Valor Econômico
Conjuntura se diferencia não tanto pelo fiscal expansionista ou pelo mercado de trabalho forte, quanto pelo fato de ocorrerem em paralelo, diz Fernando Montero
A economia brasileira passa por um momento de expansionismo fiscal e aquecimento do mercado de trabalho, com alta expressiva do nível de ocupação e da renda. Esse cenário impulsiona a atividade econômica, levando os analistas a projetar um crescimento do PIB no segundo trimestre perto de 1% em relação ao primeiro e de 2,5% ou até mais neste ano [ler mais em PIB pode trazer nova surpresa positiva no 2º tri, estimam economistas). Essa combinação de impulso das contas públicas, especialmente por meio de transferências de renda, e robustez do mercado de trabalho deverá perder força mais à frente, o que obviamente terá efeito sobre o ritmo da economia. Reduzir incertezas, para ter uma cotação mais baixa do dólar e retomar a ancoragem das expectativas de inflação, é fundamental para que a política monetária não jogue com força contra a atividade, num momento em que o estímulo fiscal deverá perder o ímpeto e o emprego e a renda terão menor dinamismo.
O economista-chefe da corretora Tullett
Prebon, Fernando Montero, tem chamado a atenção para esse quadro de “enorme
expansionismo fiscal” combinado a “um mercado de trabalho aquecido e de rápida
recomposição das perdas salariais”, resultando num “tsunami de rendas das
famílias na economia”. Com base nos números mais recentes do Tesouro, Montero
observa que o gasto primário do governo central, que não inclui despesas com
juros, cresceu 14,9% nos 12 meses encerrados em junho na comparação com os 12
meses anteriores, já descontada a inflação. É um ritmo poucas vezes alcançado
na série iniciada em 1997, como na pandemia da covid, nota ele.
No caso dos rendimentos, Montero destaca o
comportamento da Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias, um agregado
calculado pelo Banco Central (BC). Em sua versão restrita, o indicador reúne
rendimentos do trabalho, benefícios previdenciários e transferências de
programas sociais, excluindo recursos de aluguéis e aplicações financeiras,
além de descontar gastos com impostos.
Montero faz uma desagregação da renda do
trabalho e das transferências e benefícios fiscais (como programas sociais e
aposentadorias). A massa de rendimentos do trabalho está em nível recorde,
incluindo aí os funcionários públicos da ativa, que entram nas estatísticas da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Já os benefícios
previdenciários e transferências de programas sociais retomam o pico atingido
na pandemia, diz ele.
Montero observa que, nos 12 meses até julho,
o conjunto da renda disponível das famílias, no conceito restrito, sobe 18,3%
acima da inflação em comparação com 2019, o ano anterior à pandemia.
Desagregando os números, os rendimentos do trabalho avançaram 11% nesse
período, enquanto as transferências e benefícios cresceram 31,2%, nos dois
casos também descontada a inflação, calcula ele. São números que explicam a
força da renda e do consumo, resume Montero.
“A conjuntura se diferencia não tanto pelo
fiscal expansionista ou pelo mercado de trabalho forte, quanto pelo fato de
ocorrerem em paralelo”, afirma ele, em relatório. “O desemprego em mínimos
históricos vem juntamente a um dos piores déficits primários fora da pandemia.”
Na sexta-feira, foram divulgados os números do mercado de trabalho dos três
meses até julho e o resultado fiscal do setor público consolidado de julho. A
taxa de desemprego no trimestre até julho ficou em 6,8%, a menor para o período
desde o começo da série, em 2012. Já o déficit primário nos 12 meses até julho
ficou em 2,29% do PIB, ou R$ 257,7 bilhões, no caso do setor público
consolidado, que engloba União, Estados, municípios e empresas estatais, com
exceção de Petrobras e Eletrobras. No caso do governo federal, o rombo é ainda
maior - 2,42% do PIB, ou R$ 271,7 bilhões.
Dado o tamanho do impulso fiscal e da força
do mercado de trabalho, há uma força que segura um crescimento ainda mais
forte, na visão de Montero. Para ele, é a combinação da política monetária, com
juros elevados, e das condições financeiras (o conjunto formado por indicadores
como câmbio, juros futuros, bolsa de valores e risco país). “O empurrão de
rendas hoje dá enorme impulso que os juros suavizam, mas amanhã precisaremos de
espaço para cortar [a taxa de juros]. Até lá, é imperativo que expectativas fiscais
e monetárias não dinamitem o cenário para taxas mais baixas”, diz Montero.
Nos próximos meses, o expansionismo fiscal
deverá diminuir - o consenso de mercado aponta para um déficit primário de
0,65% do PIB no acumulado de 2024, e hoje o rombo roda na casa de 2,3% a 2,4%
do PIB em 12 meses. Além disso, o mercado de trabalho em algum momento deverá
perder fôlego. Desse modo, é fundamental preservar o terreno para juros
menores, segundo ele.
“O pior dos mundos é um ajuste parcial e
pouco crível que combine o contracionismo fiscal com a desancoragem monetária”,
adverte Montero.
Hoje, a discussão é se o Banco Central (BC)
vai aumentar os juros, que já estão elevados. O dólar caro e as expectativas de
inflação desancoradas, com dúvidas sobre o quadro fiscal, apontam para altas da
Selic neste ano. Reduzir as incertezas sobre as contas públicas e sobre a
atuação do BC a partir de 2025, com a mudança no comando da instituição, seria
importante para evitar um novo aperto monetário, ou no mínimo para impedir que
ele seja forte e prolongado. Como o resultado das contas públicas deverá ser
menos expansionista nos próximos meses e o mercado de trabalho tende a perder
gás, a economia poderá sofrer uma desaceleração mais acentuada num ambiente de
juros mais altos.
O governo ainda pode agir para que esse
quadro não se materialize. No entanto, a falta de disposição para enfrentar
estruturalmente o ajuste fiscal pelo lado das despesas, o que seria essencial
para reverter expectativas negativas, indica que isso não deverá ocorrer.
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