Valor Econômico
E mostrou alguns limites àqueles que querem
se colocar como candidatos antissistema
A eleição de São Paulo, marcada pela
participação do influenciador Pablo Marçal (PRTB) e seus condenáveis métodos,
apresentou um novo desafio à chamada “política tradicional”. Mas, por outro
lado, também mostrou alguns limites àqueles que querem se colocar como
candidatos antissistema.
Em geral, o pleito municipal de 2024 teve
poucos “outsiders”. A máquina mostrou sua força, tanto na reeleição de
prefeitos que estavam à frente de caixas robustos como no impulsionamento de
candidaturas do Centrão por emendas parlamentares ao Orçamento. Uma leva de
governadores novamente fez a diferença.
Ainda assim, alguns personagens tentaram mais uma vez catalisar o sentimento de aversão à política que teve como marco as jornadas de junho de 2013.
Justiça poderia ter sido mais célere ao
avaliar questionamentos às candidaturas
Cerca de 11 anos atrás, milhares de pessoas
foram às ruas de todo o país para protestar, em um primeiro momento, contra o
aumento do valor das passagens do transporte público. O movimento avançou em
razão da insatisfação com a baixa qualidade dos serviços públicos, a conjuntura
econômica do país e casos de corrupção que acumulavam.
A cena política nunca mais foi a mesma. Na
sequência, veio a Operação Lava-Jato, que atingiu em cheio o governo federal e
lideranças de diversos partidos. O azedume gerou um sentimento antipetista, do
qual se aproveitaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e figuras sem tradição
na política.
Com razão, um experiente marqueteiro que está
atuando na eleição de São Paulo argumenta que Marçal se apoderou de um
receituário comum a candidatos de partidos pequenos. Dessa estratégia, também
colocada em prática por Bolsonaro em 2018, constam as críticas ao uso do fundo
eleitoral e a adoção das redes sociais em função da falta de tempo de
propaganda em rádio e televisão.
A mesma fonte pondera que Marçal só conseguiu
se destacar por causa das fragilidades da candidatura à reeleição de Ricardo
Nunes (MDB). Dessa forma, não seria possível concluir que a política
tradicional estaria sendo colocada à prova em outras partes do país.
É verdade. Porém, alguns aspectos demandam
reflexão.
A Justiça poderia ter sido mais célere ao
avaliar questionamentos sobre o cumprimento de requisitos legais pela
candidatura de Marçal, como o prazo de filiação exigido pelo seu próprio
partido e o seu patrimônio declarado. Ela tampouco soube lidar com a sua
habilidade na gestão de redes sociais. Quando teve perfis suspensos por
monetização irregular, o postulante do PRTB fez troça: disse que uma conta nova
com a adesão rápida de seguidores seria agraciada pelo algoritmo com mais
engajamento.
Seu comportamento nos debates também chamou
atenção. De forma reiterada, desrespeitou regras e provocou adversários. Em
outro momento lamentável que marcou a disputa, foi atingido por uma cadeirada
por José Luiz Datena (PSDB).
A agressividade de Marçal em relação aos
marqueteiros, profissionais sempre identificados com os grandes partidos e seus
candidatos, também resultou em ataque físico. Desta vez, de um integrante de
sua campanha contra um auxiliar de Nunes, seu principal rival na busca pelos
votos dos eleitores de direita. Ainda há discussão se o caso é fruto de um
destempero pontual ou se foi algo calculado para dar tração à campanha.
Na década de 1970, o sociólogo Mark
Granovetter, da Universidade de Stanford, formulou um modelo para explicar o
que leva uma pessoa a fazer algo que parece estar em desacordo com o que ela é
ou com o que pensa ser certo.
A teoria é utilizada, por exemplo, para
explicar como são desencadeadas revoltas populares. Diferentemente de outras
linhas de pensamento, segundo as quais a multidão seria capaz de mudar a crença
das pessoas ou fazê-las reavaliarem custos e benefícios, Granovetter sustentou
que seria um equívoco avaliar o processo de tomada de decisão de cada pessoa
separadamente.
Isso porque as pessoas passam a agir a partir
do momento em que existe um número suficiente, na avaliação delas, para que se
sintam também confortáveis a aderir a um movimento. Dessa forma, uma revolta é
iniciada por um agitador e seguida por quem tem um limiar igual a “um”. Estes
são seguidos por aqueles com limiar de “dois”, instigador e cúmplice, e assim
por diante até que se forme um grupo heterogêneo que varia do primeiro atirador
de pedra a um “cidadão de bem”.
Esse modelo teórico também é aplicado para
explicar questões do dia a dia, por exemplo a mobilização de uma greve e como
uma festa fica vazia. Ou analisar eleições.
Marçal foi testando limites. Às vésperas do
pleito, divulgou um documento falso para atacar Guilherme Boulos (Psol). Além
de um ato que precisará ser analisado com rigor pela Justiça, cometeu um erro
tático e perdeu votos valiosos. Demonstrou que parte relevante dos eleitores
que condenam o sistema não está disposta a participar de um vale-tudo. A
revolta pregada por Marçal não ocorreu, mas suas práticas não podem ser
ignoradas.
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