domingo, 4 de agosto de 2024

Míriam Leitão - Avanços e riscos do governo Lula

O Globo

Governo Lula tem vitorias a comemorar na economia e política ambiental e correção de rotas a fazer em áreas que podem alimentar discurso da oposição

Com um ano e meio no cargo e olhando o futuro, já é possível fazer um balanço de avanços e riscos para o governo Lula. Ele acerta na economia e acumula pontos na área ambiental, contudo, na política externa e no pantanoso terreno da corrupção, seus erros e hesitações alimentarão o discurso da oposição no embate de 2026. Será preciso fazer correções de rotas nessas áreas. No caso da Venezuela, já começou a ser feita.

O espectro de Joe Biden perseguirá o presidente Lula se ele disputar a reeleição e já era tempo de pensar em herdeiros políticos no seu campo, até porque quatro mandatos para uma mesma pessoa, ainda que seja possível, não fazem bem à democracia alguma.

A semana passada foi interessante para ver esses sinais. O desemprego chegou ao menor nível desde 2014, no segundo trimestre, e a renda subiu 5,8%, na comparação anual. A produção industrial subiu 4,1% em junho, mostrando o efeito da ajuda rápida ao Rio Grande do Sul. A inflação está baixa e o crescimento maior do que o previsto. Tudo alimenta a sensação de conforto econômico.

Na política externa, o país viveu uma gangorra na crise da Venezuela. Qualquer pessoa que acompanhe o que se passa há um quarto de século no país vizinho sabe que o chavismo se mantém no poder usando a mesma estratégia que o bolsonarismo gostaria de ter implantando no Brasil. Uma vez no poder pelo voto popular, em 1999, Hugo Chávez começou o projeto de enfraquecer as instituições democráticas, eliminar a imprensa independente, cooptar as Forças Armadas dando-lhes espaço no poder e acesso a dinheiro da corrupção. Foi seguido por Nicolás Maduro neste processo de erosão da democracia por dentro.

Se o presidente brasileiro der o aval a uma eleição tão suspeita de fraude, como pareceu ao dizer que nada houve de anormal na Venezuela, dará farta munição à oposição que quer ligá-lo às ditaduras. Como Lula foi eleito defendendo a democracia contra as intenções golpistas do seu adversário, se ligar à Maduro é atirar em seu próprio capital político. O chavismo é o que o bolsonarismo gostaria de ser. A clivagem hoje é entre democratas e autocratas. Maduro é tão autocrata quanto Viktor Orbán, da Hungria, amigo de Bolsonaro.

A nota conjunta de Brasil, Colômbia e México acertou ao pedir verificação imparcial das eleições. Quando assumiu a custódia da embaixada argentina, o Brasil lembrou ao presidente Javier Milei os laços históricos entre os dois países. Em 1982, quando Argentina e Reino Unido entraram em guerra, o Brasil assumiu a embaixada argentina em Londres e houve o mesmo simbólico gesto da bandeira brasileira tremulando na representação diplomática argentina. É esse patrimônio que Milei andava desprezando.

No debate global do clima, o Brasil fez um salto de qualidade no governo Lula. Na reunião dos ministros das Finanças do G20 foi assinada a arquitetura de um novo instrumento de captação de recursos para financiar países florestais, grupo do qual o Brasil é o maior. O Tropical Forest Finance Facility ( TFFF) foi sugerido por Brasil e Colômbia, na reunião da COP do ano passado, e já está com seus contornos definidos. O objetivo será o de proteção das florestas.

Há outros instrumentos virando realidade. Isso é possível pelo entendimento que existe entre a ministra Marina Silva e o ministro Fernando Haddad. A esse duo se junta o Itamaraty, onde atua na área do clima, o embaixador André Corrêa do Lago. As equipes dos ministérios têm visão compartilhada sobre a emergência climática. Isso nos coloca no mundo, nos dá protagonismo e prepara o país para tornar realidade o financiamento privado, governamental e das instituições multilaterais, estímulos a um novo ciclo de desenvolvimento baseado na transição ecológica. O Brasil não pode perder esse projeto, mas o perderá se trouxer de volta um governante ligado ao negacionismo climático.

Um terreno pantanoso é o combate à corrupção. O governo precisa ser transparente e rigoroso nessa questão. Ele não apagará a dúvida dizendo que foi perseguido pela Lava-Jato. Os erros daquela operação não eliminam a necessidade de evitar quaisquer desvios. O nebuloso episódio que vincula os irmãos Batista a uma operação vantajosa na área da energia, a cobertura com sigilo de cem anos dada à evolução patrimonial do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, lembram muito antigos desvios pelos quais governos passados se perderam. E o Brasil não quer mais viver o que viveu.

 

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