Valor Econômico
Em 2023 o investimento de capital de risco na UE foi apenas um quinto do que nos EUA e isso não se deve à falta de poupança na UE, mas ao fracasso em criar o ecossistema de tecnologia necessário
“A principal razão para que a produtividade
da União Europeia tenha divergido da dos Estados Unidos em meados dos anos 1990
foi o fracasso da Europa em capitalizar a primeira revolução digital, liderada
pela internet - tanto em termos de dar origem a novas empresas de tecnologia
como de difundir a tecnologia digital na economia. Na verdade, se excluirmos o
setor de tecnologia, de forma geral o crescimento da produtividade da UE nos
últimos 20 anos estaria no mesmo nível do dos EUA”. Este trecho do relatório de
Mario Draghi sobre a competitividade europeia aponta para um componente central
da agenda para o futuro da UE.
Por mais vital que seja, esse é apenas um dos desafios econômicos estratégicos que a UE enfrenta. Entre os demais estão a vulnerabilidade energética, a transição verde e o crescimento do protecionismo. Draghi oferece tanto um marco conceitual como sugestões sobre como responder a eles. O que incluirá políticas comerciais e industriais mais intervencionistas. O desafio é fazer que essas políticas sejam direcionadas e razoáveis.
Nos setores da área de defesa, por exemplo, o
argumento em favor de tomar o exemplo da Airbus como base parece forte.
Comparado com o dos EUA, o setor de defesa europeu é fragmentado demais. Fusões
transnacionais parecem ser algo essencial.
Por vários motivos, os governos têm se
recusado a permitir a tão necessária integração transnacional. Em grande
medida, isso é um reflexo de políticas nacionalistas e de grupos com interesses
específicos. Como resultado, as barreiras regulatórias persistem
Problemas não muito diferentes existem nas
áreas de bancos, mercados de capital e fornecimento de energia. Por vários
motivos, os governos têm se recusado a permitir a tão necessária integração
transnacional. Em grande medida, isso é um reflexo de políticas nacionalistas e
de grupos com interesses específicos. Como resultado, as barreiras regulatórias
persistem. Felizmente, a história da UE mostra que tais obstáculos podem ser
superados com vontade política. Mas será que isso vai acontecer algum dia?
A transição para a “tecnologia limpa” nos
setores automobilístico e de energia é um desafio mais complexo. Como observa o
relatório de Draghi: “Por conta do ritmo rápido de inovação, dos baixos custos
de manufatura e de subsídios estatais quatro vezes maiores do que em outras
grandes economias, [a China] hoje domina as exportações mundiais de tecnologias
limpas”.
Isso cria oportunidades para a adoção
acelerada de novas tecnologias, mas também causa transtornos para setores
importantes da UE e a possibilidade de que eles sejam excluídos de partes das
cadeias de fornecimento, como as de baterias, porque não têm acesso a
matérias-primas essenciais. No geral, a intervenção é inevitável. A lei
comercial também permite isso. Já intervir de maneira efetiva é outra questão.
Mas, se for feita com cuidado, deve ser possível.
A revolução digital é outra questão ainda.
Seria ridículo imaginar que investir em “campeãs da UE” que seriam versões de
Google, Microsoft, Apple ou Nvidia funcionaria. Medidas comerciais padrão
tampouco ajudariam: como seria possível dificultar as pesquisas no Google sem
introduzir restrições ao estilo chinês? Também não parece plausível que não
haja recursos disponíveis para oportunidades atraentes na área de tecnologia,
ainda que uma reforma dos mercados de capitais deva ajudar a desenvolver um
setor de capital de risco maior na UE. Mas o fato de que em 2023 o investimento
de capital de risco na UE foi apenas um quinto do que nos EUA não se deve à
falta de poupança na UE. Ela se deve ao fracasso em criar o ecossistema de
tecnologia necessário.
Então, por que isso acontece? Não é que a UE
careça de pessoas. Comentaristas bem informados argumentam que isso se deve em
grande parte ao excesso de regulamentação. Dois tipos de regulamentação são
cruciais: a regulamentação específica do setor de tecnologia e a regulamentação
geral da economia, em especial do mercado de trabalho, que afeta de maneira
mais concreta os novos empreendimentos, que são imprevisíveis. Se você não pode
demitir, você não vai contratar e, portanto, se mudará para outro lugar.
O conceituado especialista em tecnologia
Andrew McAfee, do MIT, faz uma crítica rigorosa à política da UE. Ele concorda
que o estado do setor de tecnologia da UE é calamitoso. Mas o problema não é de
falta de dinheiro: os governos da UE gastam praticamente a mesma quantia (e
parcela do Produto Interno Bruto, PIB) com apoio à pesquisa e ao
desenvolvimento que o governo dos EUA. Sim, no caso da UE isso está fragmentado
entre os Estados-membros. Mas ele argumenta que o maior problema não é esse: “É
a intervenção governamental nesse ecossistema, não com financiamento, mas com
leis e regulamentações e outras exigências, restrições e encargos para as
empresas”.
O analista de políticas de tecnologia Adam
Thierer detalha mais esse aspecto: “Vários estudos recentes documentam os
custos associados ao RGPD [Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados] e a
abordagem rígida demais da UE com relação aos fluxos de dados de forma mais
geral”, observa. Isso impõe custos pesados às empresas inovadoras e,
inevitavelmente, quanto menor é a empresa, maior será o imposto implícito.
Levando isso em consideração, assim como os mercados fragmentados da UE, não é
de estranhar que os EUA estejam tão à frente.
Um ensaio de Oliver Coste e Yann Coatanlem,
publicado pela Universidade Bocconi, em Milão, aponta outro aspecto importante
e ainda mais amplo sobre a regulamentação: empresas novas e dinâmicas precisam
ser capazes de ajustar seus custos rapidamente à luz dos evoluções do mercado.
Por conseguinte, os autores argumentam que os custos de reestruturação, que
resultam em grande medida da regulamentação da proteção ao emprego, são
fundamentais. Quanto mais caro for uma reestruturação, mais cautelosa será a empresa.
Tomadas de forma conjunta, essas proteções são incapacitantes.
Draghi concorda que a regulamentação é um
problema grave. Assim, ele observa que “o ambiente regulatório extenso e
rigoroso da UE (exemplificado por políticas baseadas no princípio da precaução)
pode, como efeito colateral, restringir” a inovação. “As empresas da UE
enfrentam custos de reestruturação maiores em comparação com suas equivalentes
dos EUA, o que as deixa em uma posição de desvantagem enorme em setores
extremamente inovadores, caracterizados pela dinâmica do vencedor leva quase
tudo”.
A questão na verdade é mais filosófica e política. A UE precisa encontrar uma maneira de regulamentar o setor de tecnologia que não estrangule seu crescimento ao mesmo tempo. Fazer isso será um desafio imenso. (Tradução de Lilian Carmona)
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