O Globo
Legislativo hoje coordena interesses
dispersos sem maior preocupação com a agenda nacional
Mesmo não sendo consenso entre politólogos, é
difícil negar a ineficiência e a elevação de custos no sistema político
brasileiro. Transformações institucionais ao longo do tempo — emendas
impositivas, atenuação do poder do governo na emissão de MPs e o maior número
de partidos — retiraram capacidade de aglutinação e protagonismo políticos do
Poder Executivo e não resultaram em ganhos gerais.
No passado, presidentes da República
controlavam coalizações multipartidárias com relativa facilidade e grau de
sucesso. A discricionariedade na distribuição de cargos e recursos públicos
lubrificava suas relações com um Congresso dependente. Porém a tomada do
Orçamento federal autonomizou e fortaleceu o Legislativo, que hoje coordena
interesses dispersos sem maior preocupação com a agenda nacional.
Leis são aprovadas e vetos derrubados pelo Congresso em acordo com lobbies e o fisiologismo de seus grupos: a dinâmica interna submete o interesse geral. Um emblemático sinal da mudança está na eleição às presidências da Câmara e do Senado: o grande eleitor deixou de ser o presidente da República, que frequentemente tinha na Câmara um lugar-tenente. Em condições normais, a agenda ficava sob seu controle.
Evidente que aquele presidencialismo imperial
era impróprio e carecia de ajustes. Mas o duplo salto carpado da História
resultou em que o desequilíbrio institucional apenas mudasse de lado na Praça
dos Três Poderes.
Hoje, recursos descarregados nos municípios
atravessam políticas públicas com opacidade ética. A paróquia é o centro do
raciocínio político. Sob pressão do mercado, reformas econômicas até são
aprovadas. Para repousarem, depois, na fila de leis complementares. Senhor dos
movimentos, o Congresso anda pouco, para muito, exige mais. Garroteia o governo
administrando sua ventura ou desventura.
Defensor dos próprios interesses, o
presidente da Câmara é, por excelência, o representante corporativo de seus
pares. Para atendê-los, não hesita empunhar pautas-bomba ou insinuar
retaliações — o impeachment faz parte do imaginário. O presidente da República
cede.
É equívoco evocar o parlamentarismo ou o
semipresidencialismo, essa dinâmica não tangencia tais modelos. Antes, os
perverteria. Resta torcer para que interesses do sistema eventualmente
coincidam com os interesses da nação. A vida segue. Mas, segue insatisfatória.
O efeito colateral é claro: a cultura é
presidencialista; do presidente se espera a condução de um processo político
virtuoso. Dele são cobrados os resultados. A imprensa e a economia exigem
racionalidade e cortes de gastos — na área social, que seja! — enquanto isso, a
caravana das emendas passa com pouco alarde. Na eleição, impiedoso, um
plebiscito cairá sobre os ombros do presidente, não nos de parlamentares donos
de currais que os protegem.
Resta ao presidente submeter-se a esse
suplício ou abrir a janela do cativeiro, arriscando uma fuga para a frente. No
caso, em direção à popularidade. Sua libertação, o nome do jogo: a
popularidade. Afinal, presidentes populares realçam o carisma e irradiam
perspectiva de poder continuado. Apaixonam oportunistas. (Re)tomam o controle
do processo.
Há, porém, pouca margem para o voluntarismo
fiscal: o dólar pode subir, e a inflação pune.
Para retomar a autoridade e a iniciativa perdidas, o presidente Lula precisará
de aditivos na popularidade provenientes de meios não exclusivamente fincados
no gasto público. Plantar controvérsias e colher apoio em determinados
segmentos sociais tem sido a estratégia.
Assim, se as pesquisas indicam ser promissor
amaldiçoar, por exemplo, juros, BC, mercado, rifar o ministro e o diabo, esse
será o caminho. É o que tem feito. Mas também aqui haverá riscos: como entre a
virtude e o vício, a diferença entre o popular e o populista está na dose.
Viver de arroubos pode viciar.
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