, não apenas conceitual.

O STF não pode fazer pactos, pois provavelmente será chamado a julgar casos que envolvam os dois outros Poderes da República. Por isso não toma iniciativas sobre os temas a analisar, só atua quando solicitado por integrantes de outros Poderes ou pelas poucas instituições autorizadas a fazê-lo.

A reunião sobre as emendas parlamentares ocorrida na sede do STF em Brasília, portanto, é uma dessas anomalias a que nos acostumamos. O Supremo, por meio do ministro Flávio Dino, cuja decisão foi aprovada por unanimidade no plenário, entrou na disputa sobre as emendas instado por partidos políticos e as suspendeu enquanto não cumprirem as exigências constitucionais de transparência, impessoalidade e rastreabilidade.

Sua tarefa deveria ter se encerrado naquele momento. Legislativo e Executivo deveriam ter se sentado para negociar entre si, para atender às exigências do STF. No entanto estavam na mesa os 11 ministros do Supremo, o que fez com que o presidente da Câmara, Arthur Lira, dissesse que lá estavam dois Poderes contra o Legislativo, reforçando a desconfiança de que Judiciário e Executivo se uniam para retirar do Congresso o poder sobre as emendas e dando caráter político à decisão de Dino, ex-ministro de Lula.

No acordo entre Congresso, governo e Judiciário que saiu do encontro sobre emendas parlamentares, alguns pontos foram bons, outros nem tanto. A verba das emendas não foi reduzida. Deveria ter sido, pois é absurdo o que o Legislativo tem de parte do Orçamento, a mesma quantia deixada para o governo central fazer seu planejamento.

Ao mesmo tempo, a exigência de transparência e rastreabilidade fará com que muitas emendas não sejam usadas, ou pelo menos sejam usadas em coisas mais palpáveis e necessárias. O mais importante é que o Executivo passou a ter lugar de fala quando se tratar de emendas que não sejam individuais, mas de comissão ou bancada. Umas terão de ter caráter de interesse nacional ou regional, outras serão para projetos “estruturantes”. Dessa maneira, o Executivo passará a ter de volta parte do dinheiro hoje investido da maneira e onde os parlamentares querem, sem que tenham de dar satisfação sobre seus atos.

Várias investigações em órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU), já estão em andamento, provocadas por denúncias de políticos prejudicados ou anônimos cidadãos. Pode-se, a partir de agora, fazer uma combinação com o governo para financiar obras necessárias, pois, se o deputado tiver de explicar para onde foi o dinheiro, boa parte não terá explicação. Foi um avanço. Não é o que seria ideal, mas permite que o governo continue governando.

Porque a brigalhada toda de STF contra Legislativo, de Legislativo contra Executivo, pedindo ajuda ao Judiciário para protegê-lo, era qualquer coisa, menos um governo republicano. Veremos como conseguem agora montar o caminho para o equilíbrio voltar. Ficará mais difícil explicar razões de obras apenas para favorecer amigos. Sentar junto para negociar já mostra uma convivência saudavelmente democrática

 

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