segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Direita e esquerda no Brasil do século XXI - Bruno Carazza

Valor Econômico

Resultado das eleições legislativas mostram um eleitorado em mutação e em disputa em ambos os campos

Mais uma eleição se encerra. Partidos celebram seus eleitos e minimizam a frustração das derrotas. Apesar de as fotografias dos prefeitos eleitos nas principais capitais ocuparem as principais páginas da edição de hoje dos jornais, o importante mesmo é não perder de vista o filme que se desenrola ano após ano. No enredo da política brasileira neste século, temos um “plot twist”, além de personagens principais saindo de cena e dando lugar a novos protagonistas.

Para mostrar a evolução da disputa política neste século, calculei o percentual de votos que cada partido conquistou para o Legislativo - seja ele municipal, estadual ou federal. Eu gosto desta variável porque ela demonstra a força da legenda como um todo, e não apenas a dos candidatos para o Executivo, que tem um forte cunho personalista. Para além de medir a preferência dos eleitores, o número total de votos para o parlamento também reflete a capacidade de cada agremiação em atrair puxadores de votos para seus quadros.

Para ter uma visão geral da trajetória de votos entre os partidos brasileiros, interpolamos as eleições para o Legislativo municipal com os pleitos para deputado federal nos gráficos.

Como tendência geral, percebe-se que a esquerda é mais forte nas eleições nacionais do que nas locais (as votações nos Estados em geral ficam no meio das duas). Outro fato que chama a atenção é que o centro e a direita vêm ganhando força na preferência do eleitorado brasileiro desde o início da década passada, em detrimento das legendas de esquerda.

No pleito de 2010, que marca o encerramento dos dois primeiros mandatos de Lula na Presidência da República, as siglas de esquerda (PT, PDT, PSB, Psol, Rede, PV e outras menores) atingiram o pico de votação para a Câmara dos Deputados, com 36,8% do total de votos. Desde então, esse campo entrou em declínio, até chegar aos 21,1% alcançados no somatório dos votos para vereadores neste ano - menor nível observado pelo bloco desde 2000.

Fenômeno reverso é observado pelo conjunto de partidos de centro e à direita, que obtiveram neste ano seu melhor desempenho (78,9%), patamar mais alto até mesmo do que o verificado durante a gestão tucana de FHC e antes da ascensão do PT.

É interessante observar, porém, como se dá a correlação de forças em cada um desses grupos. À esquerda, a reabilitação eleitoral de Lula em 2022 fez com que os petistas atingissem uma participação no total de votos na esquerda para deputado federal (47,2% em 2022) e para as Câmaras Municipais (31% em 2024) bastante próximos da média do partido antes da eclosão da Lava-Jato.

Já ao centro e à direita a dinâmica é bem mais complexa. No início do século, a tríade PSDB, (P)MDB e PFL (depois DEM e agora União Brasil) chegou a ser responsável por 50% dos votos que não eram de esquerda nas eleições locais (2000) e mais de 60% na votação para a Câmara (2002).

Com a derrocada do PSDB, a emergência do bolsonarismo e a força do Centrão turbinada pelas emendas orçamentárias, o campo da centro-direita e da direita encontra-se bem mais fragmentado. No total dos votos para vereador deste ano, seis partidos tiveram quinhões bastante representativos: MDB (10,3% do total), PSD (9,4%), PP (9,2%), PL (9,1%), União (8,4%) e Republicanos (7,4%).

Com a esquerda em baixa, mas ainda liderada pelo PT, e a direita em ascensão, porém dividida, começa hoje a ser escrito o episódio 2026 desta emocionante série da política brasileira.