O Globo
Os pedidos de seguro-desemprego estão em alta
porque o mercado de trabalho está muito aquecido
No original, a frase de Tom Jobim era
a seguinte:
— O Brasil não é para principiantes.
Com o tempo, “principiantes” foi substituído
por “amadores” e ficou até melhor. Pelo menos, mais popular. E verdadeira?
Digamos que faz sentido em muitos momentos e
muitos lugares deste imenso Brasil. Considere a sentença: os pedidos de
seguro-desemprego estão em alta porque o mercado de trabalho está muito
aquecido.
Pode ler de novo. É isso mesmo que você
entendeu: quanto mais a economia gera vagas de trabalho, mais crescem os
pedidos de seguro-desemprego a que têm direito os empregados demitidos sem
justa causa.
Nos Estados Unidos, é diferente. Os pedidos de seguro-desemprego formam um importante indicador, seguido semanalmente e interpretado conforme uma lógica que parece indiscutível: se caem os pedidos, só pode ser porque mais gente conseguiu trabalho e, pois, a economia está aquecida. O inverso também é verdadeiro.
Comparando com o que acontece por aqui,
pode-se dizer que os Estados Unidos são um legítimo país de amadores, guiado
pela lógica simples do senso comum.
Quero ver entender a lógica do mercado de
trabalho brasileiro. Comecemos pelos números: no período de 12 meses encerrado
em julho deste ano, os pedidos de seguro-desemprego chegaram a 7,35 milhões —
370 mil a mais que no período até julho do ano passado. Em julho de 2023, o
desemprego era de 7,9%. No trimestre móvel encerrado em agosto, ficou em 6,6%,
simplesmente o mais baixo para o período na série histórica, iniciada em 2012.
E são 102,5 milhões os brasileiros com trabalho.
Por esses números, seguindo a regra simples,
a economia está aquecida. Pelos pedidos de seguro-desemprego, seguindo a regra
americana, o país estaria em recessão — e obviamente não está.
Convoquemos os profissionais — no caso, os
economistas.
Primeiro, há muita rotatividade no mercado de
trabalho. Muitas admissões e demissões ao mesmo tempo. Mas por que isso
ocorreria? Há boas pistas. Em evento da CBN, na última quinta-feira, o
professor Renan Pieri, da FGV, comentou que frequentemente é mais fácil para um
trabalhador obter aumento de salário mudando de emprego do que permanecendo na
mesma empresa. Isso acontece com os empregados de menor remuneração.
Faz sentido: a maior parte dos solicitantes
de seguro-desemprego recebia no último emprego até 1,5 salário mínimo. É o que
mostra um estudo da LCA Consultores, citado em reportagem do Valor Econômico,
de 10 de setembro último. Para esses trabalhadores, é significativo um ganho de
R$ 250 na troca de emprego.
O seguro só é pago para os demitidos sem
justa causa, de modo que um dos lados do contrato, a empresa ou o trabalhador,
precisa forçar a saída. A empresa pode preferir demitir um empregado de baixo
custo a treiná-lo. E faria isso sabendo que encontra substituto no mercado.
Do lado do trabalhador, é mais complicado.
Ele precisa forçar uma demissão para receber o seguro. Ou então empregado e
empresa fazem os conhecidos acordos de demissão. Claro que o trabalhador faz
isso sabendo também que o mercado está aquecido, de modo que ele provavelmente
encontrará outra ocupação.
Trata-se de análises e hipóteses de
economistas profissionais, e não, digamos, de jornalistas amadores. Ironias à
parte, há aí um baita problema para as contas públicas, já que o governo paga o
seguro. Nos cinco primeiros meses deste ano, os gastos com esse
seguro-desemprego chegaram a R$ 18,4 bilhões, 18% a mais que as despesas no
mesmo período de 2023. No acumulado deste ano, esses gastos deverão passar dos
R$ 45 bilhões, segundo o mesmo estudo da LCA.
É dinheiro, dá quase 0,5% do PIB. Por isso
mesmo, há estudos no governo para mudar o sistema de modo a colocá-lo mais
próximo da lógica americana. A ideia é estimular a permanência no emprego e
tornar mais rigorosa a concessão do auxílio. Não é fácil. Trata-se de mexer em
áreas politicamente sensíveis.
E, nesta semana, um estudo do Banco Central
mostrou outra dessas situações que não são para amadores. Pessoas que recebem o
Bolsa Família gastaram em agosto nada menos que R$ 3 bilhões em bets.
Pode isso? Pois é, não poderia, mas acontece.
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