Alta na dívida reflete desdém pela crise fiscal
O Globo
Quanto mais tempo governo demorar para
enfrentar realidade, mais cara será a conta a pagar
O endividamento público nunca é indolor,
apesar do desprezo que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva tem manifestado pela crise fiscal. A conta um dia chega. Dívidas altas
resultam em custos mais elevados para pagá-las. Com a incerteza sobre a
solvência, o mercado exige que o governo pague juro maior para emprestar ao
governo. Em consequência, sobra menos dinheiro para investir em saúde,
educação, infraestrutura ou segurança — e o crescimento da economia é menor.
Protelar o ajuste só piora a situação. Quanto mais tempo o governo demorar para
enfrentar a realidade, maior será a crise adiante, pondo em risco políticas
públicas prioritárias.
Quando Lula assumiu, a dívida equivalia a 74,4% do PIB. O Tesouro Nacional estimava que fecharia este ano em 76,6%. Anteontem, porém, o próprio governo reconheceu piora nesse cenário. Agora prevê que ela chegará a 77,8%. Pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o endividamento brasileiro em 2024 será o quarto maior entre países emergentes. Mantida a toada atual, a dívida crescerá em todos os anos do atual mandato. Para o Tesouro, só parará de crescer em 2027. Nas contas do mercado, segundo as opiniões coletadas pelo Banco Central, apenas em 2032, quando bater em 89,7%. A perspectiva é Lula deixar como herança um aumento de 10 pontos percentuais em quatro anos.
A razão para isso é a incúria com que tem
tratado a crise fiscal aguda vivida pelo país. Quando aprovado no ano passado,
o arcabouço fiscal proposto pelo governo foi festejado como avanço. Passado um
ano, sua credibilidade está em xeque. O novo cálculo da meta fiscal parecia
rebuscado, mas os agentes financeiros resolveram dar um voto de confiança ao
governo. Parecia fazer sentido haver uma margem de manobra para lidar com
ciclos econômicos. Só não se sabia que, logo no primeiro ano, o piso inferior
da meta passaria a ser o objetivo.
Para piorar, não têm faltado iniciativas para
retirar da contabilidade da meta os gastos mais variados, sob qualquer
pretexto, com anuência do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal. Foi o caso
do Pé-de-Meia, programa voltado para alunos do ensino médio. Agora o governo
quer repetir a dose com a ampliação do auxílio-gás.
Também ficaram fora da meta fiscal os gastos emergenciais com as enchentes
do Rio Grande do
Sul e com os incêndios florestais. Por óbvio, varrer despesas
para debaixo do tapete não faz com que desapareçam. Dá mais trabalho estimar o
tamanho real da dívida, mas ela continua lá. E esse tipo de manobra corrói a
confiança no compromisso declarado de ajustar as contas públicas.
Se o endividamento alto é tão nocivo, por que
seduz tantos governos? Políticos fazem cálculos de curto prazo, de olho no
ciclo eleitoral. É a mesma lógica do empresário que não paga a conta de
energia, mas está contente com a alegria dos clientes enquanto a luz não é
cortada. Há também a ilusão de alavancar o crescimento com mais gastos, para
reduzir a dívida como proporção do PIB. Na prática, tal estratégia raramente
funciona. O exemplo brasileiro só demonstra que o ímpeto pelas despesas costuma
ser mais forte que o bom senso.
Comitiva de Lula na ONU expõe exagero em
viagens internacionais
O Globo
Presidente viajou com mais de cem pessoas. No
primeiro ano de governo, saídas do Brasil custaram 28% a mais
Para demonstrar que o Brasil voltava com
força à cena global depois do isolamento no governo Jair Bolsonaro, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva começou a viajar pelo mundo ainda antes da posse. Depois, como
presidente, adotou uma agenda internacional frenética. Nos primeiros oito meses
de governo, visitou 19 países nas Américas, Europa, Ásia e África. Em cada
viagem, Lula costuma seguir acompanhado de um séquito de ministros, diplomatas,
assessores, seguranças e todo tipo de agregado. As viagens internacionais da
administração pública federal, fundações e autarquias em 2023, primeiro ano do
mandato de Lula, chegaram a 22.494 e custaram R$ 296,6 milhões aos cofres
públicos. Na comparação com o último ano de Bolsonaro, tais números cresceram,
respectivamente, 38% e 28%.
A comitiva levada a Nova York para
a 79ª Assembleia Geral da ONU ilustra
o exagero em que se transformaram as viagens ao exterior neste governo. Entre
autoridades e assessores, incluindo a primeira-dama Janja Lula
da Silva, mais de cem pessoas foram aos Estados Unidos acompanhar o discurso de
Lula na abertura da assembleia. Não é preciso examinar com lupa a lista de
viajantes para identificar o desperdício de dinheiro público em momento de
grave crise fiscal.
Presente na comitiva, a ministra de Gestão e
Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck,
já aterrissara neste ano em Nova York. Sonia
Guajajara, ministra dos Povos Indígenas e outra integrante da
comitiva, visitou 12 países desde a posse. Esteve nos aeroportos de Amsterdã, Londres, Roma, Paris,
Dubai, Vancouver, Caracas e
Cartagena, entre outros. De Brasília para
Manaus, só viajou cinco vezes. Wellington
Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e
Combate à Fome, também acompanhou Lula a Nova York. Em 21 meses à frente da
pasta, foram 12 viagens ao exterior.
É perfeitamente possível que a maioria dos
ministros consiga apresentar boas justificativas para participar de eventos no
estrangeiro. Mas, nestes tempos de trabalho remoto e videoconferências,
deveriam refletir mais antes de sair do país. Nem toda viagem é planejada com a
devida antecedência. Compradas em cima da hora, as passagens são mais caras. As
diárias de assessores elevam os gastos às alturas. Eles podem não ser tão altos
levando em conta o tamanho do Orçamento, mas as autoridades precisam demonstrar
mais parcimônia e dar exemplo de austeridade. A maneira mais eficaz de melhorar
a imagem do Brasil e de alavancar projetos e investimentos externos é trabalhar
dentro das fronteiras do país para que mais resultados positivos apareçam e
atraiam o interesse internacional. O ímpeto de projetar o país no exterior e
estreitar relações com estrangeiros merece um freio de arrumação.
Escalada militar de Israel é aposta perigosa
para o mundo
Folha de S. Paulo
Ataque contra líder do Hezbollah coroa
guinada radical do Estado judeu após um ano da barbárie promovida pelo Hamas
Prestes a completar um ano, o ataque brutal
do grupo terrorista Hamas a Israel legou
ao mundo uma crise tão aguda quanto à vivida nos campos ucranianos desde que os
mísseis de Vladimir Putin caíram sobre o vizinho em 2022.
Em vez da prometida destruição do ente
palestino que governava a Faixa de Gaza como
um feudo e da libertação dos talvez 64 reféns ainda na mãos dos agressores, a
realidade traz o Estado judeu mirando o abismo de uma guerra ainda mais
imprevisível no Oriente Médio.
A subjugação do Hamas é quase total a esta
altura, mas é igualmente verdade que o grupo reteve capacidades destrutivas. O
prolongamento dos combates levou também à obliteração da infraestrutura de Gaza
e à morte de mais de 41 mil pessoas, entre terroristas e não terroristas.
O casus belli justo de Tel Aviv foi
sendo diluído pelo sangue de civis inocentes. A argumentação correta de que
eles serviam de escudos humanos não muda o fato de que foram mortos, e isso
minou o apoio inaudito auferido por Israel após o golpe de 7 de outubro de
2023.
Com a crescente pressão internacional, a liga
de inimigos de Israel e dos Estados
Unidos centrada no Irã aproveitou
para abrir novas cunhas na crise. De grupelhos xiitas no Iraque aos
surpreendentes houthis do Iêmen, todos os prepostos de uma fragilizada Teerã
foram acionados.
Os olhos, contudo, sempre estiveram virados
para o norte israelense, além da fronteira do Líbano.
Lá está o Hezbollah,
considerado o mais poderoso
agrupamento não estatal do mundo em termos militares.
Até há pouco, a escalada proposta pelos
libaneses era contida —fora, claro, no caso dos moradores do norte de Israel,
de onde 60 mil tiveram de fugir de suas casas neste ano. Seja como for, a
exemplo do Irã, o temor de uma guerra existencial afastou o Hezbollah de um
tira-teima do conflito de 2006 com Israel.
Há dez dias, contudo, o premiê Binyamin
Netanyahu fez um movimento radical, colocando a volta dos
refugiados como objetivo de guerra, ao lado das inconclusas missões contra o
Hamas e a libertação dos reféns.
O resultado foi um rápido incremento das
ações contra os fundamentalistas libaneses, que viram
pagers explodirem em seus bolsos e sofreram ataques contra
várias camadas de comando de sua ala militar, mais a degradação estimada de 50%
de seu arsenal de mísseis e foguetes.
Nesta sexta (27), houve megaoperação
contra o quartel-general do Hezbollah em Beirute.
O alvo presumido era Hassan Nasrallah, líder do grupo. O impacto de sua
eventual morte seria enorme, com evidente risco de as reações saírem de
controle.
Netanyahu fez uma aposta na guerra, ciente de
que isso mantém seu controle sobre o gabinete em que se destacam radicais de
direita. Mas o senso de triunfo pode ser logo revertido, caso os rivais
resolvam pagar a aposta.
Agravar penas não apaga incêndios
Folha de S. Paulo
Plano do Ministério da Justiça desconsidera
que certeza da punição, não duração, é mais eficaz para dissuadir criminosos
Um padrão nefasto e ilusório se repete no
Brasil sempre que o poder público fracassa na contenção de crimes com grande
repercussão: agravar as penas para o delito. Não seria diferente com as queimadas
que sufocam o país.
O Ministério da
Justiça enviou à Casa Civil proposta
de projeto de lei que aumenta
a punição para quem incendiar florestas. Hoje a pena é de dois a
quatro anos de prisão, e a pasta quer elevá-la para três a seis anos, podendo
chegar a 18, além de multas.
A lógica seria a da dissuasão. Imagina-se que
potenciais incendiários pensariam duas vezes antes de atear fogo, diante do
risco de passar mais tempo na cadeia. Qualquer rábula, contudo, cedo aprende
que a certeza da punição, ou da impunidade, pesa mais na decisão de cometer um
delito do que a extensão da pena.
É aí que o Estado brasileiro falha de modo
contumaz. Polícia, Ministério
Público e Justiça são ineficientes em investigação e
condenação, mais ainda quando o crime é ambiental. Executivo e Judiciário
também se mostram impotentes para impor e executar multas em prazo razoável.
São vários os exemplos de tal inépcia. Em
2019, no infame Dia do Fogo, 1.500 focos de chamas surgiram de modo
sincronizado no Pará, com epicentro no município de Novo Progresso. A Polícia
Federal investigou a hipótese de ação
coordenada entre sindicalistas, produtores rurais e grileiros —como
de resto antecipara um jornalista daquela cidade.
Não ocorreu nenhum indiciamento ou prisão.
Todos os processos foram arquivados. O Greenpeace localizou 662 multas
aplicadas às 478 propriedades que queimaram (embora nem todas relacionadas ao
Dia do Fogo), totalizando R$ 1,2 bilhão. Menos de R$ 50 milhões (4%) terminaram
recolhidos em cinco anos.
Suspeitas de conluio se repetiram em São
Paulo em 23 de agosto. Dos 659,8 mil hectares queimados no estado no mês
passado, metade (328,2 mil) pegou fogo nesse único dia. O prejuízo estimado
chega a R$ 2,8 bilhões.
Nesta semana, o Ibama impôs
multas de R$ 100 milhões ao proprietário de uma fazenda no Pantanal.
A queimada ali ardeu por 110 dias e engoliu 333 mil hectares (equivalente a
mais que o dobro do município de São Paulo).
A própria autarquia ambiental já reconheceu
que só consegue receber 5% das multas que aplica e tem dezenas de bilhões a
receber pendentes de recursos administrativos e judiciais.
Em lugar de lavrar autos milionários e agravar penas, o Estado precisa começar a impô-los de modo célere e inescapável.
Paternalismo não resolve o problema das
‘bets’
O Estado de S. Paulo
Lula e demais autoridades de Brasília acham
que podem dizer como os brasileiros devem gastar seu dinheiro. O efeito nefasto
das ‘bets’ só será mitigado com proibição total de publicidade
O presidente Lula da Silva exigiu
providências para impedir que beneficiários do Bolsa Família usem o dinheiro
para apostar nas chamadas “bets”, segundo informou o ministro do
Desenvolvimento Social, Wellington Dias, responsável pelo programa de transferência
de renda. A reação de Lula se deu depois da publicação de uma nota técnica do
Banco Central segundo a qual os beneficiários do Bolsa Família estão gastando
mensalmente bilhões de reais nesses sites de apostas.
Lula mandou dizer que o dinheiro do Bolsa
Família é para que as famílias comprem comida, e não para que apostem em
resultados de jogos de futebol, razão pela qual, numa reunião ministerial
marcada para a próxima quarta-feira, cobrará medidas para limitar o uso desses
recursos.
O problema é que não há nada no Bolsa Família
que impeça os beneficiários de gastar o dinheiro como bem entendem. Essa é,
aliás, a lógica do programa de transferência de renda: dar aos beneficiários
autonomia para decidir o que fazer com o recurso. Não se tem notícia, por
exemplo, que quem recebe Bolsa Família não pode gastar, por exemplo, em cachaça
ou em prostituição. Ou seja, se é para forçar os beneficiários do Bolsa Família
a gastar com alimentos, então que se cancele o programa de transferência de renda
e se crie outro, destinado a fornecer cestas básicas para a população carente.
O horror de Lula é só o mais recente exemplo
da confusão estabelecida em Brasília entre as autoridades de todos os Poderes
diante da súbita e absolutamente tardia constatação de que as “bets”, do modo
como estão hoje, são um gravíssimo problema para a saúde mental e econômica dos
brasileiros. E a solução proposta pelo petista e por quase todas as demais
autoridades, que em resumo é restringir os meios de pagamento das apostas,
mostra mais uma vez o viés paternalista e autoritário tão típico do poder público
no Brasil.
Segundo reportagem do Estadão, começam a
surgir no Congresso projetos para proibir transações pagas por meio de Pix e
limitar os valores de apostas por pessoas inscritas do Cadastro Único de
programas sociais do governo, idosos e pessoas com nome sujo ou dívida ativa.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad – que
decidiu antecipar para outubro ações que estavam previstas apenas para o início
de 2025, como a suspensão da atuação das “bets” que ainda não tenham pedido
autorização para funcionar no País –, declarou que “chegou a hora de colocar
ordem nisso e proteger a família brasileira”. Para tão nobre fim, Haddad
elencou uma série de medidas para restringir a forma como as apostas são pagas
pelos usuários.
Ora, quem quer apostar sempre dará um jeito
de arranjar o dinheiro, seja com cartão de crédito, Pix, dinheiro vivo ou
transferência bancária. Do mesmo modo, quem quer beber até cair também dará um
jeito de pagar pela bebida alcoólica. Ou seja, proibir que se use este ou
aquele meio de pagamento para apostar se presta apenas a aliviar as
consciências de autoridades que passaram anos a se omitir diante de um problema
que era obviamente sério desde a origem.
Este jornal sempre foi contrário à
legalização dessa jogatina online, especialmente porque se trata de uma
evidente forma de lavagem de dinheiro do crime organizado, mas também por causa
dos efeitos nefastos para os brasileiros, para os quais agora parece que todos
acordaram. Mas não será pela via da restrição dos meios de pagamento que os
danos da jogatina cessarão.
Parece óbvio que o único caminho a seguir
imediatamente é a proibição total da publicidade desses sites de apostas, assim
como foi feito com as bebidas alcoólicas e com o cigarro. Mas é necessário ir
além e fazer propaganda negativa, como se faz com o tabaco, mostrando de
maneira explícita para os usuários quais são os efeitos da adicção ao jogo. Se
o Executivo e o Congresso terão coragem de enfrentar uma máquina nociva que
hoje domina a publicidade na TV e nos times de futebol do Brasil, são outros
quinhentos. Mas é para isso que eles têm mandato.
Lula vende um Brasil que não pode entregar
O Estado de S. Paulo
Como se fosse um camelô, e não presidente da
República, Lula se reúne com agências de classificação de risco para tentar
lhes vender um Brasil que vale o grau de investimento
Numa iniciativa extravagante, o presidente
Lula da Silva se reuniu recentemente com representantes de agências de
classificação de risco em Nova York. O petista quis explicar para a S&P
Global Ratings, a Moody’s e a Fitch Ratings, em suas palavras, “o que está
acontecendo” no Brasil. Como se fosse um camelô, Lula tentou lhes vender um
Brasil que, segundo seus sonhos, merece voltar a ter o chamado grau de
investimento.
Lula parece inconformado e obcecado. Foi em
2008, em seu segundo mandato, que o Brasil entrou para o clube de elite dos
ratings. Alguns fundos só podem aplicar em ativos com o tal grau de
investimento, daí a importância de retomar uma nota mais elevada, perdida em
2015 por causa do espetacular malogro econômico de Dilma Rousseff, quando o
Brasil voltou ao grau especulativo.
De lá para cá, o cenário melhorou. As
agências emitiram avaliações mais positivas, em razão de reformas como a
trabalhista, a da Previdência e a tributária. Trata-se de feitos de todos os
últimos governos. Hoje, o País, com uma nota que não é baixa, está a dois
passos de recuperar o grau de investimento. Pela Moody’s, a perspectiva passou
de estável para positiva, enquanto a S&P e a Fitch mantiveram a perspectiva
estável.
Mas Lula quer mais. O presidente disse a
jornalistas que uma agência de classificação de risco “não precisa ouvir só a
Faria Lima”, em alusão ao mercado financeiro, e “não precisa ouvir só os
empresários”. Segundo ele, essas instituições têm de ouvir também “os
trabalhadores” e “o presidente da República”.
Mais uma vez, Lula tenta fazer crer que o
Brasil que ele governa é uma potência pujante e que só não é reconhecido sem
ressalvas como um “bom pagador” pelas agências de risco porque a gente do
mercado não “ouviu” as pessoas certas – a começar por ele próprio – e se deixou
levar pelos seus preconceitos. Ora, as agências de classificação de risco não
“ouvem” ninguém. Elas chegam às suas conclusões com base exclusivamente nos
números e nos cenários. E esses cenários, como até mesmo o Banco Central do
Brasil já alertou, não são confortáveis, diante da incapacidade do governo de
Lula de cortar gastos para reduzir o endividamento.
Mas Lula tem pressa. Quer que o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que participou das conversas com as agências,
satisfaça seu desejo de recuperar o grau de investimento até 2026, ano de
corrida para o Palácio do Planalto, quando, decerto, sonha exibir tal feito.
Não será fácil nem será numa reunião, como se
estivesse numa mesa de bar, que Lula vai seduzir as agências. Prova disso é
que, no dia seguinte, a Fitch divulgou uma nota na qual, embora reconheça que a
economia brasileira demonstrou força e surpreendeu, destacou a “posição fiscal
frouxa”. Para a agência, “os desafios fiscais persistem e vão se intensificar”.
Segundo a Fitch, o governo reage à frustração
de receitas com “medidas de improviso”, enquanto “a indexação vai manter a
pressão sobre os gastos sociais nos próximos anos, exigindo apertos adicionais
das despesas discricionárias”. Como há “vulnerabilidade”, o rating continua na
perspectiva estável, o que joga um balde de água fria nas ambições de Lula.
O governo acusou o golpe. Para a Fazenda, a
agência ignorou “dois elementos fundamentais”: a reoneração gradual da folha de
pagamentos com compensações e o fim do Programa Emergencial de Retomada do
Setor de Eventos (Perse) em 2025.
Em reunião com ministros e governadores, Lula
disse que o Brasil não gastará o que não tem, uma promessa pouco crível.
Aproveitou a ocasião para explicar a conversa com as agências, admitindo que
“não é habitual um presidente da República se reunir com empresas de rating”.
Tinha “curiosidade” de saber “o critério que elas adotam para avaliar o
Brasil”.
As agências reiteradas vezes apresentaram ao
País o “receituário” para a elevação do rating, que inclui responsabilidade
fiscal, crescimento econômico sustentável e estabilização da relação
dívida/PIB, entre outros. Por ora, os gastos só aumentam, o crescimento mais se
assemelha a um novo voo de galinha e a trajetória do endividamento embica para
cima, com estimativa de passar de 80% do PIB em 2026, segundo o próprio
Tesouro.
O mundo avesso às reformas
O Estado de S. Paulo
OCDE prevê mais crescimento mundial, mas
detecta perda de apetite por reformas
Em seu mais recente relatório de perspectiva,
a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elevou
sutilmente a projeção de crescimento da economia mundial em 2024 de 3,1% para
3,2%. Para o Brasil, que não é membro da entidade, as estimativas mudaram para
projeção de crescimento de 2,9% neste ano (antes era 1,9%) e 2,6% em 2025
(antes era de 2,1%). Como de costume, os números ganharam grande destaque,
embora a manutenção de crescimento sustentado dependa de um aspecto presente no
relatório e pouco abordado: o ritmo de reformas e medidas estruturais. E,
segundo a OCDE, há uma desaceleração global em reformas fundamentais para o
crescimento consistente.
Apesar de o cenário de curto prazo ser mais
benigno, as perspectivas de crescimento futuro são limitadas. Se tudo for bem,
a economia global deve crescer em 2025 os mesmos 3,2% previstos para 2024 e há
países, como o Brasil, cujas projeções de expansão econômica melhoraram, mas
que crescerão menos no ano que vem do que neste ano. Do lado dos riscos, que
são muitos, estão os conflitos geopolíticos persistentes e tensões comerciais,
somados ao esfriamento do mercado de trabalho em mercados como a China, que representam
uma séria ameaça à economia global.
Daí a necessidade de se guiar menos pela
previsão positiva de crescimento nos próximos dois anos e promover a aprovação
de reformas e a adoção de medidas que, ao fim e ao cabo, são o alicerce de uma
economia saudável. Todos os países, segundo a OCDE, devem buscar reformas
ambiciosas, de modo a fortalecer a base para o crescimento econômico
sustentado.
Um trecho do relatório deve ser visto com
especial atenção pelo Brasil. Nele a OCDE afirma que os países devem adotar as
medidas fiscais necessárias para garantir a sustentabilidade da dívida, de modo
que os governos preservem espaço para reagir em caso de choques futuros. A
organização também ressalta que “esforços mais robustos para conter gastos e
melhorar receitas, combinados com um conjunto de ajustes críveis de médio
prazo, são chave para garantir a estabilização dos níveis de endividamento”.
Quando trata do Brasil especificamente, a
OCDE mostra o copo meio cheio do crescimento econômico, mas recorda que o País
deve manter o bom desempenho observado no primeiro semestre de 2024 com a ajuda
de maior gasto fiscal, justamente aquele que precisa ser contido para que haja
capacidade de resposta em momentos de emergência. E há também o copo meio
vazio: a organização elevou suas projeções de inflação para o Brasil em 2024,
de 4% para 4,4%, e em 2025, de 3,3% para 4%. Com a inflação em alta, ao Banco
Central só resta elevar a Selic, com consequente aumento da dívida pública, na
contramão do que a OCDE, entre tantas outras entidades e economistas
respeitados, recomenda.
Por fim, a OCDE reconhece que desde 2018 o Brasil avançou em reformas que melhoram a competitividade, mas esses esforços ficaram restritos a poucas áreas da economia e precisam ser expandidos. No macro e no micro, o País tem uma extensa lição de casa para fazer se quiser seguir a trilha do crescimento sustentado.
Impactos de apostas on-line exigem rigor na
regulamentação
Correio Braziliense
O impacto do endividamento de apostadores
para pagar apostas on-line preocupa o governo. A grande questão é como
controlar essa epidemia sem erradicar as bets
As empresas de apostas on-line de quota fixa
— também chamadas de bets — que ainda não pediram autorização para funcionar no
país terão as operações suspensas a partir de terça-feira. Essa é uma das
medidas do pente-fino na regulamentação das apostas eletrônicas prometido pelo
governo. Foram feitos, até agora, 113 pedidos de outorga na primeira fase de
licenciamento. Caberá à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da
Fazenda conceder a permissão àquelas que cumprirem as exigências legais.
A razão das restrições é que a dependência
psicológica em relação às bets se tornou um problema social grave, financeiro e
de saúde pública. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, "toda e
qualquer forma de dependência tem que ser combatida pelo Estado". O
impacto do endividamento de apostadores com o cartão de crédito para pagar
apostas, publicidade milionária com artistas e influenciadores digitais e
patrocínio de bets preocupa o governo.
O alerta sobre a epidemia das bets ganhou
força após operações policiais envolvendo empresas que atuam no mercado de
apostas de forma criminosa. Havia uma expectativa de que os jogos de apostas
on-line seriam uma nova forma de financiamento dos gastos públicos ao aumentar
a arrecadação, mas seus efeitos colaterais estão prejudicando a economia. Parte
dos recursos dos programas sociais está indo parar nas casas de apostas.
Segundo nota do Banco Central (BC), os
beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix em agosto.
Cerca de 5 milhões de beneficiários, de um total aproximado de 20 milhões,
fizeram apostas por essa via de pagamento instantâneo. O gasto médio foi de R$
100. Dos 5 milhões de apostadores, 70% são chefes de família e enviaram R$ 2
bilhões às bets (67% do total de R$ 3 bilhões). O relatório inclui tanto as
apostas em eventos esportivos como jogos em cassinos virtuais.
De janeiro a julho deste ano, 25 milhões de
pessoas passaram a fazer apostas esportivas em plataformas eletrônicas, uma
média de 3,5 milhões por mês. É uma epidemia altamente contagiosa e muito mais
veloz do que o coronavírus, que levou 11 meses para alcançar o mesmo número de
pessoas. Em cinco anos, o número de brasileiros que apostaram nas bets chegou a
52 milhões, sendo 48% novos jogadores que apostaram neste ano. O número de
apostadores equivale à população da Colômbia.
Quem são esses apostadores? Cinquenta e três
por cento são homens e 47%, mulheres. Quatro de cada 10 têm entre 18 e 29 anos,
41% de 30 a 49 anos e 19% têm 50 anos ou mais. Oito de cada 10 são das classes
C, D ou E, e dois de cada 10 são classe A ou B. Sete de cada 10 apostadores
costumam jogar pelo menos uma vez ao mês. Dos que já ganharam a aposta, 60%
usaram ao menos parte do valor do prêmio para tentar uma nova jogada.
Segundo o presidente do Instituto Locomotiva,
responsável pelo levantamento, os celulares à mão, o apelo publicitário das
bets patrocinando times e campeonatos brasileiros e a dinâmica do jogo são os
grandes atrativos dessas plataformas. Entretanto, 86% das pessoas que
apostam têm dívidas e 64% estão negativadas na Serasa.
Os mesmos apostadores acreditam que o jogo
aumenta a ansiedade (51%), causa mudanças repentinas de humor (27%), gera
estresse (26%) e sentimento de culpa (23%). Seis de cada dez admitem que a
prática afeta o estado emocional e causa sentimentos negativos, como ansiedade
(41%), estresse (17%) e culpa (9%). Mais: 45% admitem que as apostas
"causaram prejuízos financeiros", 37% usaram "dinheiro destinado
a outras coisas importantes para apostar on-line" e 30% afirmaram ter
"prejuízos nas relações pessoais".
Tamanhos impactos demandam uma resposta eficaz do governo. A grande questão, porém, é como controlar essa epidemia sem erradicar as bets. Não existe ainda uma vacina para isso.
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