Espiral de violência na política tem de ser contida
O Globo
Cármen Lúcia foi feliz ao declarar que as
agressões durante campanhas ofendem a própria democracia
Não existe dimensão mais alarmante da
violência política que o homicídio. Na terça-feira, o candidato a vereador em
Nova Iguaçu Joãozinho Fernandes (Avante) foi morto a tiros. Em quatro meses,
pelo menos oito candidatos, parentes ou assessores foram assassinados na
Baixada Fluminense. Em todo o país, 35 lideranças políticas morreram de janeiro
a junho, de acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral no
Brasil, organizado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(Unirio). Na comparação com o último ciclo eleitoral municipal, o registro de
ocorrências — de homicídios a agressões ou ameaças — cresceu 9,35%.
Mesmo sem resultar em morte, os casos são preocupantes, como demonstra a campanha degradante para prefeito de São Paulo. Em debate no dia 15 de setembro, o candidato José Luiz Datena (PSDB) respondeu às repetidas provocações de Pablo Marçal (PRTB) desferindo uma cadeirada no oponente. Duas semanas depois, em novo debate, um cinegrafista da equipe de Marçal deu um soco no rosto do publicitário de Ricardo Nunes (MDB). No começo de agosto, o candidato do PSOL à Prefeitura de Teresina, Francinaldo Leão, registrou boletim de ocorrência depois de ter sido agredido com uma cabeçada pelo prefeito Dr. Pessoa (PRD), que busca a reeleição.
Se nada for feito, a tendência é que a
espiral de violência siga em rota ascendente. Por isso investigadores devem
tratar crimes com viés eleitoral como prioritários, e os julgamentos precisam
ser céleres. Esses atentados são ataques à vida e também à democracia. Nas
palavras felizes da ministra Cármen Lúcia,
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
a “violência praticada no ambiente da política desrespeita não apenas o
agredido, senão que ofende toda a sociedade e a própria democracia”.
Em discurso na última terça-feira, ela citou
despreparo, descaso ou tática ilegítima e desqualificada das campanhas
políticas. Seja qual for a causa ou a intenção para os atos violentos,
argumentou Cármen Lúcia, não há justificativa. “Atenta-se contra cidadãs e
cidadãos, atacam-se pessoas e instituições e, na mais subalterna e incivil
descompostura, impõe-se às pessoas honradas do país, que querem apenas entender
as propostas que os candidatos oferecem para a sua cidade, sejam elas obrigadas
a assistir a cenas abjetas e criminosas, que rebaixam a política a cenas de
pugilato, desrazão e notícias de crimes”, disse.
Cármen Lúcia acertou ao conclamar os partidos
para que “tomem tenência” da situação. Afinal, campanhas eleitorais são
financiadas com dinheiro público. Juntos, os 29 partidos receberão R$ 4,9
bilhões para a corrida eleitoral deste ano. Segundo ela, as legendas não podem
“pactuar com desatinos e cóleras expostas em cenas de vilania e desrespeito aos
princípios básicos da convivência democrática”. A transformação de debates em
ringues eleitorais deve ser investigada pela polícia, pelo Ministério Público e
pelos tribunais eleitorais. É também necessário que os legisladores e o TSE se
debrucem sobre o assunto para encontrar formas de coibir as agressões. Por fim,
os partidos devem escolher melhor seus candidatos e, depois de episódios de
violência, retirar suas candidaturas. A democracia, é sempre bom lembrar,
proporciona a solução de conflitos pelo uso da palavra, e não da força.
Quadrilhas de pedófilos se sofisticam com
tecnologia e articulação global
O Globo
Operação da PF que prendeu 61 suspeitos
integra iniciativa da Interpol em 12 países latino-americanos
A Operação Terabyte, da Polícia
Federal, promovida contra acusados de armazenar e compartilhar na
internet conteúdos repugnantes de violência
sexual contra crianças e adolescentes, dá uma ideia da expansão
e da gravidade desse crime, hoje cometido por meio de tecnologias sofisticadas
como a inteligência artificial. Foram cumpridos 145 mandados de busca e
apreensão em 23 estados e no Distrito Federal, por mais de 750 policiais
federais e civis, com apoio do Department of Homeland Security, agência de
segurança interna dos Estados
Unidos. A operação integrou ação coordenada pela Interpol em mais 11
países sul-americanos além do Brasil: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Peru, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Venezuela.
Pelas características desse tipo de crime,
torna-se cada vez mais necessário articular operações transnacionais. Segundo a
Interpol, a proximidade entre as polícias permitiu que, com informações
passadas pela Coreia do Sul,
o Equador prendesse o responsável por um site que distribuía conteúdos
envolvendo crianças e adolescentes. Os presos nos demais países — sem
considerar o Brasil — têm entre 14 e 86 anos de idade e exercem várias
profissões comuns: professor, desenhista gráfico, segurança, mecânico, músico,
jornalista, psicólogo e motorista de táxi.
No Brasil, a operação prendeu 61 suspeitos e
resgatou uma vítima. Apenas um dos presos, sargento da Força Aérea Brasileira,
mantinha no computador 5 mil arquivos de conteúdos criminosos. Outro guardava
20 mil imagens. Há uma indústria por trás da expansão dessas redes de
pedófilos. De acordo com a advogada Luciana Temer, diretora-presidente do
Instituto Liberta, de combate à violência sexual contra crianças e
adolescentes, quando houve restrições à mobilidade na pandemia, as organizações
criminosas entraram no ramo da distribuição de imagens de abuso sexual de
menores.
O “Panorama da violência letal e sexual
contra crianças e adolescentes no Brasil 2021-2023”, do Unicef e
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrou 63.430 casos de abuso de
menores em 2023 no Brasil, aumento de 18% sobre o ano anterior. Ante 2021, o
salto foi de 35%. Em alguma medida, esse aumento poderia ser explicado pela
maior repressão ao crime, que precisa ser rigorosa e constante. Mesmo assim, a
estatística é alarmante.
A atenção dos pais à interação dos filhos com
a internet tem de ser extrema. Existem ferramentas para bloquear sites e
monitorar a navegação das crianças. Configurar a rede social do filho para que
seja privada é outra medida recomendada. Mesmo jogos on-line aparentemente
inofensivos podem acobertar pedófilos e abusadores.
Pesquisa Datafolha constatou que a maioria dos pais entende que crianças até os 14 anos não deveriam ter celular nem tablet. Dos entrevistados, 76% disseram ser contrários ao acesso dos menores a redes sociais. Mas proibir de pouco adianta, principalmente quando os filhos se aproximam da adolescência. A conversa, o convencimento e o acolhimento são imprescindíveis.
BC vê aperto monetário até o ano eleitoral de
2026
Valor Econômico
O ano eleitoral, porém, ainda está longe, e o BC terá em 2025 um novo presidente, indicado por Lula, além de um sistema de meta de inflação contínua
O Relatório de Inflação do Banco Central do
terceiro trimestre projeta que o IPCA ainda estará fora da meta ao longo de
2026, ano de eleições presidenciais. Utilizando como referência a taxa de juros
indicada pelo boletim Focus, que contempla aumento de um ponto da taxa Selic,
para 11,5%, a inflação no trimestre imediatamente anterior ao pleito de outubro
estará em 3,4%, e os juros, em dois dígitos (10,25%). Ao querer forçar a marcha
do crescimento com gastos públicos, o governo Lula poderá ter de enfrentar a
batalha eleitoral com a economia contida, crescendo bem menos do que nos dois
primeiros anos de seu mandato, e com juros elevados. O ano eleitoral, porém,
ainda está longe, e o BC terá em 2025 um novo presidente, indicado por Lula,
além de um sistema de meta de inflação contínua.
No cenário relevante para a política
monetária, o primeiro trimestre de 2026, a projeção de inflação subiu 0,2
ponto, para 3,5%, um sinal de que a carga de juros indicada pode ser inferior à
necessária para atingir a meta. Na próxima reunião, em novembro, o Comitê de
Política Monetária (Copom) estenderá seu foco para o segundo trimestre de 2026.
O fato, segundo o relatório, é que na comparação com documento anterior, do
segundo trimestre, “as projeções de inflação subiram em todo o horizonte
apresentado, aumentando assim o distanciamento em relação à meta”. Os motivos
principais foram uma atividade econômica mais forte que o esperado, resultante
de uma reavaliação para cima do hiato do produto (a distância positiva ou
negativa em que a economia se encontra de seu potencial produtivo), além da
depreciação cambial e expectativas desancoradas de inflação em ascensão.
Com a reavaliação, constata-se que a economia
está crescendo acima do potencial e continuará assim até o fim do ano, quando
um arrefecimento da atividade, esperada já a partir do terceiro trimestre,
voltará a produzir alguma ociosidade. O Banco Central espera que a contenção do
fôlego produtivo ocorra não só porque o ciclo de queda dos juros foi
interrompido e se tornou um novo ciclo de aperto, mas também porque tem a
“expectativa de menor estímulo fiscal” e porque estímulos externos estarão
ausentes, já que a economia global não deverá crescer mais do que em 2024.
O relatório apresenta retratos variados de
uma economia aquecida. O desemprego, de 6,9% no trimestre encerrado em agosto,
é o menor desde julho de 2014. O rendimento médio real habitual do trabalho
apresenta crescimento acima da inflação há 10 trimestres consecutivos, embora
tenha se desacelerado um pouco agora - passou de 5,8% reais em junho para 4,8%
em julho. Mais de 80% das negociações salariais feitas até agosto culminaram em
reajustes acima da inflação. Os desligamentos voluntários, indicadores de folga
no mercado de trabalho, somam 36,5% do total. O salário real de admissão sobe
há cinco trimestres consecutivos.
Com isso, o BC elevou sua estimativa de
crescimento da economia no ano de 2,5% para 3,2%, contando com um desempenho
substancialmente melhor da indústria (de 2,7% para 3,5%) e do setor de serviços
(de 2,4% para 3,2%), assim como saltos no consumo das famílias (de 3,5% para
4,5%) e do consumo do governo (de 1,8% para 2,7%). Um dos efeitos da maior
expansão é que o nível de utilização da capacidade industrial (Nuci) atingiu em
agosto 83,3%, seu maior índice desde 2011. Outro efeito relevante é que, com a economia
crescendo acima do potencial, fica ainda mais difícil do que já era domar a
inflação de serviços, segundo o BC o setor “mais sensível ao hiato do produto”.
Apesar de o IPCA ter diminuído em setembro, a
inflação trimestral aumentou, assim como a média dos núcleos de inflação, que
eliminam uma combinação de elementos voláteis. Nos 12 meses encerrados em maio,
a média foi de 3,55%, subindo em agosto para 3,8%, incompatível com uma
trajetória de inflação rumo à meta de 3%. Já para os serviços, tanto as
variações em 12 meses quanto as trimestrais anualizadas dos preços e de seus
núcleos se encontram ao redor de 5%.
Por tudo isso, mais a depreciação cambial
(que pode se reverter a curto prazo), os juros começaram a subir. Nos cálculos
do BC, como a taxa neutra de juros é de 4,75% (nível que não estimula nem
desestimula a atividade), a taxa real do custo do dinheiro, já elevada, subirá
para 7,1% no quarto trimestre (com possível Selic a 11,75%), para declinar a
partir daí e encerrar o ciclo de alta em 5,5% (10,25%). Mas o cenário é
incerto, e o BC não se comprometeu com nenhum ritmo de alta ou taxa de juros
terminal. O objetivo do BC é esfriar a economia. Com o aperto monetário, estima
uma evolução do PIB de 2%, em 2025, com um recuo pela metade do consumo das
famílias (2,2%), redução do consumo do governo para 2% e queda forte dos
investimentos (de 5,5% para 2%).
O presidente Lula, até mesmo para garantir
suas chances eleitorais, deveria suavizar o aperto e encurtar sua duração.
Cortaria gastos e reduziria subsídios, ajudando assim a política monetária a
colocar logo a inflação nos eixos e deixar a trilha econômica livre para um
crescimento que seja sustentável. Ainda há tempo para isso.
Nunes mantém trunfos, mas disputa é acirrada
Folha de S. Paulo
Prefeito segue com 27% de intenções e será
vencedor para 41%, diz Datafolha; Marçal tem 21%, 4 pontos abaixo de Boulos
Faz duas semanas que as intenções de voto dos
paulistanos na corrida à prefeitura permanecem praticamente inalteradas,
registra a mais recente pesquisa do Datafolha.
As diferenças de preferência entre os três
principais candidatos, ao menos no primeiro turno, são relativamente pequenas.
Se há algum favoritismo mais notável, a vantagem aparece na percepção de
chances de vitória e nas preferências de segundo turno, que por ora beneficiam
o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Ele tem 27%
do eleitorado, mesma marca das duas sondagens semanais
anteriores. Guilherme
Boulos (PSOL)
tem 25% (ante 26% e 25% antes). Pablo Marçal (PRTB),
que protagonizou um episódio infame de violência em debate, ainda mostra fôlego
e está com 21% (19% nas anteriores).
Como se vê, é um quadro de pequenas
flutuações e de votações pouco expressivas. O líder, Nunes, tem pouco mais de
um quarto das preferências.
Entretanto 41% dos entrevistados acreditam
que o prefeito vai se reeleger. No caso de Boulos, a crença de vitória é de
22%, quase o mesmo percentual de seu eleitorado. Quanto a Marçal, 20%, ante 21%
das intenções de voto.
Essa perspectiva algo melhor para o
incumbente se verifica de modo mais claro nos resultados das simulações de um
provável segundo turno. Nunes bate Boulos (52% a 36%) e Marçal (57% a 26%) por
grande margem.
Além do mais, o emedebista é o menos
rejeitado dos candidatos ora no pódio —21% do eleitorado não votaria nele de
jeito nenhum, ante os
38% de Boulos e 48% de Marçal. Por fim, Nunes seria a segunda opção
de voto para 24% paulistanos, Boulos para 16%, e Marçal, para 12%.
Embora o cenário para o prefeito seja melhor,
por ora, seus eleitores não são dos mais entusiasmados. É o candidato ideal
para 40% dos que declaram nele votar. Nesse quesito, o psolista marca 61%, e o
ex-coach, 52%.
Agressões
físicas, insultos e outros comportamentos abjetos, ainda mais
escandalosos nas duas últimas semanas, não modificaram o quadro das intenções
de voto. Tabata Amaral (PSB) permaneceu
praticamente no mesmo patamar, marcando agora 9%. José Luiz Datena (PSDB) teve
os mesmos 6% em setembro, descendo dos 14% de agosto.
Depois da adesão em massa a redes sociais e
serviços de mensagem por celular, não têm sido raros os episódios em que há
expressiva mudança de opinião do eleitorado à beira do dia do pleito. Dadas as
intenções de voto relativamente baixas ostentadas pelos candidatos a prefeito
de São Paulo e
a distância pequena entre eles, pode haver surpresas.
É uma eleição disputada, embora sem inflamar
o eleitorado. A campanha chamou a atenção para si quase sempre pelos motivos
mais deploráveis. Faltando dez dias para o primeiro turno, é difícil esperar
mais luz em tal ambiente. Que ao menos os finalistas ofereçam um espetáculo
melhor na segunda rodada.
Otimismo não basta para fechar acordo com a EU
Folha de S. Paulo
Lula diz que pacto com o Mercosul poderia ser
firmado em novembro, mas entraves protecionistas exigem busca de consenso
Na quarta (25), Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
disse estar otimista com o acordo econômico entre o Mercosul e
a União
Europeia, que, segundo ele, poderia ser firmado em novembro durante
reunião de cúpula do G20 no
Rio. "Agora, a responsabilidade é toda da UE, não do Brasil",
afirmou.
Ao longo dos 25 anos de negociação do pacto,
diversas janelas políticas para sua conclusão foram desperdiçadas. Agora, não
se vê grande abertura, em especial do lado europeu, para reverter o ceticismo
dominante.
O acordo chegou a ser assinado em 2019,
durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Mas não seguiu os trâmites posteriores
para entrar em vigor. Em 2023, Lula desconsiderou o texto firmado e reabriu as
negociações. Desde então, novas cargas protecionistas de lado a lado impedem o
consenso.
Os entraves são conhecidos e de difícil
superação. O Brasil discordou do acesso europeu a suas compras governamentais.
Sem meias palavras, justificou essa reserva de mercado como instrumento de
política industrial.
Em paralelo, a UE impôs ao Mercosul novos e
mais firmes compromissos ambientais, como a diminuição de emissões de carbono,
que superam compromissos voluntários firmados no Acordo de Paris (2015).
Contudo as exigências verdes, por mais
corretas que sejam dado o aquecimento global, convivem com o histórico
protecionismo agrícola europeu, visível em outra medida rigorosa.
A UE instituiu uma regulamentação que proíbe a
importação de bens provenientes de áreas desmatadas de
florestas tropicais desde 2020. O acordo de livre comércio não isentaria o
Brasil de cumprir as novas normas, que entram em vigor em 2025.
Certo é que a negociação jamais será
concluída sem disposição política dos parceiros dos dois blocos. O governo
petista precisa abandonar a ideologia datada do desenvolvimentismo em prol
da abertura econômica —por óbvio bem negociada.
Já a UE não deveria manipular a agenda
climática para fins protecionistas. Na França, Emmanuel
Macron deixou claro
que rechaça o acordo de 2019 e que não abrirá seu mercado a
produtos que não sigam as mesmas exigências ambientais que recaem sobre o agronegócio do
seu país. O avanço da ultradireita no Parlamento Europeu também não ajuda.
Dados os obstáculos, seria indicado que Lula não deixasse de lado o realismo e concentrasse esforços em busca de consenso em torno de um acordo que tem potencial de criar oportunidades para economia brasileira.
O umbigo de Lula
O Estado de S. Paulo
O Brasil poderia erguer pontes entre o
Ocidente e o Oriente, entre ricos e pobres. Mas essas possibilidades foram
pulverizadas pelo narcisismo, o cinismo e o sectarismo de Lula
Quando olha para seu umbigo, o presidente
Lula da Silva imagina ver o mundo. A passagem do demiurgo pela Assembleia Geral
da ONU foi um retrato penoso de sua decadência e da desmoralização para a qual
ela está arrastando a política externa brasileira. No plano ideológico, tudo é
reduzido a uma grande conspiração dos “ricos” contra os “pobres”. No plano
pragmático, tudo se passa como se os conflitos globais pudessem ser
solucionados em conversas de botequim.
É preciso dizer que, naquilo que tem de
genuíno, o sonho de Lula, ainda que limitado por seu enquadramento
progressista, seria pertinente e até, em certa medida, factível. Basicamente, é
a ideia do Brasil protagonizando alguma liderança numa coalizão do chamado “Sul
Global” para obter concessões dos países desenvolvidos.
Do ponto de vista estrutural, o Brasil é uma
potência pacífica na região latino-americana, um grande exportador de
alimentos, guardião de minerais e biomas críticos, e ainda conta com um quadro
diplomático competente. Do ponto de vista conjuntural, Lula tem (ou ao menos
teve) carisma, e sua vitória sobre Jair Bolsonaro foi vista com bons olhos
pelas lideranças democráticas, a começar pelo americano Joe Biden. A conjunção
do G-20, em 2024, e da COP-30, em 2025, ofereceria condições para o Brasil se
projetar, erguer pontes e promover negociações.
Mas para que isso funcionasse o presidente
precisaria combinar de maneira crível credenciais democráticas, capacidade de
articulação e humildade. Movida, porém, pela megalomania de Lula, inspirada
pela ideologia perniciosa de Celso Amorim, a diplomacia presidencial se choca
com a realidade da maneira mais grotesca, e dos destroços de um sonho resta
apenas uma massa incôngrua de delírios.
Em questões em que o Brasil tem escassa
capacidade de influência, como a governança global ou a geopolítica na Europa
ou no Oriente Médio, Lula foi grandiloquente, mas oscilou entre quimeras
irrealistas e o mais bruto cinismo. Onde o Brasil poderia dar exemplos de
responsabilidade e liderança, como no meio ambiente ou na geopolítica
latino-americana, foi omisso – e também cínico.
Que espetáculo deprimente foi ver jovens
lideranças como os presidentes da Ucrânia ou do Chile passando descomposturas
em Lula. Ao sugerir que, se Volodmir Zelenski fosse “esperto”, aceitaria a
proposta de paz de Brasil e China, Lula se prestou a garoto de recados de um
“chefe mafioso” (como disse na ONU o chanceler britânico, David Lammy, sobre
Vladimir Putin). Zelenski eviscerou o plano sino-brasileiro como aquilo que é –
uma proposta de capitulação da Ucrânia –, questionou o “verdadeiro interesse”
do Brasil e insinuou que o de Lula é uma ambição narcisista de ser premiado com
um Nobel da Paz. Bingo.
Em uma cúpula “pela democracia” e “contra o
extremismo” promovida pelo Brasil, esvaziada e só com lideranças de esquerda, o
chileno Gabriel Boric desmoralizou sem meias palavras a pusilanimidade de Lula
em relação à Venezuela e outras ditaduras.
As lideranças democráticas talvez até tenham
visto com condescendência as platitudes de Lula sobre a “reforma da ONU” e suas
promessas de liderá-la, mas se frustraram com sua evasão sobre a questão mais
premente na América Latina, o recrudescimento da ditadura de Maduro, e com o
vácuo de ofertas do Brasil em relação ao meio ambiente que não literalmente
“apagar incêndios”. E certamente estão desconfiadas de seu alinhamento com
China e Rússia.
Eis a dura verdade: para China, Rússia, Irã e
outras autocracias, Lula não passa de um “idiota útil”; para o Ocidente, ele é,
na melhor das hipóteses, um fanfarrão inútil, e, na pior, um ressentido cínico.
Não há pontes firmes a construir nem negociações sérias a encampar com tão
leviana e irrelevante figura. Talvez a mais eloquente imagem do tour de
Lula por Nova York tenha sido o momento em que a organização de uma cúpula
ironicamente chamada “do Futuro” se viu obrigada a cortar o seu microfone por
estouro de tempo, e o envelhecido líder progressista foi deixado gesticulando
aos quatro ventos, falando sozinho, aos ouvidos de ninguém.
O uso dos fundos como disfarce fiscal
O Estado de S. Paulo
Ao recorrer a fundos públicos e privados para
retirar despesas do Orçamento, governo Lula dá passo arriscado em direção a
novas pedaladas fiscais, desmoralizando o arcabouço fiscal
Diligente quando o assunto é ludibriar os
limites impostos pelo arcabouço fiscal, o governo Lula da Silva tem ampliado o
uso de fundos públicos e privados para elevar gastos escapulindo do Orçamento.
A prática é contestada por economistas que apontam no escape do governo uma
forma de mascarar o resultado fiscal enquanto o endividamento público – cuja
contenção é o objetivo maior do arcabouço – continua a subir no mundo real.
O artifício serve também para facilitar a
concessão de crédito barato, uma forma imprudente e arriscada de robustecer o
desempenho econômico pelo consumo. São mais de 200 fundos em operação no
Brasil, alguns com recursos bilionários. Com aval de leis aprovadas pelo
Congresso Nacional, o governo está usando parcela significativa desse dinheiro
para financiar despesas públicas que não seriam permitidas na programação
orçamentária sem uma contrapartida arrecadatória.
Recente reportagem do Estadão listou
três iniciativas que, no intervalo de poucos dias, aumentaram a lista dos
“disfarces orçamentários”: a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de projeto
que autoriza a União a aumentar em até R$ 4,5 bilhões a sua participação no
Fundo de Garantia de Operações (FGO); o uso de até R$ 20 bilhões do superávit
financeiro do Fundo Social para crédito na mitigação das mudanças climáticas; e
o uso de R$ 5 bilhões do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) no socorro às
companhias aéreas.
São fundos públicos de direito privado, ou
seja, foram criados por lei com especificação da fonte de recursos e são
subordinados a um órgão da administração federal. Ao usá-los em programas de
incentivo que obrigatoriamente caberiam ao Orçamento federal, o governo dá uma
volta na contabilidade oficial. Trata-se, portanto, de burla aos instrumentos
de fiscalização e controle do cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Qualquer semelhança com as pedaladas fiscais
do governo Dilma Rousseff, que acabaram levando ao processo de impeachment,
pode não ser mera coincidência. Naquela época, pródigo em contabilidade
criativa, o governo atrasou deliberadamente repasses do Tesouro Nacional para a
Caixa Econômica Federal (CEF) fazer o pagamento do seguro-desemprego e, na
prática, a Caixa pagou programas sociais em nome do governo. O Banco do Brasil
também assumiu em seu balanço os custos de subsídios agrícolas concedidos pelo
governo. O Tesouro emitiu títulos para capitalizar o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O Fundo de Garantia de Operações (vinculado
ao Banco do Brasil) e o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI, administrado
pelo BNDES) têm como principal função facilitar a tomada de crédito por
empresas menores, oferecendo garantia às operações. O Fundo Nacional de Aviação
Civil, de natureza contábil e financeira, existe para fomentar o
desenvolvimento do sistema nacional de aviação civil, aplicando recursos em
manutenção e aperfeiçoamento da infraestrutura aeroportuária pública, mas, pelo
projeto de socorro às aéreas, poderá financiar inclusive a compra de querosene
de aviação na Amazônia Legal.
Para o ex-ministro de Dilma e atual diretor
de Planejamento e Relações Institucionais do BNDES, Nelson Barbosa, recorrer
aos fundos é pertinente diante da necessidade de investir na mitigação dos
efeitos da mudança climática e em infraestrutura social. É mais um no governo a
usar a questão do clima como desculpa para driblar as amarras fiscais.
Ao Estadão, o pesquisador do Insper
Marcos Mendes relatou que as manobras que contornam o Orçamento tornam sem
sentido o próprio arcabouço: “Eu até posso fazer um resultado significativo,
mas a dívida pública seguirá crescendo, por conta dos gastos que estão ‘vazando’
nesta via financeira”. Depois de sanadas as urgências para as quais os recursos
dos fundos foram solicitados, eles deveriam, em teoria, retornar ao Tesouro. Na
prática, como se sabe, não voltam.
Aneel do lado certo da história
O Estado de S. Paulo
Técnicos da agência recomendam rejeitar o
plano dos irmãos Batista para assumir Amazonas Energia
A área técnica da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) recomendou a rejeição do plano apresentado pela Âmbar Energia,
do Grupo J&F, para assumir o controle da distribuidora Amazonas Energia.
Técnicos especializados na área concluíram que a empresa dos irmãos Joesley e
Wesley Batista não será capaz de solucionar os problemas crônicos daquela
concessão.
Por meio de uma medida provisória, o governo
Lula da Silva flexibilizou obrigações e vários dos indicadores que precisam ser
cumpridos para voltar a atender o Estado com qualidade e em um prazo adequado.
Mas os termos da proposta elaborada pela Âmbar não atendem a esses requisitos
mínimos, segundo a Aneel.
E, a seguir por esse caminho, os consumidores
brasileiros terão de arcar com um custo de R$ 15,8 bilhões nas contas de luz
para que os irmãos Batista possam “salvar” a concessão, quase o dobro do
previsto pelos técnicos da agência. Não parece razoável, e é por isso que eles
recomendaram a caducidade da concessão e a realização de um leilão para
selecionar um novo operador.
A área de atendimento – no caso, todo o
Amazonas – é extremamente desafiadora. O Estado tem grande extensão
territorial, vastas áreas remotas e cobertas por florestas e níveis alarmantes
de furto de energia em Manaus.
Não se trata de uma questão de capital
público ou privado. Nem a Eletrobras, que ficou responsável pela concessão por
quase 20 anos, quando ainda era controlada pela União, nem a Oliveira Energia,
única a disputar a Amazonas Energia no leilão de privatização realizado em
2018, conseguiram vencer esses desafios.
Foi também com base nessas experiências
prévias que a Aneel considerou o plano da Âmbar insuficiente para resolver de
vez os problemas da concessão. É preciso ter expertise para assumir um ativo de
distribuição, sobretudo no Amazonas, algo que a Âmbar não detém, uma vez que
atua nas áreas de geração e comercialização de energia.
Ninguém nega que é preciso encontrar uma
solução para a Amazonas Energia, mas isso não significa que ela deve ser
entregue a qualquer custo, como parece ser a intenção do ministro Alexandre
Silveira. Problemas complexos requerem soluções estruturadas e pensadas para
evitar a repetição de erros do passado.
Não passou despercebida a estranha
coincidência entre as datas da edição da medida provisória sobre a Amazonas
Energia e o anúncio da compra, pela Âmbar, de termoelétricas da Eletrobras
localizadas em Manaus e que há meses tomam calote de seu único cliente, que vem
a ser ninguém menos que a Amazonas Energia.
Para coroar o episódio, a Justiça Federal do
Amazonas achou por bem intervir no processo e decidiu, por meio de liminar,
obrigar a Aneel a aprovar imediatamente a proposta da Âmbar pela distribuidora,
como se a agência reguladora não tivesse autonomia.
Pelo andar da carruagem, é bem possível que todos os riscos apontados pelos técnicos da Aneel sejam ignorados pelo governo, que as questões da Amazonas Energia não sejam resolvidas e que a distribuidora volte a ser um problema no setor elétrico mais cedo do que se imagina. Desta vez, ninguém poderá alegar surpresa.
Correio Braziliense
Não é por acaso que todo bebê nascido no
Brasil faz, ou deveria fazer, o teste do coraçãozinho, geralmente realizado
entre 24 e 48 horas após o parto
Responsáveis por 30% das mortes no país, os
problemas cardiovasculares nem sempre (ou quase nunca) despertam preocupação
entre os brasileiros. Mas deveriam ser motivo de mais atenção. Relatório da
Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que, no Brasil, 45% dos adultos entre
30 e 79 anos são hipertensos, o equivalente a cerca de 51 milhões de pessoas,
sendo que a média global é de 33%. Desse total, 62% são diagnosticados e apenas
33% têm a pressão arterial controlada.
Não é somente a hipertensão a grande vilã,
culpada por todos esses óbitos. A verdade é que os brasileiros em geral são
relapsos com a saúde, bem ao estilo "deixa a vida me levar". Essa
falta de cuidados — e aqui incluem-se homens e mulheres de todas as
faixas etárias, econômicas e sociais — contribui para o aumento dos casos de
infarto e insuficiência cardíaca. Se formos contabilizar ainda os maus hábitos,
como sedentarismo, consumo exacerbado de álcool, ansiedade e estresse, pode-se
dar adeus ao coração saudável.
Além de urgente, esse tema precisa fazer
parte de nossas vidas desde o nascimento. Não é por acaso que todo bebê nascido
no Brasil faz, ou deveria fazer, o teste do coraçãozinho, geralmente realizado
entre 24 e 48 horas após o parto. Esse exame detecta qualquer malformação ou
cardiopatias congênitas no coração do recém-nascido. Havendo quaisquer
alterações, o bebê passa por exames mais aprofundados, como o
eletrocardiograma.
Na fase adulta, monitorar a pressão arterial
deve fazer parte da rotina. Os especialistas alertam, inclusive, para a
observação de sintomas, como dores no peito, suor excessivo e falta de ar,
especialmente no caso dos homens, e para dores nas costas, na mandíbula,
náuseas, além de um cansaço extremo, no caso das mulheres.
Um aspecto que tem despertado a curiosidade
das pessoas é a relação entre as doenças do coração e a higiene bucal, momento
em que medicina e odontologia se misturam. Doenças da gengiva aumentam o risco
para ataques cardíacos ou derrames. Gengivite ou periodontite são porta de
entrada para aterosclerose, arritmias, acidente vascular cerebral (AVC) e
infarto.
Segundo a American Heart Association, a
inflamação crônica das gengivas pode estar associada ao aumento da pressão
arterial e à doença arterial coronariana. Em alguns casos, bactérias
decorrentes de procedimentos odontológicos podem causar infecção ou sangramento
bucal e ir direto para a corrente sanguínea, alcançando as válvulas cardíacas
ou outras estruturas do coração. Resultado: endocardite infecciosa.
Fato é que, se o brasileiro se preocupa pouco com a saúde geral, a saúde bucal não fica atrás. Medidas simples evitariam grande parte dos problemas cardiovasculares, mas poucos se habilitam a implantá-las. Alimentação equilibrada, atividade física, ida frequente ao dentista e um cuidado maior com a saúde mental fazem parte do combo para a longevidade.
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