Valor Econômico
Já próximos do dia de votação, mesmo na
nebulosidade da campanha, o eleitor começa a compreender qual é o jogo, quanto
há de falso e de verdadeiro nas candidaturas
Não está claro em que momento do processo
eleitoral o eleitor começa a tomar consciência de que já começou e começa a se
interessar por seu lugar e seu protagonismo nele. Refiro-me à subjetividade
política do cidadão.
Esse é um momento cíclico e rotineiro da
manifestação da vontade política dos cidadãos. A decisão do voto é a da sua
invenção na tomada de consciência das armadilhas que procuram tolher-lhe o
direito de livre opção eleitoral.
Aqui esse momento é demorado e não é rotineiro. Os partidos e os eleitores com ele se defrontam e nele se integram como um movimento anômalo e convulsivo da política.
Não raro pressupõem que as possíveis mudanças decorrentes de uma eleição devem ser temidas. A insurreição golpista de 8 de janeiro de 2023 expressou essa concepção anômala da política de maneira dramática, muitas pessoas levadas ao desespero na manifestação apocalíptica do seu inconformismo.
A incerteza tem enredo e protagonistas, mesmo
em eleições municipais como a de agora. Dois agrupamentos de circunstância
disputam os votos.
De um lado, o “partido” dos grupos e
agremiações que tomam o pleito por decidido antes que o eleitor chegue a
conclusões próprias sobre o que pode estar em jogo no processo eleitoral. De
outro lado o dos que conseguem compreender a peculiar diversidade de
possibilidades ao longo do processo eleitoral e a examinam elaborando seu
discernimento político.
Para esse eleitor a consciência política é
dinâmica. Expressa o entendimento de que a eleição só termina com o fechamento
das urnas e a proclamação dos resultados. A escolha do eleitor não é apenas
entre candidatos e partidos. É escolha entre as revelações do jogo político e
suas artimanhas.
Aqui, o eleitor consciente sabe que querem
enganá-lo ao não lhe dizerem tanto o que a campanha eleitoral revela quanto,
principalmente, o que esconde. A descrença na política e nos partidos deve
muito à equivocada concepção de que a eleição é uma fraude e de que o político
é um mentiroso.
Esse eleitor, porém, consegue definir o que
está em jogo sem enunciar suas próprias referências em face das alternativas
que melhor expressem o que de fato está em jogo na disputa. Seu candidato, em
última instância, será o que, nas horas finais da campanha, resultará não de
sua escolha, mas de sua invenção. É muito difícil, apurados os votos, saber em
que, e não apenas em quem, os eleitores votaram.
Este é o momento em que o tempo da verdade do
voto começa a se definir. Não um nome necessariamente. Já próximos do dia de
votação, mesmo na nebulosidade da campanha eleitoral, o eleitor já começa a
compreender qual é o jogo, o quanto há de falso e o quanto há de verdadeiro nas
candidaturas em disputa. O resultado da eleição não será o de nomes, mas o de
revelações políticas.
Nas grandes cidades, sua diversificação
social e política, a intensidade e amplitude dos problemas sociais, a
fragilidade de vários dos candidatos na compreensão dos dramas decorrentes da
urbanização patológica, clara em cidades como São Paulo, a distância entre os
poderes públicos e as complexas necessidades sociais da população, criam uma
peculiar consciência urbana, que é a das insuficiências. Hoje, a cidade de São
Paulo está muito aquém do que poderia ser e do que precisa ser para torná-la a
metrópole que se pretende.
A disputa eleitoral pela prefeitura e pelo
poder de governá-la envolve uma personagem política oculta na trama confusa da
manipulação, tão própria do que é a eleição. Envolve o morador, o protagonista
decisivo da sociedade urbana e da cidade.
Henri Lefebvre foi motorista de táxi, em
Paris, para compreender sociologicamente as categorias de pensamento que o
morador desenvolve e mobiliza para nela viver. Ele é sobretudo seu usuário,
personagem das tensões entre o de que carece nessa condição e as insuficiências
do que pode dispor para seu uso social.
Por esse meio, Lefebvre descobriu as três
categorias de consciência social relativas à espacialidade urbana: o vivido, o
percebido e o concebido. Em muitos municípios brasileiros, nesta eleição, esses
níveis de compreensão estão de algum modo presentes, em diferentes
intensidades.
No caso de São Paulo, a maioria dos eleitores
e dos partidos mostra que se movem apenas do terreno do percebido. Não
conseguem reconhecer as contradições do vivido. E não se interessam pelas
revelações possibilitadas pelo percebido e pelo vivido. Isto é, pela dimensão
propriamente política da política.
O eleitor consciente, como indicam as
pesquisas de opinião eleitoral, está à beira do abismo de se tornar minoria na
cultura da decadência política. Ele será nesta eleição o eleitor insurgente das
revelações do vivido.
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