segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Fernando Exman - Disputa em São Paulo trouxe novo desafio à política

Valor Econômico

E mostrou alguns limites àqueles que querem se colocar como candidatos antissistema

A eleição de São Paulo, marcada pela participação do influenciador Pablo Marçal (PRTB) e seus condenáveis métodos, apresentou um novo desafio à chamada “política tradicional”. Mas, por outro lado, também mostrou alguns limites àqueles que querem se colocar como candidatos antissistema.

Em geral, o pleito municipal de 2024 teve poucos “outsiders”. A máquina mostrou sua força, tanto na reeleição de prefeitos que estavam à frente de caixas robustos como no impulsionamento de candidaturas do Centrão por emendas parlamentares ao Orçamento. Uma leva de governadores novamente fez a diferença.

Ainda assim, alguns personagens tentaram mais uma vez catalisar o sentimento de aversão à política que teve como marco as jornadas de junho de 2013.

Justiça poderia ter sido mais célere ao avaliar questionamentos às candidaturas

Cerca de 11 anos atrás, milhares de pessoas foram às ruas de todo o país para protestar, em um primeiro momento, contra o aumento do valor das passagens do transporte público. O movimento avançou em razão da insatisfação com a baixa qualidade dos serviços públicos, a conjuntura econômica do país e casos de corrupção que acumulavam.

A cena política nunca mais foi a mesma. Na sequência, veio a Operação Lava-Jato, que atingiu em cheio o governo federal e lideranças de diversos partidos. O azedume gerou um sentimento antipetista, do qual se aproveitaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e figuras sem tradição na política.

Com razão, um experiente marqueteiro que está atuando na eleição de São Paulo argumenta que Marçal se apoderou de um receituário comum a candidatos de partidos pequenos. Dessa estratégia, também colocada em prática por Bolsonaro em 2018, constam as críticas ao uso do fundo eleitoral e a adoção das redes sociais em função da falta de tempo de propaganda em rádio e televisão.

A mesma fonte pondera que Marçal só conseguiu se destacar por causa das fragilidades da candidatura à reeleição de Ricardo Nunes (MDB). Dessa forma, não seria possível concluir que a política tradicional estaria sendo colocada à prova em outras partes do país.

É verdade. Porém, alguns aspectos demandam reflexão.

A Justiça poderia ter sido mais célere ao avaliar questionamentos sobre o cumprimento de requisitos legais pela candidatura de Marçal, como o prazo de filiação exigido pelo seu próprio partido e o seu patrimônio declarado. Ela tampouco soube lidar com a sua habilidade na gestão de redes sociais. Quando teve perfis suspensos por monetização irregular, o postulante do PRTB fez troça: disse que uma conta nova com a adesão rápida de seguidores seria agraciada pelo algoritmo com mais engajamento.

Seu comportamento nos debates também chamou atenção. De forma reiterada, desrespeitou regras e provocou adversários. Em outro momento lamentável que marcou a disputa, foi atingido por uma cadeirada por José Luiz Datena (PSDB).

A agressividade de Marçal em relação aos marqueteiros, profissionais sempre identificados com os grandes partidos e seus candidatos, também resultou em ataque físico. Desta vez, de um integrante de sua campanha contra um auxiliar de Nunes, seu principal rival na busca pelos votos dos eleitores de direita. Ainda há discussão se o caso é fruto de um destempero pontual ou se foi algo calculado para dar tração à campanha.

Na década de 1970, o sociólogo Mark Granovetter, da Universidade de Stanford, formulou um modelo para explicar o que leva uma pessoa a fazer algo que parece estar em desacordo com o que ela é ou com o que pensa ser certo.

A teoria é utilizada, por exemplo, para explicar como são desencadeadas revoltas populares. Diferentemente de outras linhas de pensamento, segundo as quais a multidão seria capaz de mudar a crença das pessoas ou fazê-las reavaliarem custos e benefícios, Granovetter sustentou que seria um equívoco avaliar o processo de tomada de decisão de cada pessoa separadamente.

Isso porque as pessoas passam a agir a partir do momento em que existe um número suficiente, na avaliação delas, para que se sintam também confortáveis a aderir a um movimento. Dessa forma, uma revolta é iniciada por um agitador e seguida por quem tem um limiar igual a “um”. Estes são seguidos por aqueles com limiar de “dois”, instigador e cúmplice, e assim por diante até que se forme um grupo heterogêneo que varia do primeiro atirador de pedra a um “cidadão de bem”.

Esse modelo teórico também é aplicado para explicar questões do dia a dia, por exemplo a mobilização de uma greve e como uma festa fica vazia. Ou analisar eleições.

Marçal foi testando limites. Às vésperas do pleito, divulgou um documento falso para atacar Guilherme Boulos (Psol). Além de um ato que precisará ser analisado com rigor pela Justiça, cometeu um erro tático e perdeu votos valiosos. Demonstrou que parte relevante dos eleitores que condenam o sistema não está disposta a participar de um vale-tudo. A revolta pregada por Marçal não ocorreu, mas suas práticas não podem ser ignoradas.

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