Os estudiosos do pensamento político brasileiro ainda tem muito que contribuir nas análises do cenário eleitoral municipal em 2024 ao revisitarem as considerações do saudoso professor Luiz Werneck Vianna no ensaio “Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos**. Mais do que referendar uma polarização entre dois campos interpretativos, o autor demonstra como melhor interpretar nosso país poderia nos auxiliar no desafio da previsão em política. Segundo ele,
“Decerto que nos originamos de uma espécie peculiar de Ocidente, a chamada ‘opção ibérica’, como analisou Morse em seu fecundo O espelho de Próspero, a carga de pragas, segundo os liberais, que nos teria interditado o caminho progressista e libertário da região ao norte do nosso continente. Filhos diletos do capitalismo mercantil, não fomos postos no mundo por uma história sem intenções. Nas palavras da forte ensaística de Angel Rama, aqui o ideal precedeu o material; o signo, as coisas; o traçado geométrico do plano, as nossas cidades; e a vontade política de explorar, o sistema produtivo.”***
A denúncia da persistência da herança do
iberismo não é uma novidade na história política brasileira e muitos observaram
esses ventos nas origens do Partido dos Trabalhadores nos anos 80 em que seu
“sindicalismo de resultados” que maximizava os ganhos econômicos dos
trabalhadores as margens de uma aceitação da institucionalidade política,
denunciada como continuidade do “getulismo”, permitiu se embrenhar nas
periferias das entidades orgânicas de muitas capitais. A materialidade da vida
real acelerada pelos postulados do liberalismo anglo-saxão.
Em especial, São Paulo, aonde em 1988 o
Partido dos Trabalhadores ascendeu ao poder pela via eleitoral com a eleição de
Luiza Erundina, passou por diversas mutações desse perfil “americanista” até
chegar a sua versão “sem freios” na campanha de Pablo Marçal. No mundo das
ideias e considerações da política as “moedas sociais” para promover
iniciativas empreendedoras fizeram a fermentação dessas forças extremadas à
direita. Portanto, as linhas interpretativas sobre as eleições municipais em
São Paulo pelo viés da validação de uma polarização entre um suposto
“bolsonarismo” versus o suposto “lulismo” caem no vazio diante do
reconhecimento dessa emergência do elo subalterno do “americanismo”.
Se o pressuposto de Gramsci de que o
americanismo em política seria o ponto de formação do fascismo, as nossas
considerações sobre as próximas eleições em São Paulo nos permitem recordar que
os valores do mercado aflingem os eleitores conservadores uma vez que
testemunham nele a desagregação de seu reconhecimento na ordem social vigente.
As narrativas por vias de uma identidade de periferia muito mais alimentou esse
“moinho satânico” que as pesquisas eleitorais anunciam a cada dia. O culto da
personalidade nos apelos de uma fantasiosa “nova classe média” por uma década
nos primórdios desse século nos levou a esse cenário que favorecerá quem tiver
menos rejeição entre os eleitores conservadores, mas desejosos de programas
sociais.
As matrizes eleitorais que elegeram Jânio Quadros, Paulo Maluf e Celso Pitta fazem parte de um “campo conservador” do contrapeso do iberismo. Seu apelo centralizador e autoritário não permite sua fácil captura pelas manifestações “anarco-capitalistas” desse salvacionismo individualista presente no apelo da candidatura de Pablo Marçal. Lembremos que o Maluf lançou um programa de habitação popular, o Cingapura, e o Leve Leite foi sua contribuição pré-histórica ao “Fome Zero” entre os paulistas. O mito da polarização do eleitorado empurra esse eleitorado para um bloco político distante da Frente Democrática que dialoga com os setores conservadores do campo democrático. Consequentemente, as movimentações das placas tectônicas nos eleitores mais pobres sinalizadas na recente pesquisa do DATAFOLHA (05/09) sugerem que a face popular do suposto “lulismo” reeditará o resultado 2022 pela via do voto diante da “cegueira” dos dirigentes políticos do campo da esquerda.
* Doutorando do PPGCP-UNIRIO.
** O ensaio se encontra em Vianna, Luiz
Werneck – A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Revan.
Rio de Janeiro. 1997. Livro que mereceria uma justa homenagem quando chegar aos
30 anos de lançamento.
***Idem, pp. 125-126.
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