sábado, 28 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta na dívida reflete desdém pela crise fiscal

O Globo

Quanto mais tempo governo demorar para enfrentar realidade, mais cara será a conta a pagar

O endividamento público nunca é indolor, apesar do desprezo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem manifestado pela crise fiscal. A conta um dia chega. Dívidas altas resultam em custos mais elevados para pagá-las. Com a incerteza sobre a solvência, o mercado exige que o governo pague juro maior para emprestar ao governo. Em consequência, sobra menos dinheiro para investir em saúde, educação, infraestrutura ou segurança — e o crescimento da economia é menor. Protelar o ajuste só piora a situação. Quanto mais tempo o governo demorar para enfrentar a realidade, maior será a crise adiante, pondo em risco políticas públicas prioritárias.

Quando Lula assumiu, a dívida equivalia a 74,4% do PIB. O Tesouro Nacional estimava que fecharia este ano em 76,6%. Anteontem, porém, o próprio governo reconheceu piora nesse cenário. Agora prevê que ela chegará a 77,8%. Pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o endividamento brasileiro em 2024 será o quarto maior entre países emergentes. Mantida a toada atual, a dívida crescerá em todos os anos do atual mandato. Para o Tesouro, só parará de crescer em 2027. Nas contas do mercado, segundo as opiniões coletadas pelo Banco Central, apenas em 2032, quando bater em 89,7%. A perspectiva é Lula deixar como herança um aumento de 10 pontos percentuais em quatro anos.

A razão para isso é a incúria com que tem tratado a crise fiscal aguda vivida pelo país. Quando aprovado no ano passado, o arcabouço fiscal proposto pelo governo foi festejado como avanço. Passado um ano, sua credibilidade está em xeque. O novo cálculo da meta fiscal parecia rebuscado, mas os agentes financeiros resolveram dar um voto de confiança ao governo. Parecia fazer sentido haver uma margem de manobra para lidar com ciclos econômicos. Só não se sabia que, logo no primeiro ano, o piso inferior da meta passaria a ser o objetivo.

Para piorar, não têm faltado iniciativas para retirar da contabilidade da meta os gastos mais variados, sob qualquer pretexto, com anuência do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal. Foi o caso do Pé-de-Meia, programa voltado para alunos do ensino médio. Agora o governo quer repetir a dose com a ampliação do auxílio-gás. Também ficaram fora da meta fiscal os gastos emergenciais com as enchentes do Rio Grande do Sul e com os incêndios florestais. Por óbvio, varrer despesas para debaixo do tapete não faz com que desapareçam. Dá mais trabalho estimar o tamanho real da dívida, mas ela continua lá. E esse tipo de manobra corrói a confiança no compromisso declarado de ajustar as contas públicas.

Se o endividamento alto é tão nocivo, por que seduz tantos governos? Políticos fazem cálculos de curto prazo, de olho no ciclo eleitoral. É a mesma lógica do empresário que não paga a conta de energia, mas está contente com a alegria dos clientes enquanto a luz não é cortada. Há também a ilusão de alavancar o crescimento com mais gastos, para reduzir a dívida como proporção do PIB. Na prática, tal estratégia raramente funciona. O exemplo brasileiro só demonstra que o ímpeto pelas despesas costuma ser mais forte que o bom senso.

Comitiva de Lula na ONU expõe exagero em viagens internacionais

O Globo

Presidente viajou com mais de cem pessoas. No primeiro ano de governo, saídas do Brasil custaram 28% a mais

Para demonstrar que o Brasil voltava com força à cena global depois do isolamento no governo Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a viajar pelo mundo ainda antes da posse. Depois, como presidente, adotou uma agenda internacional frenética. Nos primeiros oito meses de governo, visitou 19 países nas Américas, Europa, Ásia e África. Em cada viagem, Lula costuma seguir acompanhado de um séquito de ministros, diplomatas, assessores, seguranças e todo tipo de agregado. As viagens internacionais da administração pública federal, fundações e autarquias em 2023, primeiro ano do mandato de Lula, chegaram a 22.494 e custaram R$ 296,6 milhões aos cofres públicos. Na comparação com o último ano de Bolsonaro, tais números cresceram, respectivamente, 38% e 28%.

A comitiva levada a Nova York para a 79ª Assembleia Geral da ONU ilustra o exagero em que se transformaram as viagens ao exterior neste governo. Entre autoridades e assessores, incluindo a primeira-dama Janja Lula da Silva, mais de cem pessoas foram aos Estados Unidos acompanhar o discurso de Lula na abertura da assembleia. Não é preciso examinar com lupa a lista de viajantes para identificar o desperdício de dinheiro público em momento de grave crise fiscal.

Presente na comitiva, a ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, já aterrissara neste ano em Nova York. Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas e outra integrante da comitiva, visitou 12 países desde a posse. Esteve nos aeroportos de AmsterdãLondresRomaParis, Dubai, VancouverCaracas e Cartagena, entre outros. De Brasília para Manaus, só viajou cinco vezes. Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, também acompanhou Lula a Nova York. Em 21 meses à frente da pasta, foram 12 viagens ao exterior.

É perfeitamente possível que a maioria dos ministros consiga apresentar boas justificativas para participar de eventos no estrangeiro. Mas, nestes tempos de trabalho remoto e videoconferências, deveriam refletir mais antes de sair do país. Nem toda viagem é planejada com a devida antecedência. Compradas em cima da hora, as passagens são mais caras. As diárias de assessores elevam os gastos às alturas. Eles podem não ser tão altos levando em conta o tamanho do Orçamento, mas as autoridades precisam demonstrar mais parcimônia e dar exemplo de austeridade. A maneira mais eficaz de melhorar a imagem do Brasil e de alavancar projetos e investimentos externos é trabalhar dentro das fronteiras do país para que mais resultados positivos apareçam e atraiam o interesse internacional. O ímpeto de projetar o país no exterior e estreitar relações com estrangeiros merece um freio de arrumação.

Escalada militar de Israel é aposta perigosa para o mundo

Folha de S. Paulo

Ataque contra líder do Hezbollah coroa guinada radical do Estado judeu após um ano da barbárie promovida pelo Hamas

Prestes a completar um ano, o ataque brutal do grupo terrorista Hamas a Israel legou ao mundo uma crise tão aguda quanto à vivida nos campos ucranianos desde que os mísseis de Vladimir Putin caíram sobre o vizinho em 2022.

Em vez da prometida destruição do ente palestino que governava a Faixa de Gaza como um feudo e da libertação dos talvez 64 reféns ainda na mãos dos agressores, a realidade traz o Estado judeu mirando o abismo de uma guerra ainda mais imprevisível no Oriente Médio.

A subjugação do Hamas é quase total a esta altura, mas é igualmente verdade que o grupo reteve capacidades destrutivas. O prolongamento dos combates levou também à obliteração da infraestrutura de Gaza e à morte de mais de 41 mil pessoas, entre terroristas e não terroristas.

O casus belli justo de Tel Aviv foi sendo diluído pelo sangue de civis inocentes. A argumentação correta de que eles serviam de escudos humanos não muda o fato de que foram mortos, e isso minou o apoio inaudito auferido por Israel após o golpe de 7 de outubro de 2023.

Com a crescente pressão internacional, a liga de inimigos de Israel e dos Estados Unidos centrada no Irã aproveitou para abrir novas cunhas na crise. De grupelhos xiitas no Iraque aos surpreendentes houthis do Iêmen, todos os prepostos de uma fragilizada Teerã foram acionados.

Os olhos, contudo, sempre estiveram virados para o norte israelense, além da fronteira do Líbano. Lá está o Hezbollah, considerado o mais poderoso agrupamento não estatal do mundo em termos militares.

Até há pouco, a escalada proposta pelos libaneses era contida —fora, claro, no caso dos moradores do norte de Israel, de onde 60 mil tiveram de fugir de suas casas neste ano. Seja como for, a exemplo do Irã, o temor de uma guerra existencial afastou o Hezbollah de um tira-teima do conflito de 2006 com Israel.

Há dez dias, contudo, o premiê Binyamin Netanyahu fez um movimento radical, colocando a volta dos refugiados como objetivo de guerra, ao lado das inconclusas missões contra o Hamas e a libertação dos reféns.

O resultado foi um rápido incremento das ações contra os fundamentalistas libaneses, que viram pagers explodirem em seus bolsos e sofreram ataques contra várias camadas de comando de sua ala militar, mais a degradação estimada de 50% de seu arsenal de mísseis e foguetes.

Nesta sexta (27), houve megaoperação contra o quartel-general do Hezbollah em Beirute. O alvo presumido era Hassan Nasrallah, líder do grupo. O impacto de sua eventual morte seria enorme, com evidente risco de as reações saírem de controle.

Netanyahu fez uma aposta na guerra, ciente de que isso mantém seu controle sobre o gabinete em que se destacam radicais de direita. Mas o senso de triunfo pode ser logo revertido, caso os rivais resolvam pagar a aposta.

Agravar penas não apaga incêndios

Folha de S. Paulo

Plano do Ministério da Justiça desconsidera que certeza da punição, não duração, é mais eficaz para dissuadir criminosos

Um padrão nefasto e ilusório se repete no Brasil sempre que o poder público fracassa na contenção de crimes com grande repercussão: agravar as penas para o delito. Não seria diferente com as queimadas que sufocam o país.

Ministério da Justiça enviou à Casa Civil proposta de projeto de lei que aumenta a punição para quem incendiar florestas. Hoje a pena é de dois a quatro anos de prisão, e a pasta quer elevá-la para três a seis anos, podendo chegar a 18, além de multas.

A lógica seria a da dissuasão. Imagina-se que potenciais incendiários pensariam duas vezes antes de atear fogo, diante do risco de passar mais tempo na cadeia. Qualquer rábula, contudo, cedo aprende que a certeza da punição, ou da impunidade, pesa mais na decisão de cometer um delito do que a extensão da pena.

É aí que o Estado brasileiro falha de modo contumaz. Polícia, Ministério Público e Justiça são ineficientes em investigação e condenação, mais ainda quando o crime é ambiental. Executivo e Judiciário também se mostram impotentes para impor e executar multas em prazo razoável.

São vários os exemplos de tal inépcia. Em 2019, no infame Dia do Fogo, 1.500 focos de chamas surgiram de modo sincronizado no Pará, com epicentro no município de Novo Progresso. A Polícia Federal investigou a hipótese de ação coordenada entre sindicalistas, produtores rurais e grileiros —como de resto antecipara um jornalista daquela cidade.

Não ocorreu nenhum indiciamento ou prisão. Todos os processos foram arquivados. O Greenpeace localizou 662 multas aplicadas às 478 propriedades que queimaram (embora nem todas relacionadas ao Dia do Fogo), totalizando R$ 1,2 bilhão. Menos de R$ 50 milhões (4%) terminaram recolhidos em cinco anos.

Suspeitas de conluio se repetiram em São Paulo em 23 de agosto. Dos 659,8 mil hectares queimados no estado no mês passado, metade (328,2 mil) pegou fogo nesse único dia. O prejuízo estimado chega a R$ 2,8 bilhões.

Nesta semana, o Ibama impôs multas de R$ 100 milhões ao proprietário de uma fazenda no Pantanal. A queimada ali ardeu por 110 dias e engoliu 333 mil hectares (equivalente a mais que o dobro do município de São Paulo).

A própria autarquia ambiental já reconheceu que só consegue receber 5% das multas que aplica e tem dezenas de bilhões a receber pendentes de recursos administrativos e judiciais.

Em lugar de lavrar autos milionários e agravar penas, o Estado precisa começar a impô-los de modo célere e inescapável.

Paternalismo não resolve o problema das ‘bets’

O Estado de S. Paulo

Lula e demais autoridades de Brasília acham que podem dizer como os brasileiros devem gastar seu dinheiro. O efeito nefasto das ‘bets’ só será mitigado com proibição total de publicidade

O presidente Lula da Silva exigiu providências para impedir que beneficiários do Bolsa Família usem o dinheiro para apostar nas chamadas “bets”, segundo informou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, responsável pelo programa de transferência de renda. A reação de Lula se deu depois da publicação de uma nota técnica do Banco Central segundo a qual os beneficiários do Bolsa Família estão gastando mensalmente bilhões de reais nesses sites de apostas.

Lula mandou dizer que o dinheiro do Bolsa Família é para que as famílias comprem comida, e não para que apostem em resultados de jogos de futebol, razão pela qual, numa reunião ministerial marcada para a próxima quarta-feira, cobrará medidas para limitar o uso desses recursos.

O problema é que não há nada no Bolsa Família que impeça os beneficiários de gastar o dinheiro como bem entendem. Essa é, aliás, a lógica do programa de transferência de renda: dar aos beneficiários autonomia para decidir o que fazer com o recurso. Não se tem notícia, por exemplo, que quem recebe Bolsa Família não pode gastar, por exemplo, em cachaça ou em prostituição. Ou seja, se é para forçar os beneficiários do Bolsa Família a gastar com alimentos, então que se cancele o programa de transferência de renda e se crie outro, destinado a fornecer cestas básicas para a população carente.

O horror de Lula é só o mais recente exemplo da confusão estabelecida em Brasília entre as autoridades de todos os Poderes diante da súbita e absolutamente tardia constatação de que as “bets”, do modo como estão hoje, são um gravíssimo problema para a saúde mental e econômica dos brasileiros. E a solução proposta pelo petista e por quase todas as demais autoridades, que em resumo é restringir os meios de pagamento das apostas, mostra mais uma vez o viés paternalista e autoritário tão típico do poder público no Brasil.

Segundo reportagem do Estadão, começam a surgir no Congresso projetos para proibir transações pagas por meio de Pix e limitar os valores de apostas por pessoas inscritas do Cadastro Único de programas sociais do governo, idosos e pessoas com nome sujo ou dívida ativa.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad – que decidiu antecipar para outubro ações que estavam previstas apenas para o início de 2025, como a suspensão da atuação das “bets” que ainda não tenham pedido autorização para funcionar no País –, declarou que “chegou a hora de colocar ordem nisso e proteger a família brasileira”. Para tão nobre fim, Haddad elencou uma série de medidas para restringir a forma como as apostas são pagas pelos usuários.

Ora, quem quer apostar sempre dará um jeito de arranjar o dinheiro, seja com cartão de crédito, Pix, dinheiro vivo ou transferência bancária. Do mesmo modo, quem quer beber até cair também dará um jeito de pagar pela bebida alcoólica. Ou seja, proibir que se use este ou aquele meio de pagamento para apostar se presta apenas a aliviar as consciências de autoridades que passaram anos a se omitir diante de um problema que era obviamente sério desde a origem.

Este jornal sempre foi contrário à legalização dessa jogatina online, especialmente porque se trata de uma evidente forma de lavagem de dinheiro do crime organizado, mas também por causa dos efeitos nefastos para os brasileiros, para os quais agora parece que todos acordaram. Mas não será pela via da restrição dos meios de pagamento que os danos da jogatina cessarão.

Parece óbvio que o único caminho a seguir imediatamente é a proibição total da publicidade desses sites de apostas, assim como foi feito com as bebidas alcoólicas e com o cigarro. Mas é necessário ir além e fazer propaganda negativa, como se faz com o tabaco, mostrando de maneira explícita para os usuários quais são os efeitos da adicção ao jogo. Se o Executivo e o Congresso terão coragem de enfrentar uma máquina nociva que hoje domina a publicidade na TV e nos times de futebol do Brasil, são outros quinhentos. Mas é para isso que eles têm mandato.

Lula vende um Brasil que não pode entregar

O Estado de S. Paulo

Como se fosse um camelô, e não presidente da República, Lula se reúne com agências de classificação de risco para tentar lhes vender um Brasil que vale o grau de investimento

Numa iniciativa extravagante, o presidente Lula da Silva se reuniu recentemente com representantes de agências de classificação de risco em Nova York. O petista quis explicar para a S&P Global Ratings, a Moody’s e a Fitch Ratings, em suas palavras, “o que está acontecendo” no Brasil. Como se fosse um camelô, Lula tentou lhes vender um Brasil que, segundo seus sonhos, merece voltar a ter o chamado grau de investimento.

Lula parece inconformado e obcecado. Foi em 2008, em seu segundo mandato, que o Brasil entrou para o clube de elite dos ratings. Alguns fundos só podem aplicar em ativos com o tal grau de investimento, daí a importância de retomar uma nota mais elevada, perdida em 2015 por causa do espetacular malogro econômico de Dilma Rousseff, quando o Brasil voltou ao grau especulativo.

De lá para cá, o cenário melhorou. As agências emitiram avaliações mais positivas, em razão de reformas como a trabalhista, a da Previdência e a tributária. Trata-se de feitos de todos os últimos governos. Hoje, o País, com uma nota que não é baixa, está a dois passos de recuperar o grau de investimento. Pela Moody’s, a perspectiva passou de estável para positiva, enquanto a S&P e a Fitch mantiveram a perspectiva estável.

Mas Lula quer mais. O presidente disse a jornalistas que uma agência de classificação de risco “não precisa ouvir só a Faria Lima”, em alusão ao mercado financeiro, e “não precisa ouvir só os empresários”. Segundo ele, essas instituições têm de ouvir também “os trabalhadores” e “o presidente da República”.

Mais uma vez, Lula tenta fazer crer que o Brasil que ele governa é uma potência pujante e que só não é reconhecido sem ressalvas como um “bom pagador” pelas agências de risco porque a gente do mercado não “ouviu” as pessoas certas – a começar por ele próprio – e se deixou levar pelos seus preconceitos. Ora, as agências de classificação de risco não “ouvem” ninguém. Elas chegam às suas conclusões com base exclusivamente nos números e nos cenários. E esses cenários, como até mesmo o Banco Central do Brasil já alertou, não são confortáveis, diante da incapacidade do governo de Lula de cortar gastos para reduzir o endividamento.

Mas Lula tem pressa. Quer que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que participou das conversas com as agências, satisfaça seu desejo de recuperar o grau de investimento até 2026, ano de corrida para o Palácio do Planalto, quando, decerto, sonha exibir tal feito.

Não será fácil nem será numa reunião, como se estivesse numa mesa de bar, que Lula vai seduzir as agências. Prova disso é que, no dia seguinte, a Fitch divulgou uma nota na qual, embora reconheça que a economia brasileira demonstrou força e surpreendeu, destacou a “posição fiscal frouxa”. Para a agência, “os desafios fiscais persistem e vão se intensificar”.

Segundo a Fitch, o governo reage à frustração de receitas com “medidas de improviso”, enquanto “a indexação vai manter a pressão sobre os gastos sociais nos próximos anos, exigindo apertos adicionais das despesas discricionárias”. Como há “vulnerabilidade”, o rating continua na perspectiva estável, o que joga um balde de água fria nas ambições de Lula.

O governo acusou o golpe. Para a Fazenda, a agência ignorou “dois elementos fundamentais”: a reoneração gradual da folha de pagamentos com compensações e o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) em 2025.

Em reunião com ministros e governadores, Lula disse que o Brasil não gastará o que não tem, uma promessa pouco crível. Aproveitou a ocasião para explicar a conversa com as agências, admitindo que “não é habitual um presidente da República se reunir com empresas de rating”. Tinha “curiosidade” de saber “o critério que elas adotam para avaliar o Brasil”.

As agências reiteradas vezes apresentaram ao País o “receituário” para a elevação do rating, que inclui responsabilidade fiscal, crescimento econômico sustentável e estabilização da relação dívida/PIB, entre outros. Por ora, os gastos só aumentam, o crescimento mais se assemelha a um novo voo de galinha e a trajetória do endividamento embica para cima, com estimativa de passar de 80% do PIB em 2026, segundo o próprio Tesouro.

O mundo avesso às reformas

O Estado de S. Paulo

OCDE prevê mais crescimento mundial, mas detecta perda de apetite por reformas

Em seu mais recente relatório de perspectiva, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elevou sutilmente a projeção de crescimento da economia mundial em 2024 de 3,1% para 3,2%. Para o Brasil, que não é membro da entidade, as estimativas mudaram para projeção de crescimento de 2,9% neste ano (antes era 1,9%) e 2,6% em 2025 (antes era de 2,1%). Como de costume, os números ganharam grande destaque, embora a manutenção de crescimento sustentado dependa de um aspecto presente no relatório e pouco abordado: o ritmo de reformas e medidas estruturais. E, segundo a OCDE, há uma desaceleração global em reformas fundamentais para o crescimento consistente.

Apesar de o cenário de curto prazo ser mais benigno, as perspectivas de crescimento futuro são limitadas. Se tudo for bem, a economia global deve crescer em 2025 os mesmos 3,2% previstos para 2024 e há países, como o Brasil, cujas projeções de expansão econômica melhoraram, mas que crescerão menos no ano que vem do que neste ano. Do lado dos riscos, que são muitos, estão os conflitos geopolíticos persistentes e tensões comerciais, somados ao esfriamento do mercado de trabalho em mercados como a China, que representam uma séria ameaça à economia global.

Daí a necessidade de se guiar menos pela previsão positiva de crescimento nos próximos dois anos e promover a aprovação de reformas e a adoção de medidas que, ao fim e ao cabo, são o alicerce de uma economia saudável. Todos os países, segundo a OCDE, devem buscar reformas ambiciosas, de modo a fortalecer a base para o crescimento econômico sustentado.

Um trecho do relatório deve ser visto com especial atenção pelo Brasil. Nele a OCDE afirma que os países devem adotar as medidas fiscais necessárias para garantir a sustentabilidade da dívida, de modo que os governos preservem espaço para reagir em caso de choques futuros. A organização também ressalta que “esforços mais robustos para conter gastos e melhorar receitas, combinados com um conjunto de ajustes críveis de médio prazo, são chave para garantir a estabilização dos níveis de endividamento”.

Quando trata do Brasil especificamente, a OCDE mostra o copo meio cheio do crescimento econômico, mas recorda que o País deve manter o bom desempenho observado no primeiro semestre de 2024 com a ajuda de maior gasto fiscal, justamente aquele que precisa ser contido para que haja capacidade de resposta em momentos de emergência. E há também o copo meio vazio: a organização elevou suas projeções de inflação para o Brasil em 2024, de 4% para 4,4%, e em 2025, de 3,3% para 4%. Com a inflação em alta, ao Banco Central só resta elevar a Selic, com consequente aumento da dívida pública, na contramão do que a OCDE, entre tantas outras entidades e economistas respeitados, recomenda.

Por fim, a OCDE reconhece que desde 2018 o Brasil avançou em reformas que melhoram a competitividade, mas esses esforços ficaram restritos a poucas áreas da economia e precisam ser expandidos. No macro e no micro, o País tem uma extensa lição de casa para fazer se quiser seguir a trilha do crescimento sustentado.

Impactos de apostas on-line exigem rigor na regulamentação

Correio Braziliense

O impacto do endividamento de apostadores para pagar apostas on-line preocupa o governo. A grande questão é como controlar essa epidemia sem erradicar as bets

As empresas de apostas on-line de quota fixa — também chamadas de bets — que ainda não pediram autorização para funcionar no país terão as operações suspensas a partir de terça-feira. Essa é uma das medidas do pente-fino na regulamentação das apostas eletrônicas prometido pelo governo. Foram feitos, até agora, 113 pedidos de outorga na primeira fase de licenciamento. Caberá à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda conceder a permissão àquelas que cumprirem as exigências legais. 

A razão das restrições é que a dependência psicológica em relação às bets se tornou um problema social grave, financeiro e de saúde pública. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, "toda e qualquer forma de dependência tem que ser combatida pelo Estado". O impacto do endividamento de apostadores com o cartão de crédito para pagar apostas, publicidade milionária com artistas e influenciadores digitais e patrocínio de bets preocupa o governo.

O alerta sobre a epidemia das bets ganhou força após operações policiais envolvendo empresas que atuam no mercado de apostas de forma criminosa. Havia uma expectativa de que os jogos de apostas on-line seriam uma nova forma de financiamento dos gastos públicos ao aumentar a arrecadação, mas seus efeitos colaterais estão prejudicando a economia. Parte dos recursos dos programas sociais está indo parar nas casas de apostas. 

Segundo nota do Banco Central (BC), os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix em agosto. Cerca de 5 milhões de beneficiários, de um total aproximado de 20 milhões, fizeram apostas por essa via de pagamento instantâneo. O gasto médio foi de R$ 100. Dos 5 milhões de apostadores, 70% são chefes de família e enviaram R$ 2 bilhões às bets (67% do total de R$ 3 bilhões). O relatório inclui tanto as apostas em eventos esportivos como jogos em cassinos virtuais.

De janeiro a julho deste ano, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas em plataformas eletrônicas, uma média de 3,5 milhões por mês. É uma epidemia altamente contagiosa e muito mais veloz do que o coronavírus, que levou 11 meses para alcançar o mesmo número de pessoas. Em cinco anos, o número de brasileiros que apostaram nas bets chegou a 52 milhões, sendo 48% novos jogadores que apostaram neste ano. O número de apostadores equivale à população da Colômbia.

Quem são esses apostadores? Cinquenta e três por cento são homens e 47%, mulheres. Quatro de cada 10 têm entre 18 e 29 anos, 41% de 30 a 49 anos e 19% têm 50 anos ou mais. Oito de cada 10 são das classes C, D ou E, e dois de cada 10 são classe A ou B. Sete de cada 10 apostadores costumam jogar pelo menos uma vez ao mês. Dos que já ganharam a aposta, 60% usaram ao menos parte do valor do prêmio para tentar uma nova jogada.

Segundo o presidente do Instituto Locomotiva, responsável pelo levantamento, os celulares à mão, o apelo publicitário das bets patrocinando times e campeonatos brasileiros e a dinâmica do jogo são os grandes atrativos dessas plataformas.  Entretanto, 86% das pessoas que apostam têm dívidas e 64% estão negativadas na Serasa.

Os mesmos apostadores acreditam que o jogo aumenta a ansiedade (51%), causa mudanças repentinas de humor (27%), gera estresse (26%) e sentimento de culpa (23%). Seis de cada dez admitem que a prática afeta o estado emocional e causa sentimentos negativos, como ansiedade (41%), estresse (17%)  e culpa (9%). Mais: 45% admitem que as apostas "causaram prejuízos financeiros", 37% usaram "dinheiro destinado a outras coisas importantes para apostar on-line" e 30% afirmaram ter "prejuízos nas relações pessoais". 

Tamanhos impactos demandam uma resposta eficaz do governo. A grande questão, porém, é como controlar essa epidemia sem erradicar as bets. Não existe ainda uma vacina para isso.

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