Correio Braziliense
As eleições municipais tendem a reduzir a
reduzida capacidade de os políticos se preocuparem com o país. É mais
importante produzir frases de efeito, atacar o oponente e ter o cuidado de não
fixar nenhuma promessa na mente do eleitor
Coivara: substantivo feminino, quantidade de ramagens a que se põe fogo nas roçadas para desembaraçar o terreno e adubá-lo com as cinzas, facilitando a cultura; fogueira. Os melhores dicionários explicam o que é coivara. O hábito de limpar o terreno com fogo é muito antigo e tradicional no Brasil. Os índios faziam, e ainda fazem isso, nas suas áreas para afastar bichos e limpar o terreno. Os fazendeiros praticam. Além disso, há quem coloque fogo no mato para proteger a propriedade. É o fogo contra fogo, entre um e outro, constrói-se um acero — área capinada de três ou quatro metros de largura para impedir a progressão do incêndio.
A seca é tradicional e regular no
Centro-Oeste brasileiro. Ela também se manifesta com maior ou menor intensidade
na Amazônia. No Nordeste, ela não é episódica. É um fenômeno mais longo e
permanente. Enfim, o país é assolado por fenômenos naturais de diversos
matizes, e o pessoal que estuda o meio ambiente deveria saber o que está
ocorrendo nesses dias no enorme território brasileiro. Aliás, as queimadas não
respeitam fronteiras, invadiram Bolívia e Peru, na América do Sul. E todos os
anos abalam os alicerces da poderosa Califórnia e, vez por outra, assustam os
portugueses. Queimada não é privilégio brasileiro.
É espantosa a quantidade de frases lançadas
ao vento pelas autoridades brasileiras. Segundo elas, os incêndios verificados
em São Paulo, nos dois Mato Grosso, na Amazônia foram consequências de
incêndios ilegais, ou criminosos. É difícil imaginar que a oposição, ou grupos
de criminosos, previamente instruídos, tenham sido distribuídos pelo território
nacional com caixa de fósforos na mão para incendiar fazendas. Para queimar,
inclusive, a produção que estava perto de ser colhida e proporcionar prejuízos
colossais. É ridículo apontar o dedo para eventual criminalidade e esquecer a
rigorosa seca que assola a maior parte do território nacional. O mato seco, com
vento forte, oferece combustível ideal para o fogo se propagar. Em vez de
prevenir, é mais fácil jogar a culpa em incendiários anônimos.
Os comentários públicos, sem qualquer
reflexão anterior, estão colocando o presidente da República numa posição
estranha. Ele está se transformando na própria crise. Lula não precisava fazer,
de público, críticas à atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) na liberação de novos remédios. Não sei se a crítica é, ou não,
procedente. Sei que o presidente pode pegar o telefone e fazer a crítica
pessoalmente. Sem dar publicidade ao fato. Pela falta de reflexão prévia, levou
uma resposta desaforada e bem fundamentada.
No caso da Venezuela, a situação está
desagradável. Nicolás Maduro faz o que quer, mente, trapaceia, não cumpre
acordos, e o presidente brasileiro segue falando em negociar. Insiste em nova
eleição, tese repudiada por governo e oposição. Perdeu a credibilidade nos dois
lados. Ainda foi chamado de lacaio do imperialismo ianque. Não precisava ouvir
isso.
As críticas à Vale também foram além do
razoável. A empresa seria, segundo ele, um cachorro sem dono, a quem ninguém dá
comida ou água. A Vale vai muito bem, disputa com empresa australiana o título
de maior mineradora do mundo, tem negócios em vários pontos do planeta.
Administra a estrada de ferro Carajás, que exporta mais de 200 milhões de
toneladas de minério de ferro/ano. As críticas presidenciais se originam do
fato de que ele não conseguiu colocar seu protegido em posição relevante na
empresa. Ele também não digere a privatização da Eletrobras. E faz profissão de
fé a favor de empresas estatais que, historicamente, são ineficientes e
deficitárias. Pretende ressuscitar a velha Telebras.
As eleições municipais tendem a reduzir a
reduzida capacidade de os políticos se preocuparem com o país. Ninguém enxerga
a próxima geração. Nesse momento, é mais importante produzir frases de efeito,
atacar o oponente e ter o cuidado de não fixar nenhuma promessa na mente do
eleitor. O presidente precisa falar ao lado de seus candidatos na
tentativa de sensibilizar o povo. As perspectivas eleitorais do PT nas grandes
cidades não são favoráveis. É razoável que ele diga o que, supostamente, o
eleitor quer ouvir.
Ele afirma, por exemplo, que a Telebras poderá produzir inteligência artificial de melhor qualidade que empresas estrangeiras. Sonho. Não há técnica, investimento, conhecimento e know-how para conseguir o milagre de o Brasil liderar nesse complexo setor da inteligência artificial. Chineses e norte-americanos estão numa corrida frenética para conseguir autonomia no setor. O Brasil, anos atrás, experimentou a reserva de mercado na informática com objetivo de desenvolver esse segmento no país. Conseguiu apenas aumentar o contrabando de computadores e equipamentos de informática produzidos no exterior.
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