sábado, 28 de setembro de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - Não é para amadores

O Globo

Os pedidos de seguro-desemprego estão em alta porque o mercado de trabalho está muito aquecido

No original, a frase de Tom Jobim era a seguinte:

— O Brasil não é para principiantes.

Com o tempo, “principiantes” foi substituído por “amadores” e ficou até melhor. Pelo menos, mais popular. E verdadeira?

Digamos que faz sentido em muitos momentos e muitos lugares deste imenso Brasil. Considere a sentença: os pedidos de seguro-desemprego estão em alta porque o mercado de trabalho está muito aquecido.

Pode ler de novo. É isso mesmo que você entendeu: quanto mais a economia gera vagas de trabalho, mais crescem os pedidos de seguro-desemprego a que têm direito os empregados demitidos sem justa causa.

Nos Estados Unidos, é diferente. Os pedidos de seguro-desemprego formam um importante indicador, seguido semanalmente e interpretado conforme uma lógica que parece indiscutível: se caem os pedidos, só pode ser porque mais gente conseguiu trabalho e, pois, a economia está aquecida. O inverso também é verdadeiro. 

Comparando com o que acontece por aqui, pode-se dizer que os Estados Unidos são um legítimo país de amadores, guiado pela lógica simples do senso comum.

Quero ver entender a lógica do mercado de trabalho brasileiro. Comecemos pelos números: no período de 12 meses encerrado em julho deste ano, os pedidos de seguro-desemprego chegaram a 7,35 milhões — 370 mil a mais que no período até julho do ano passado. Em julho de 2023, o desemprego era de 7,9%. No trimestre móvel encerrado em agosto, ficou em 6,6%, simplesmente o mais baixo para o período na série histórica, iniciada em 2012. E são 102,5 milhões os brasileiros com trabalho.

Por esses números, seguindo a regra simples, a economia está aquecida. Pelos pedidos de seguro-desemprego, seguindo a regra americana, o país estaria em recessão — e obviamente não está.

Convoquemos os profissionais — no caso, os economistas.

Primeiro, há muita rotatividade no mercado de trabalho. Muitas admissões e demissões ao mesmo tempo. Mas por que isso ocorreria? Há boas pistas. Em evento da CBN, na última quinta-feira, o professor Renan Pieri, da FGV, comentou que frequentemente é mais fácil para um trabalhador obter aumento de salário mudando de emprego do que permanecendo na mesma empresa. Isso acontece com os empregados de menor remuneração.

Faz sentido: a maior parte dos solicitantes de seguro-desemprego recebia no último emprego até 1,5 salário mínimo. É o que mostra um estudo da LCA Consultores, citado em reportagem do Valor Econômico, de 10 de setembro último. Para esses trabalhadores, é significativo um ganho de R$ 250 na troca de emprego.

O seguro só é pago para os demitidos sem justa causa, de modo que um dos lados do contrato, a empresa ou o trabalhador, precisa forçar a saída. A empresa pode preferir demitir um empregado de baixo custo a treiná-lo. E faria isso sabendo que encontra substituto no mercado.

Do lado do trabalhador, é mais complicado. Ele precisa forçar uma demissão para receber o seguro. Ou então empregado e empresa fazem os conhecidos acordos de demissão. Claro que o trabalhador faz isso sabendo também que o mercado está aquecido, de modo que ele provavelmente encontrará outra ocupação.

Trata-se de análises e hipóteses de economistas profissionais, e não, digamos, de jornalistas amadores. Ironias à parte, há aí um baita problema para as contas públicas, já que o governo paga o seguro. Nos cinco primeiros meses deste ano, os gastos com esse seguro-desemprego chegaram a R$ 18,4 bilhões, 18% a mais que as despesas no mesmo período de 2023. No acumulado deste ano, esses gastos deverão passar dos R$ 45 bilhões, segundo o mesmo estudo da LCA.

É dinheiro, dá quase 0,5% do PIB. Por isso mesmo, há estudos no governo para mudar o sistema de modo a colocá-lo mais próximo da lógica americana. A ideia é estimular a permanência no emprego e tornar mais rigorosa a concessão do auxílio. Não é fácil. Trata-se de mexer em áreas politicamente sensíveis.

E, nesta semana, um estudo do Banco Central mostrou outra dessas situações que não são para amadores. Pessoas que recebem o Bolsa Família gastaram em agosto nada menos que R$ 3 bilhões em bets.

Pode isso? Pois é, não poderia, mas acontece.

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