Valor Econômico
Presidente teve que se explicar sobre as queimadas, algo que também está com dificuldades de fazer internamente
Foi em tom de consternação que um experiente
servidor relatou o teor das imagens que circulavam entre autoridades, enquanto
ocorria neste mês a reunião do Grupo de Trabalho da Agricultura do G20.
Grupo das 20 maiores economias do mundo, o
G20 é presidido temporariamente pelo Brasil. Tem sido usado como plataforma
para a defesa de algumas bandeiras caras à gestão Lula no cenário
internacional, inclusive dentro da Organização das Nações Unidas (ONU), como o
desenvolvimento sustentável, o combate à fome e mudanças na governança global.
Mas o arquivo mostrava a situação da rodovia que conecta o aeroporto da capital do Estado do Mato Grosso ao resort localizado na Chapada dos Guimarães, onde se reuniam as delegações que integram o GT. Cercada de fogo e ofuscada pela fumaça, a estrada não era nem de longe o cenário que o governo brasileiro pretendia apresentar aos convidados estrangeiros que iriam discutir, entre outros temas, agricultura sustentável e adaptação às mudanças climáticas.
“Parecia uma cena de ‘Mad Max’”, disse esse
interlocutor, citando a consagrada franquia de ficção científica baseada em um
futuro pós-apocalíptico.
Cerca de dez dias depois, o constrangimento
permanece. Tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou nessa
terça-feira (24) para a abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas tendo
que se explicar sobre as queimadas, algo que também está com dificuldades de
fazer internamente.
Segundo uma recente pesquisa do Ipec, o meio
ambiente foi exatamente o setor da administração federal com pior desempenho
entre os entrevistados. Consideraram a gestão Lula no meio ambiente ruim ou
péssima 44% das pessoas ouvidas na sondagem, ante 27% que a avaliaram ótima ou
boa. Em abril, 33% dos entrevistados consideravam o desempenho do Executivo no
segmento ruim ou péssimo.
É verdade que já se fala abertamente na
Esplanada dos Ministérios que, embora tenha se planejado para enfrentar a crise
provocada pela seca, o governo implementou estratégias que não deram conta dos
incêndios que destruíram 5 milhões de hectares apenas em agosto. Porém, não há
consenso no Executivo quanto a essa estratégia de comunicação. No Palácio do
Planalto, existe ainda quem rejeite assinar o “termo de confissão”.
Nesse contexto, Lula aproveitou o aguardado
discurso para a abertura da Assembleia-Geral para tentar “aplicar algumas
vacinas” e reduzir os danos de imagem. “O meu governo não terceiriza
responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos
que é preciso fazer mais”, disse ele, depois de pontuar que o planeta está
cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio
financeiro a países pobres que não chega. “Reduzimos o desmatamento na Amazônia
em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030”, acrescentou.
Quando passou a falar da reforma das
instituições multilaterais, contudo, o presidente saiu da defensiva e partiu
para o ataque.
Nos bastidores, o Itamaraty já havia adotado
uma estratégia considerada internamente arrojada de levar a discussão da
reforma da governança global para uma reunião de chanceleres do G20 marcada
para ocorrer dentro da sede da ONU e à margem da Assembleia-Geral. Uma vitória,
dentro dos limites que a prática tradicional da diplomacia impõe aos operadores
das relações exteriores.
Em público, Lula também avançou. O presidente
apresentou um plano objetivo de reforma da ONU que vai além da antiga demanda
brasileira de ampliação do Conselho de Segurança. Ele citou, por exemplo, a
transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o
tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática.
Segundo ele, o órgão deve ter “capacidade real de inspirar as instituições
financeiras”.
Em paralelo, defendeu a revitalização do
papel da Assembleia-Geral, inclusive em temas de paz e segurança
internacionais, e o fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz. Já em
relação à reforma do Conselho de Segurança, a ideia é focar em mudanças nos
métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e
representativo das realidades contemporâneas, mas também na sua composição.
Nessa última frente, Lula evocou o
colonialismo para atacar a ausência de países da América Latina e da África com
assentos permanentes no colegiado. Foi uma sinalização para o eleitorado que
busca para levar a ideia adiante, estratégia que também prevê articulações nas
reuniões dos grupos de países dos quais o Brasil faz parte.
Em um deles, aliás, há uma potencial
armadilha no caminho de Lula: acredita-se que a Rússia pode tentar avançar em
uma proposta para incluir a Venezuela no Brics, já que o presidente Javier
Milei anunciou que a Argentina não irá aderir ao bloco. Seria uma nova expansão
de um grupo que já passou a abrigar Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e
Emirados Árabes, com novo potencial embaraço para o Brasil.
Ao não se opor à ideia, Lula acabaria por
legitimar a contestada reeleição de Nicolás Maduro, a qual ainda não reconheceu
e sequer citou em seu discurso na ONU. Porém, esse tema pode estar presente na
cúpula do Brics de Kazan, em outubro na Rússia, rondar conversas paralelas
durante a cúpula do G20 no Rio de Janeiro em novembro e ainda virar um problema
maior em 2025, justamente durante a presidência temporária do Brasil no bloco.
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