O Estado de S. Paulo
Ah, sim, foi mais duro do que habitualmente o
tom do comunicado do Banco Central (BC) nesta quarta-feira, logo depois da
decisão de aumentar os juros básicos (Selic) em 0,25 ponto porcentual, pontuam
os analistas do mercado financeiro.
Uma das características da comunicação entre
os humanos é a de que o tom é quase sempre mais importante do que o conteúdo
literal da mensagem.
Vejam o que acontece com tantas canções de
ninar, especialmente as mais antigas. Falam de coisas terríveis: do lobo mau
que escancara seus dentes, do boi da cara preta, da cuca que vem pegar, da
bruxa que come pequeninos... e, no entanto, a criança dorme placidamente. Dorme
porque o tom sereno da canção é mais importante do que as brutalidades
relatadas.
No comunicado do Copom, o tom foi em sentido oposto. Não foi tranquilizador, foi mais de advertência contra perigos, que chama de riscos. Ou seja, o tom que justifica a volta de um maior aperto monetário é, no linguajar do mercado financeiro, uma atuação mais de falcão (hawkish) do que de pombo (dovish).
O presidente Lula, os políticos e os
dirigentes sindicais e do empresariado não conseguem ver o todo. Falam que
juros altos produzem desemprego e bloqueio do crescimento econômico. Não ligam
um pauzinho com o outro e não conseguem enxergar – ou ignoram – que os tais
“juros reais mais altos do mundo” que prevaleceram até aqui e continuarão
prevalecendo coexistem com um crescimento econômico que, pelos cálculos do
presidente Lula, será de 3,5% neste ano, e com uma queda do desemprego de 6,8%,
o mais baixo desde 2012.
Não conseguem enxergar que esse crescimento e
essa queda do desemprego se devem a fatores artificiais, especialmente ao
despejo de despesas sem o lastro das receitas do Tesouro. É o que o Banco
Central chama de “hiato positivo”.
O Bolsa Família, o socorro aos flagelados, as
desonerações e isenções tributárias, o reajuste das aposentadorias e a
distribuição de renda são decisões acertadas e carregadas de mérito, desde que
feitas com verbas orçamentárias próprias e não com aumento da dívida, com
tantas despesas mal feitas e com essa deterioração das contas públicas.
Se é para ter inflação de 3% em 12 meses,
como determinado pelo governo Lula, não dá para manter as condições que estão
aí. Sobra para o BC a tarefa inglória de fazer o que vem fazendo e falar do
lobo mau.
Não se pode confundir efeito com causa. Os
juros altos não são o problema, são tentativa de solução. O problema de fundo é
essa política fiscal que cria incertezas e afugenta o investimento. E é ela que
tem de ser atacada, e não o Copom.
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