Incêndios florestais expõem Brasil a retaliação global
O Globo
Origem criminosa do fogo deverá ser explorada
pela UE e por outros países para barrar importações brasileiras
Além da devastação ambiental, os incêndios florestais que castigam o Brasil criarão graves problemas econômicos, em particular no comércio internacional. A ameaça mais urgente vem da entrada em vigor na União Europeia, em 1º de janeiro de 2025, da regra que proíbe importações de produtos de áreas desmatadas ilegalmente. Se as queimadas forem vinculadas ao desmatamento ilegal — e, dada a proliferação de incêndios criminosos, não será difícil fazer a conexão —, o país poderá perder US$ 15 bilhões em receitas, o equivalente a mais de um terço das exportações para o bloco europeu. Entre as mercadorias mais atingidas estão café, carne, cacau, soja e os próprios produtos florestais, como madeira ou móveis.
A norma da UE pode ser considerada um
mecanismo protecionista, criado sob medida para agradar a pequenos e médios
agricultores do continente que não conseguem competir com as exportações
brasileiras. Mas ela também coincide com o interesse do Brasil. O país precisa
reprimir o desmatamento ilegal. Se isso evitar dificuldades nas exportações de
produtos primários, tanto melhor.
O secretário de Comércio e Relações
Internacionais do Ministério da
Agricultura, Roberto Perosa, afirma que o governo concorda com a
nova diretriz da UE, mas reivindica mais tempo para os países exportadores se
estruturarem para cumpri-la. Nessa negociação, além dos contatos bilaterais, o
Brasil tem chamado para as conversas outros exportadores de produtos agrícolas,
como Colômbia, Equador, Malásia, Indonésia e Congo.
O principal argumento para expandir a
discussão é alegar que os incêndios não ocorrem apenas no Brasil, pois os
eventos climáticos extremos que resultam do aquecimento global atingem todo o
mundo. Na Europa, Portugal está em chamas. As temporadas de incêndios que
costumam ocorrer no meio do ano em vários países do Hemisfério Norte,
como Estados
Unidos e Canadá, têm sido
especialmente preocupantes. Mas seria ingênuo acreditar que essa realidade
ajudará a diminuir as pressões contra o desmatamento. De acordo com Welber
Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e consultor internacional, outros
parceiros comerciais do Brasil deverão adotar a mesma atitude do bloco europeu.
Ele cita Estados Unidos e Reino Unido.
A posição brasileira é vulnerável porque a
maioria esmagadora das queimadas tem origem criminosa. Os incêndios têm exposto
a leniência dos governos federal e estaduais, que, em meio a uma seca atroz,
não fiscalizam nem forçam a mudança de costumes, principalmente de pequenos
produtores ainda habituados a limpar o terreno com fogo para o plantio. O
enfrentamento dessa situação está há muito tempo na agenda do Brasil.
Para atender à norma da UE e se precaver
contra novas retaliações comerciais devido ao descaso com o meio ambiente, o
país precisa ter um sistema eficiente para rastrear produtos importantes da
pauta de exportações, certificá-los de modo confiável e garantir sua origem.
Não é mais aceitável que florestas sejam derrubadas por grileiros sem que haja
vigilância ou punição, a madeira seja exportada e o terreno transformado em
pasto. Para colocar ordem no acesso à terra já existem leis como o Código
Florestal. Basta aplicá-las. Trata-se de assunto estratégico.
Reforma no Judiciário enfraquece a democracia
no México
O Globo
Com eleição direta para juízes em todos os
níveis, as decisões da Justiça passarão a ser reféns da política
Faltando menos de um mês para sair da
Presidência do México,
o populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador,
mais conhecido como AMLO, promoveu uma reforma radical no Judiciário. O
Parlamento, dominado por seu partido, o Morena, aprovou uma emenda
constitucional no último domingo mudando o sistema de escolha de juízes em todo
o país. Dos ministros da Suprema Corte aos responsáveis por tribunais locais,
cerca de 7 mil cargos serão doravante escolhidos pelo voto popular.
À primeira vista, a reviravolta poderia ser
interpretada como democratização das Cortes. Nos Estados Unidos, há eleições de
diferentes formatos para tribunais locais. A prática também é adotada em certos
cantões da Suíça,
e no Japão há
referendos para nomes indicados à Suprema Corte. Mas, com exceção da Bolívia, em
nenhuma democracia digna do nome juízes federais ou dos tribunais superiores
são eleitos.
O caso boliviano ilustra os riscos para o
México. Como decisões judiciais afetam a vida de candidatos e partidos,
figurões da política passaram a prestar atenção especial às eleições para o
Judiciário. A independência dos tribunais ficou comprometida, e são raras as
iniciativas da Justiça contrariando interesses dos partidos no poder. Em
contraste, parlamentares que confrontam o governo sabem que têm pouca chance de
concluir o mandato. Nas democracias funcionais, a contaminação dos tribunais
pela política é uma realidade indesejada. Na Bolívia, é regra. O voto popular
enfraqueceu o sistema de freios e contrapesos.
Com a tentativa de manietar o Judiciário,
AMLO segue o roteiro de populistas como o venezuelano Hugo Chávez ou o
húngaro Viktor Orbán —
que subjugaram as Cortes superiores de seus países aos desígnios do Executivo e
consolidaram regimes autocráticos. A motivação dele foram decisões da Suprema
Corte contrárias a seus interesses. Uma delas bloqueou a tentativa de
enfraquecer a instituição responsável pela organização de eleições. “O
Judiciário está podre”, disse na época. Com a votação histórica do Morena nas
eleições de junho, AMLO viu a chance de obter a maioria de que precisava para
mudar a Constituição. A presidente eleita, Claudia
Sheinbaum, pupila dele, será empossada em outubro e nada fez para
demovê-lo.
As principais críticas vieram do setor
privado. Câmaras de comércio expressaram preocupação e previram, com a
deterioração institucional, queda na entrada de investimento externo. O peso
mexicano perdeu valor de mercado. No final de agosto, o embaixador americano na
Cidade do México, Ken Salazar, avisou que a emenda constitucional ameaçaria a
relação comercial com os Estados Unidos. Salazar também lembrou que a mudança
induziria cartéis de drogas a tirar proveito “de juízes politicamente motivados
e inexperientes”. Com casos de corrupção e ineficiência, o sistema judicial
mexicano está longe de ser perfeito. De agora em diante, certamente ficará
muito pior.
Milei mantém austeridade, mas crescimento é
desafio
Valor Econômico
Se a economia não se recuperar, a perda de
apoio popular lhe será fatal e há um encontro marcado para saber o apoio a seu
governo: as eleições legislativas de 2025
O presidente da Argentina, Javier Milei,
apresentou o orçamento de 2025 na segunda-feira prometendo mais do mesmo:
dureza fiscal com um superávit primário de 1,3% do PIB. Com a melhora inegável
do resultado fiscal neste ano, o primeiro em um ano em duas décadas e mais
progressos em 2025, Milei consegue uma façanha pela qual conta com apoio de boa
parte do empresariado. Mas o restante do orçamento foi visto por economistas de
fora do governo como pouco crível e sem resposta a um problema fundamental - como
escapar dos controles cambiais, uma das promessas de sua campanha.
Os pressupostos da peça orçamentária são
otimistas, se não fora da realidade. A inflação de 2024 terminará o ano em
104%, o que obriga o índice de preços a não subir mais que 1,2% em média nos
quatro meses finais do ano. Desde maio, ela se situa um pouco acima dos 4%, com
resistência a descer abaixo desse nível. Ainda assim, é um feito. Quando
assumiu, em dezembro, o Índice de Preços ao Consumidor mensal marcou 25,8%.
Em setembro, o governo reduziu o imposto de
importação de 17,5% para 7,5%, o que terá influência baixista na inflação nos
próximos meses. Mas, em oposição a esse movimento, foram reajustados os preços
administrados. Gás e eletricidade subiram 4%, combustíveis, 3% e transporte
público, 37,5%. O dólar está se valorizando sob controle a 2% ao mês, o que
ajuda a derrubar os preços, mas amplia perigosamente a brecha entre o dólar
blue (paralelo) e a cotação oficial. Ontem, a distância entre as duas cotações era
de 23%. O orçamento de 2025 projeta inflação de 18,3%, praticamente a metade do
que os analistas privados estimam, 38%. O Fundo Monetário Internacional indicou
que o IPC deve encerrar 2025 em 45%.
O governo argentino prevê que a recessão está
acabando e, depois de a economia encolher 3,8% no atual exercício, irá se
expandir 5% no próximo. No entanto, pode faltar fôlego para isso. Milei aposta
que o fim do financiamento da dívida pelo Banco Central, com controle rígido da
emissão de moeda, pode por si só aniquilar a inflação, o que é possível, e que
isso relançará o crescimento, o que é duvidoso. O orçamento mantém a penúria de
investimentos estatais e, em reunião com os governadores - exceto peronistas -,
Milei pediu a eles economia de US$ 60 bilhões nos gastos públicos. O pedido foi
recebido com incredulidade, e a equipe econômica depois não quis cravar
números.
O estilo de Milei continua o mesmo, de
críticas pesadas à “casta”, especialmente aos políticos peronistas. Em um
espírito oposto ao que se esperaria de um presidente que vai ao Congresso
anunciar o orçamento e pedir sua aprovação, Milei declarou aos deputados: “Os
cidadãos vão decidir se colocam vocês na avenida dos virtuosos ou no canto dos
miseráveis ratos que apostam contra o país”.
Sem maioria no Congresso, o presidente faz
discursos não para os políticos, mas para audiências amplas, nas quais ainda
dispõe de popularidade maior do que fariam supor as dificuldades econômicas por
que passam os argentinos. Minoritário no Congresso, faz pressão política sobre
os parlamentares de fora para dentro e mantém seu estilo belicoso.
O problema principal da Argentina é a falta
de dólares. Empresas e cidadãos não confiam no peso e estima-se que mantenham
US$ 258 bilhões no exterior, ou entesourados no país. Para cumprir com
pagamento de importações, serviços e outras obrigações, as reservas líquidas do
Banco Central continuam negativas, apesar do aporte de US$ 41,4 bilhões (a
maior parte durante o governo de Mauricio Macri). Economistas preveem que se
chegará ao fim do ano com US$ 9 bilhões negativos. Sem recursos, o governo tem
poucos meios de obter mais reservas, condição essencial para unificar e liberar
o câmbio e normalizar a economia.
Para obter divisas, recorreu a outros
expedientes, como dar incentivos fiscais à repatriação de recursos, que se
encerra em dezembro e tem trazido algum alento. Nos oito primeiros meses do
ano, houve depósitos líquidos de US$ 5 bilhões, com baixa multa de
regularização (5%) ou nenhuma penalidade, se o dinheiro for aplicado em bônus
do governo ou privados, ações de empresas locais e fundos imobiliários. Ainda
assim, é uma gota d’água em um oceano de necessidade de dólares. Os
investimentos externos não decolarão enquanto a Argentina não arrumar a casa.
Isso implica eliminar o cipoal do câmbio evitando nova megadesvalorização, que
poria a perder muito do que foi feito para debelar a inflação, reforçaria a
desconfiança no plano e realimentaria a fuga de dólares.
Milei enfrenta forte oposição política, mas
tem impedido derrotas desfigurantes de seus planos por meio dos vetos
presidenciais. Ele conseguiu formar bloco de um terço de deputados para impedir
a derrubada de seu veto no aumento das aposentadorias. Milei, um radical,
consegue avançar em seus planos a uma velocidade muito menor do que gostaria.
Ele tem alguns trunfos na economia e no manejo político-parlamentar. A
impressão de que faria um governo fugaz e caótico está ficando para trás. Se a
economia não se recuperar - e ela começa a fazê-lo com timidez -, a perda de
apoio popular lhe será fatal. Ele tem encontro marcado para saber o apoio a seu
governo: as eleições legislativas de 2025.
Com BC autônomo, custo do controle da
inflação é menor
Folha de S. Paulo
Elevar juros é medida amarga, mas necessária
com a expansão dos gastos do governo; bravatas de Lula criaram insegurança
Com a decisão
de elevar seus juros para 10,75% ao ano, o Banco Central deu
prosseguimento à guinada da política monetária que teve início há quatro meses.
Não se sabe ainda quais serão seus próximos passos nesse processo, sem dúvida
doloroso para a economia, mas ao menos a instituição se fortaleceu no período.
Temeu-se pelo pior em maio, quando houve
um racha perigoso no Comitê de Política Monetária —os quatro
diretores indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
se opuseram à decisão majoritária de reduzir o ritmo de cortes da taxa Selic devido
ao risco de alta da inflação.
Vislumbrou-se, ali, o temor de que um Copom de
maioria indicada pela administração petista —como será o caso a partir de 2025—
viesse a ser mais subserviente às conveniências políticas imediatistas e às
convicções econômicas arcaicas de Lula.
De lá para cá, todo o colegiado tratou de dar
mostras de compromisso cristalino com a meta de 3% ao ano fixada para o IPCA. A
decisão de quarta-feira (18) parece um cala-boca direcionado aos que apostaram
num BC "político" e leniente com a inflação.
O ciclo de queda da Selic foi sustado e,
agora, começa um novo ciclo de alta, de duração e intensidade ainda difíceis de
projetar a partir das indicações oficiais. O cenário atual, infelizmente,
justifica a providência amarga.
A atividade econômica está em crescimento
acima do esperado com impulso da expansão desmesurada dos gastos do governo
Lula, o que não é sustentável. Prova disso é que as projeções para a inflação
até 2026 estão acima da meta.
A única boa notícia para o BC foi a decisão
de seu congênere americano, o Fed, de reduzir
seus juros em 0,5 ponto percentual, para o intervalo entre 4,75% e 5%. Com
isso, cai a atratividade das aplicações em dólar, cujas cotações perdem impulso
de alta.
O contraste
entre as medidas tomadas no mesmo dia nos Estados Unidos e aqui,
ambas com sólido amparo técnico, evidencia o enorme avanço institucional
propiciado pela autonomia da autoridade monetária brasileira —cuja medida
corajosa deixa para trás as pressões e diatribes do presidente da República.
Lula insistiu tolamente em ataques
bravateiros aos juros e à autonomia, como se fosse capaz de baixar as taxas à
base de voluntarismo. Tudo o que conseguiu foi semear desconfiança, alimentar a
escalada do dólar e dificultar o combate à inflação.
Viu-se forçado a recuar, sob pena de criar
uma crise econômica antes de chegar à metade de seu terceiro mandato. Com a
transição de comando no BC bem encaminhada, prevaleceu o entendimento de que
uma gestão imune a ingerências políticas é capaz de zelar pela estabilidade da
moeda a um custo mais baixo.
Resta ao governo entender que sua melhor
contribuição para a queda dos juros é indicar, com atos concretos, seu
compromisso com o ajuste do Orçamento.
O fogo e o risco de savanização amazônica
Folha de S. Paulo
Estiagem intensa e mais incêndios em
florestas elevam perigo de devastação irreversível; urge ação integrada de
governos
Para além da catástrofe conjuntural, os
megaincêndios —quando o terreno queimado ultrapassa 10 mil hectares— em
florestas na amazônia elevam
o risco de uma devastação irreversível do bioma.
Uma área de 67 mil hectares na Terra Indígena
Kayapó, no Pará, está em chamas desde 8 de agosto, de acordo com monitoração
por satélite da Nasa.
Esse tipo de destruição avassaladora foi verificado pela primeira vez na região
em 1998, ano de ação do El Niño, que diminui o volume de chuvas.
Em 2023, tal fenômeno meteorológico aliado
à mudança
climática, que eleva temperaturas em todo o mundo, também causou
forte estiagem no bioma, e sabia-se que ele se estenderia por 2024.
Segundo especialistas, a estação seca nos
mais de 2 milhões de km² do sul da amazônia ficou de quatro a cinco semanas
mais longa e cerca de 20% mais intensa nos últimos 40 anos. Sem a proteção de
sua umidade natural, florestas ficam mais inflamáveis.
Daí a mudança no perfil das queimadas, que têm
atingido mais florestas primárias —que ainda não sofreram
mudanças por atividade humana. Isso contribui para o processo de degradação da
mata, que perde as árvores mais altas, criando clareiras que enfraquecem o
ecossistema com vento, luz do sol e calor.
De acordo com o MapBiomas, entre janeiro e
agosto de 2024, mais de 1,7 milhão de hectares de floresta queimaram na
amazônia. No mesmo período do ano passado, o número foi bem menor, cerca de 482
mil hectares.
Estiagem, incêndios florestais e degradação
podem fazer com que a amazônia não consiga mais produzir o volume de chuvas
necessário para manter sua sobrevivência, o que
levaria ao temido ponto de não retorno —quando a o processo de
savanização do bioma torna-se irreversível.
Estima-se que tal cenário tenha início se e
quando 25% da floresta amazônica estiver destruída. Apesar de não haver
consenso científico sobre essa porcentagem, projeta-se que até 2050 esse ponto
será ultrapassado.
O governo federal precisa implantar políticas
nacionais contínuas para prevenção do fogo, adaptação à mudança climática,
regularização fundiária e descarbonização da agropecuária.
Já as gestões estaduais não podem depender só
do Planalto, dado que são responsáveis por autorizar queimadas e têm efetivo
mais numeroso de bombeiros e brigadistas para combate ao fogo.
Devem-se integrar ações em ambas as esferas, para que a maior floresta tropical do planeta não rume com celeridade a uma tragédia previsível.
Banco Central faz o necessário
O Estado de S. Paulo
Expansionismo fiscal do governo Lula
dificulta a tarefa do BC, e essa divergência entre as políticas monetária e
fiscal exige juros cada vez mais altos para trazer a inflação à meta
Como esperado, o Banco Central (BC) decidiu
elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto porcentual (p.p.), para 10,75% ao
ano. A decisão foi unânime, e o tom do comunicado foi tão duro que parte do
mercado financeiro viu no texto fatores suficientes para um aumento maior que o
anunciado.
Foi a primeira vez que os juros subiram desde
o início do governo Lula da Silva. A última elevação havia ocorrido em agosto
de 2022, em plena campanha eleitoral, quando a Selic chegou a 13,75% ao ano.
De fato, o Comitê de Política Monetária
(Copom) não tinha alternativa para conter a piora das expectativas. A atividade
econômica segue resiliente, o mercado de trabalho permanece aquecido, as
projeções de inflação continuam a aumentar e o câmbio está longe do patamar
registrado no início do ano.
Mas, desta vez, o Banco Central reavaliou o
hiato do produto para o campo positivo – ou seja, reconheceu que a economia
está crescendo acima de sua capacidade. Além disso, o BC admitiu que o balanço
de riscos está assimétrico, ou seja, que há mais chances de que a inflação suba
do que caia.
No cenário de referência, as projeções para a
inflação continuaram a aumentar – de 4,2% para 4,3% em 2024, de 3,6% para 3,7%
em 2025 e de 3,4% para 3,5% em 2026. Em todos os casos, as previsões estão
acima da meta de 3%, com a qual o BC sustenta ter firme compromisso. Cumpri-la,
portanto, requer uma atividade econômica menos aquecida e, portanto, juros mais
elevados.
Trata-se de um cenário aventado por muitos
economistas logo após a divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo
trimestre, que surpreendeu todos ao aumentar 1,4% ante o primeiro trimestre e
3,3% na comparação com o segundo trimestre de 2023.
Mas tudo muda de figura quando a autoridade
monetária compartilha dessa mesma percepção. E o fato de que isso já constou do
comunicado publicado logo após a reunião, e não somente na ata que é divulgada
somente na semana seguinte, é sinal de que há convergência entre todos os
diretores – e não apenas alguns ou vários deles.
A decisão do Copom já chamaria mais atenção
do que o costume pelo aumento da Selic depois de tanto tempo, mas o fato de que
o Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, reduziu os juros pela
primeira vez desde 2020 – e em 0,50 ponto porcentual, para o patamar entre
4,75% e 5%, mais que o 0,25 p.p. esperado pela maioria – gerou injustificada
polêmica no mundo político, sobretudo após a pequena e pontual deflação
registrada em agosto.
São situações incomparáveis. Afinal, os
Estados Unidos passam por um momento muito diferente do vivenciado pela
economia brasileira. Ao contrário do que ocorre no Brasil, por lá, a inflação
está cada vez mais próxima da meta de 2%, a criação de postos de trabalho veio
abaixo do esperado e o cenário indica um enfraquecimento da atividade
econômica.
O Fed não deu sinalizações mais claras sobre
o que fará a partir de agora, mas há uma perspectiva de que o diferencial entre
as taxas de juros nos EUA e no Brasil possa atrair investidores estrangeiros e
ajudar a valorizar o real ante o dólar, contribuindo para arrefecer
parcialmente a inflação. Ninguém acredita, no entanto, no retorno do câmbio a
níveis inferiores a R$ 5, como se via no início deste ano.
O Banco Central tampouco se comprometeu com
sinalizações mais firmes sobre seus próximos passos, mas já há quem aposte que
a Selic pode subir até 12% em janeiro – até então, a maioria dos analistas
esperava 11,5%. Os ajustes nas expectativas supõem que o Copom deva acelerar o
ritmo de alta dos juros de 0,25 para 0,50 ponto porcentual nas reuniões de
novembro e dezembro.
Não há razões para culpar a autoridade
monetária. A atitude expansionista do governo Lula da Silva dificulta a tarefa
do Banco Central, e essa divergência entre as políticas monetária e fiscal
exige juros cada vez mais altos para trazer a inflação de volta ao centro da
meta. É o preço da retomada de manobras e da emissão de créditos
extraordinários para não contabilizar gastos no cálculo do resultado primário e
de perseguir o limite inferior da meta fiscal.
A aposta de Lula na ‘doutrina Amorim’
O Estado de S. Paulo
O Brasil não precisaria escolher nenhum lado
nas disputas geopolíticas e econômicas da China e da Rússia com o Ocidente. Mas
Lula escolheu, e o País só tem perdido com essa aposta
Na quarta-feira, o presidente Lula da Silva
conversou por telefone com o presidente russo, Vladimir Putin. Na pauta, a
guerra na Ucrânia e a cúpula do Brics, que acontecerá na Rússia em outubro. A
atitude do brasileiro no bate-papo encapsulou a doutrina de Celso Amorim, o
chanceler de facto que dita os rumos de sua política externa.
Lula discutiu a proposta do Brasil e da China
para o fim da guerra. Trocando em miúdos, o Brasil propõe congelar as linhas
territoriais atuais, entregando à Rússia 20% do território ucraniano sem nem
sequer sugerir garantias concretas de segurança que não a boa-fé de Putin.
Basicamente, o mesmo que se fez em 2014 com a Crimeia, à época com o endosso do
Ocidente. Não há nenhum motivo para esperar que desta vez os desdobramentos
seriam diferentes, e a proposta até soaria ingênua se Lula não soubesse disso.
Em tese, o Brasil reprova a agressão da
Rússia. Na prática, é contrário aos meios que o agredido tem para se defender:
as armas e as sanções de seus aliados ocidentais. Com mais de dois anos de
conflito, longe de buscar alternativas às importações de fertilizantes e do
diesel russos, Lula estimula sua expansão, ajudando a financiar o imperialismo
de Putin. Sua proposta para o “fim” da guerra – a capitulação da Ucrânia –
levaria em breve ao seu recomeço não só na Ucrânia, mas em outros países na
mira do Kremlin, e afronta princípios da política externa nacional consagrados
na Constituição: a autodeterminação dos povos e a prevalência dos direitos
humanos e do direito internacional.
Não se tem detalhes das tratativas sobre a
pauta dos Brics. Mas o governo tem sido conivente, para não dizer cúmplice, com
a estratégia chinesa e russa de metamorfosear o que deveria ser um fórum
econômico de grandes países emergentes em um clube autocrático antiocidental.
Eis o núcleo duro da doutrina Amorim: um antiocidentalismo sob o qual não só a
democracia, como já disse Lula, é “relativa”, mas relativos são até os ideais
da esquerda. Os regimes de Putin e da teocracia do Irã – que o governo recebeu
de braços abertos no Brics – são ultrarreacionários.
Se na era da globalização já era difícil para
uma potência regional média, sem o poder das armas ou do dinheiro, como o
Brasil, exercer seu soft power, tanto mais agora num momento de
fragmentações e turbulências geopolíticas. Ainda assim, o País tem um aparato
diplomático requintado, um histórico pacífico e recursos cruciais para que o
mundo enfrente os grandes desafios globais da segurança alimentar, energética e
ambiental. Esses ativos poderiam garantir ao País uma posição segura de
equidistância e independência nos conflitos geopolíticos, e até de liderança em
certos âmbitos, como na América Latina e na área ambiental.
É difícil para qualquer país se equilibrar no
confronto entre EUA e China. O Brasil depende das exportações para a Ásia, mas
também de insumos tecnológicos do Ocidente. Nem por isso o País precisaria
renunciar aos valores comuns ao Ocidente, como a democracia liberal ou os
direitos humanos, nem ser obrigado a escolher entre um lado e outro – vale
lembrar que o maior parceiro comercial dos EUA é a China e vice-versa. A Índia
tem logrado esse equilíbrio. Mas o Brasil de Lula escolhe um lado.
No início de seu mandato, a revista The
Economist classificou sua política externa como oscilante e inconsistente:
“Lula quer que o Brasil seja todas as coisas para todos: um amigo do Ocidente e
um líder do Sul Global, um defensor do meio ambiente e uma potência petrolífera
mundial, um promotor da paz e um amparo para os autocratas”. Quem dera. Se
alguém tem dificuldade de enxergar as reais intenções de Lula por trás de suas
conjurações ilusionistas, deveria conferir os posicionamentos oficiais do PT e
de seu ideólogo Celso Amorim a propósito desses aparentes dilemas. Não há
ambiguidade. Lula sabe o que quer e tem agido com coerência nesse sentido. Mas
em troca da desconfiança dos parceiros ocidentais do Brasil, na melhor das
hipóteses, e do seu escárnio, na pior, o País ainda não ganhou nada além do
prato de lentilhas sino-russo.
A genuflexão de Nunes
O Estado de S. Paulo
Por conveniência, Ricardo Nunes renega
vacinação obrigatória e esquece legado de Bruno Covas
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
manifestou arrependimento por ter apoiado a vacinação obrigatória durante a
pandemia de covid-19, quando ele era vice do então prefeito Bruno Covas (PSDB).
“Tenho humildade. Hoje sou contra a obrigatoriedade da vacina”, afirmou o
prefeito em entrevista ao blogueiro Paulo Figueiredo, sujeito que se
notabilizou por ser um bolsonarista radical e por responder criminalmente por
sua suposta participação no 8 de Janeiro.
Se não falta “humildade” ao prefeito, sobra
imprudência. Nunes, mais uma vez, faz pouco da memória de Bruno Covas nessa
caça ao voto bolsonarista na campanha pela reeleição. Em meio àquela tragédia
sanitária, Bruno Covas se ergueu como uma muralha na cidade de São Paulo para
proteger tanto quanto pôde os paulistanos e a metrópole do lixo tóxico que o
então presidente Jair Bolsonaro espalhou por todo o País.
Bolsonaro tanto fez para expor os brasileiros
a risco de morte em nome de seus interesses particulares que foi preciso que o
Supremo Tribunal Federal lembrasse que a Constituição assegura aos governadores
e prefeitos o poder de atuar em prol das populações locais. E Bruno Covas fez
muito bom uso de suas prerrogativas, não apenas apoiando a vacinação dos
munícipes, como tomando decisões politicamente muito onerosas para ele, como o
fechamento dos estabelecimentos não essenciais.
É desse jeito constrangedor que o sr. Nunes
pretende ser visto como o maior defensor do “legado democrático” de seu
antecessor? Ao se associar ao que há de pior e mais nocivo no bolsonarismo, o
prefeito, ao contrário, trai o legado de Bruno Covas. Afinal, por que Nunes se
arrepende de ter apoiado a vacinação obrigatória durante a pandemia? Todas as
vacinas passam por rigoroso processo de desenvolvimento científico e, ademais,
são aprovadas pela Anvisa após diligente escrutínio técnico antes de chegarem aos
braços da população. Logo, é lícito inferir que Nunes agora se diz arrependido
por ter apoiado a vacinação obrigatória porque se sente compelido a ajoelhar no
altar da seita bolsonarista por conveniências políticas de ocasião – de resto,
uma inequívoca manifestação de tibieza administrativa, para dizer o mínimo.
Ora, mais que a defesa, o estímulo à
vacinação como uma política de promoção de saúde coletiva – sobretudo em meio a
uma tragédia sanitária como foi a pandemia – é algo inegociável para qualquer
administrador público minimamente responsável. É o caso de perguntar: como
Nunes haverá de se comportar, caso seja reeleito, diante de um novo surto viral
em São Paulo que exija a vacinação dos paulistanos, sobretudo crianças e
idosos, os grupos mais vulneráveis às infecções?
Ademais, a vacinação contra vários tipos de doença, incluindo covid-19, é requisito para matrícula em todas as escolas das redes pública e privada no Estado de São Paulo, de acordo com o art. 1.º da Lei 17.252/2020. Ou seja, nem se quisesse Nunes poderia reverter a obrigatoriedade das vacinas, o que demonstra que seu arrependimento tardio, além de irresponsável, é vazio.
Quem cuida de quem cuida?
Correio Braziliense
O transtorno de ansiedade lidera a pesquisa
com médicos: 33,5% estão com esse diagnóstico e 21,1% apresentaram os sintomas
nos últimos 12 meses
É aquela velha história: quem cuida dos
cuidadores? É consenso que os médicos estão precisando de cuidados. E há muito
tempo. Quase metade dos profissionais, especialmente as médicas, apresenta
quadros de adoecimento mental, em maior ou menor grau.
Levantamento feito com mais de 2 mil médicos
atuantes no mercado, de todas as regiões brasileiras, apontou doenças como
depressão, ansiedade e burnout em uma parcela significativa dos entrevistados.
De acordo com o estudo Qualidade de vida dos médicos, desenvolvido pelo
Research Center e apresentado pela Afya, empresa de educação e soluções para a
prática médica, 39,8% dos profissionais enfrentam algum tipo de doença
mental, sendo que duas em cada três pessoas afetadas são do gênero feminino.
Outros aspectos chamam a atenção. Na faixa
etária entre 25 e 35 anos, 49,6% dos profissionais sofrem com o problema — ou
seja, praticamente metade dos entrevistados. Desses, 3,6% já estiveram
internados para tratar alguma condição psíquica e precisaram ficar afastados do
trabalho cerca de 5,1 semanas nos últimos 12 meses. No entanto, boa parte dos
"médicos-pacientes" não busca acompanhamento profissional — talvez,
pelo estigma associado a essas enfermidades.
Entre as mais citadas, o transtorno de
ansiedade lidera a pesquisa: 33,5% estão com esse diagnóstico e 21,1%
apresentaram os sintomas nos últimos 12 meses. Desses, 27,1% estão em
tratamento e 6,4%, embora constatado o transtorno, não o tratam. As mulheres
são as mais impactadas: quatro em cada 10 médicas (40%) sofrem com o transtorno
de ansiedade, enquanto a taxa entre os homens é de 25,1%.
Em segundo lugar, está a depressão: 22,1% dos
profissionais já receberam esse diagnóstico, sendo que 19,9% tratam e
acompanham com especialistas e 2,2% não tratam. Outros 17,1% apresentam
sintomas, mas não têm diagnóstico e não tratam a doença. De acordo com o
estudo, 22,4% dos profissionais detectaram a condição nos últimos 12 meses.
O burnout aparece em 6,7% dos casos, e metade
foi identificada nos últimos 12 meses. Não fazem acompanhamento 2% dos médicos
diagnosticados com a condição. No entanto, em uma avaliação mais ampla, mais de
50% indicam já terem apresentado sintomas da doença, ainda que não tenham um
diagnóstico fechado ou tenham se curado do distúrbio.
A carga horária elevada é apontada como o
principal motivo destacado: médicos com esse perfil trabalham em média 57,2
horas por semana, cerca de sete horas a mais do que a média geral. A boa
notícia é que os dados indicam uma leve melhora em relação ao último ensaio,
realizado em 2022. No entanto, as questões mentais continuam presentes e, vale
lembrar, acometem outros profissionais de saúde.
Cada vez mais, discussões sobre saúde mental têm ocupado espaço em ambientes corporativos, no meio acadêmico, esportivo, cultural e em qualquer nível. No caso de quem atua na saúde, é preciso se conscientizar de que também não é infalível. Campanhas de alerta e cuidados devem atingir — e sensibilizar — todos os públicos.
Um comentário:
"Afinal, por que Nunes se arrepende de ter apoiado a vacinação obrigatória durante a pandemia?"
"Nunes agora se diz arrependido por ter apoiado a vacinação obrigatória porque se sente compelido a ajoelhar no altar da seita bolsonarista por conveniências políticas de ocasião – de resto, uma inequívoca manifestação de tibieza administrativa".
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