Eleição municipal reflete a força da democracia no Brasil
O Globo
Sem distúrbios, 156 milhões elegeram
prefeitos e vereadores desafiando simplificações sobre eleitorado cindido
Quase 156 milhões de brasileiros tiveram
neste domingo a chance de escolher prefeitos e vereadores de 5.569 municípios.
De forma ordeira e pacífica, sem nenhum distúrbio notável, eleitores de todas
as orientações políticas puderam manifestar suas preferências por meio da
instituição mais sagrada da democracia, aquela que a define mais que qualquer
outra: o voto livre, secreto, concedido aos candidatos apenas de acordo com a
própria consciência.
Mais uma vez, confirmando o pioneirismo e a inovação do sistema eleitoral brasileiro, os resultados foram conhecidos no mesmo dia da eleição. As urnas eletrônicas, alvos de tantos ataques infundados e de uma repugnante campanha difamatória nos últimos ciclos eleitorais, novamente demonstraram por que o Brasil conta com o mecanismo de votação mais avançado do mundo, de acordo com estudiosos do tema. Os resultados que delas saíram ainda serão objeto de análise nos próximos dias, e o segundo turno daqui a três semanas promete novas surpresas. Antes disso, porém, é preciso reservar um momento de alegria para celebrar com orgulho mais uma festa da democracia.
Para trás ficaram — e ficarão ainda mais com
o passar dos dias — os casos reprováveis, sobretudo na campanha paulistana, de
fraudes, agressões e mendacidade até a undécima hora. A última barbaridade
cometida pelo candidato Pablo Marçal (PRTB)
foi a publicação de um laudo flagrantemente falso para sustentar a acusação
mentirosa de que seu adversário Guilherme
Boulos (PSOL)
usava drogas. A fraude foi condenada unanimemente pelos demais candidatos.
Trata-se de uma indignidade sem precedentes que precisa ser rechaçada,
investigada e punida. Atitudes assim não podem ser toleradas. É preciso haver
consequências para que não se generalizem. A maioria do eleitorado, madura e
bem informada, soube dar sua resposta ao candidato e levou ao segundo turno o
atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB),
e Boulos.
Diante das urnas, os eleitores nas filas que
se formavam deram mais uma aula de civilidade que tem muito a ensinar aos
candidatos. A voz deles demonstra que o Brasil é um país plural, capaz de
desafiar as simplificações que o reduzem a um embate fratricida, polarizado
entre direita e esquerda.
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
e o ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL)
procuraram manter certa distância da campanha, e o êxito de candidatos
associados a cada um se deu em geral mais por méritos próprios que em razão do
apoio de um ou outro. No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD)
se reelegeu com facilidade no primeiro turno, deixando em segundo plano o apoio
de Lula. Em Salvador, Bruno Reis (União)
também se reelegeu mantendo o apoio de Bolsonaro longe da campanha. No
Recife, João Campos (PSB)
foi reeleito em razão de uma administração competente, apoiada por políticos de
todos os matizes ideológicos.
As eleições municipais têm uma dinâmica
própria que desafia a polarização. Tanto Lula quanto Bolsonaro se revelaram
padrinhos menos eficazes do que gostariam. Candidatos alinhados com o centro
que fizeram governos bem avaliados, como Paes ou Campos, saíram vitoriosos logo
no primeiro turno. O segundo turno ainda pode trazer surpresas, mas o país se
mostra insatisfeito com os receituários ideológicos de direita ou esquerda e
pode buscar um caminho menos radicalizado no futuro.
Recuo de regimes democráticos continua
preocupante no mundo todo
O Globo
Mais de 70% da humanidade vive sob
autocracias. Brasil é um dos raros países que melhoraram, diz relatório
O último relatório do instituto sueco V-Dem
(Variedades de Democracia), vinculado à Universidade de Gotemburgo, constata o
recuo persistente da democracia liberal no planeta no ano passado. As médias
caíram aos níveis de 1985. “Desde 2009 — por 15 anos consecutivos — a parcela
da população mundial vivendo em países que se autocratizam supera aquela
vivendo em países que se democratizam”, afirma o relatório.
No ranking da democracia, Dinamarca e Suécia estão nos dois
primeiros lugares; Coreia do
Norte e Eritreia, nos dois últimos. Dos 60 países com eleições
nacionais neste ano, onde vive metade da população mundial, 30 degradam a
democracia, e apenas três — Macedônia do Norte, Maldivas e Tunísia — a
fortalecem.
O Brasil ocupa a 32ª posição numa relação de
179 países e merece um capítulo à parte no relatório de 2024, em que é
analisado o difícil momento político durante a eleição de 2022. O país aparece
como um dos poucos em que os indicadores melhoraram depois de passarem por
tendência negativa. “O Brasil mostra a importância de usar eleições como
‘eventos críticos’ para deter a autocratização”, dizem os autores. Ainda assim,
eles reconhecem que o país ainda “luta com o legado de polarização na sociedade
deixado pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro”.
Os 179 países acompanhados pelo V-Dem são
divididos, neste último relatório, em 91 democracias e 88 autocracias. Está sob
autocracias 71% da população mundial (5,7 bilhões de pessoas), crescimento de
48% nos últimos dez anos — China e Rússia contribuem para esse resultado. Nos
regimes classificados como autocracias eleitorais, caso de Turquia ou Hungria,
vivem 3,5 bilhões, ou 44% da população mundial. Apenas 29% (2,3 bilhões)
habitam democracias eleitorais (categoria em que são classificados Brasil e Argentina)
ou democracias liberais (como Estados Unidos, Canadá e países europeus).
Na América Latina, continente onde 86% vivem
em democracias eleitorais, apenas Chile e Uruguai, países com apenas 4% dos
latino-americanos, são considerados democracias liberais. Cuba, Nicarágua e
Venezuela recebem a devida qualificação de autocracias.
A censura à imprensa é um de 20 indicadores
usados para qualificar regimes políticos. A censura aos meios de comunicação
tornou-se mais dura nos últimos dez anos em 45 países. É o caso de El Salvador,
do populista e autocrata Nayib Bukele, e da Índia, onde o governo do
primeiro-ministro Narendra Modi tem usado leis sobre sedição, difamação e
terrorismo para perseguir inimigos políticos. O assédio a jornalistas tem
aumentado em 36 países.
O relatório do V-Dem é um alerta para os
democratas de todo o mundo, em particular do Brasil. É consistente a
recuperação democrática depois dos riscos trazidos pelo governo Bolsonaro (a
população brasileira responde por mais da metade do contingente global para o
qual indicadores melhoraram). Mas o recuo da democracia no resto do mundo
mostra que é sempre preciso estar atento. Não se pode relaxar na vigilância
contra candidatos a autocrata.
Consumo de petróleo cai, mas conflitos põem
em risco a oferta
Valor Econômico
Cotações certamente explodiriam caso o Irã
revidasse com o fechamento do Estreito de Ormuz
A ampliação da ofensiva de Israel no sul do
Líbano contra o Hezbollah e a retaliação do Irã pela morte de comandantes do
grupo xiita aliado de Teerã interromperam a calmaria nos preços do petróleo,
que haviam caído em setembro para abaixo dos US$ 70. A invasão a Gaza não foi
suficiente para causar sobressaltos no preço. O revide iraniano, com uma chuva
de duas centenas de mísseis sobre território israelense, levou o barril do
Brent a subir entre 8% e 10% na semana, ainda assim uma reação bem mais moderada
do que a esperada em um momento em que uma conflagração geral no Oriente Médio
pareceu muito próxima. Os mercados, e não só o do petróleo - dólar e ouro não
acusam nervosismo nem fortes oscilações -, continuam a se mover seguindo os
fundamentos. O que pode mudar este jogo é o próximo capítulo das hostilidades -
a reação de Israel ao Irã, caso a decisão seja um ataque à infraestrutura de
energia iraniana.
A desaceleração da economia e a consequente
redução da demanda estão forçando um rearranjo no mercado de petróleo. O
principal fator para isso é a queda do consumo chinês. Da redução de 800 mil
barris/dia estimada em agosto pela Agência Internacional de Energia, pelo menos
280 mil barris se devem à retração chinesa, que ocorre pelo quarto mês
consecutivo. O recuo da economia chinesa é concomitante à menor atividade nos
Estados Unidos e uma recuperação ainda tímida dos países da zona do euro. No
ano, o consumo está dois milhões de barris/dia menor do que o do nível anterior
à pandemia. Foi esse cenário que levou as cotações do tipo Brent para baixo, em
uma queda de US$ 20 em relação às de abril.
Os maiores atores do mercado começaram a
mudar de atitude com o deslocamento dos preços. Desde novembro de 2022, os
países da Opep+, o cartel do petróleo, com a Arábia Saudita à frente,
resolveram reduzir sua produção em 5,3 milhões de barris/dia, pouco mais de 5%
da oferta global, para sustentar as cotações. Para financiar seus
multibilionários projetos de reforma econômica, os sauditas tinham como alvo a
cotação de US$ 100 o barril, que se frustrou. Com a contenção de produção do
cartel, os países de fora dele, como os Estados Unidos, o maior produtor do
mundo, o Canadá, o Brasil e a Guiana, ampliaram a oferta em 1,5 milhão de
barris/dia.
Enquanto a Arábia Saudita diminuiu em 2
milhões de barris sua produção diária, para 9 milhões de barris, a menor desde
2011 (salvo durante a pandemia da Covid e depois de um ataque a suas refinarias
em 2019), aliados do cartel, como Rússia e Cazaquistão, e mesmo membros, como
Iraque, não cumpriram suas cotas e despejaram mais petróleo nos mercados.
Diante das pressões internas e externas ao cartel, a Arábia Saudita decidiu há
poucos dias que a partir de 1 de dezembro voltará a aumentar a oferta, começando
com 83 mil barris/dia até culminar com elevação de 1 milhão de barris em
dezembro de 2025.
A ação dos sauditas impedirá que outros
países ganhem fatias de mercado a suas custas, mas terá um efeito baixista
sobre as cotações. Boa parte do represamento do fornecimento do cartel foi
anulado pela queda da demanda e pelo aumento da produção, o que trouxe uma
disponibilidade adicional equivalente a 3,5 milhões de barris/dia. Depois da
decisão, porém, a guerra de Israel contra o Hamas e o Hezbollah recrudesceu ao
ponto em que a destruição da capacidade de produzir e escoar petróleo no Irã
passou a ser cogitada pelos estrategistas israelenses.
Os mercados especulam sobre quais seriam os
efeitos desses ataques e as possíveis reações do Irã a eles. Se a produção
iraniana, de 3,4 milhões de barris/dia, fosse totalmente retirada do mercado,
os outros países do cartel teriam como substituí-la, pois contam com capacidade
ociosa. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos têm disponibilidade para
elevar sua produção em até 5 milhões de barris/diários. Mas as cotações
certamente explodiriam caso o Irã revidasse com o fechamento do Estreito de
Ormuz, impedindo não só o fluxo de sua produção para o exterior, como a de boa
parte da Arábia Saudita. Seria uma segunda rota vital para o comércio de
petróleo obstruída em menos de dois anos.
Os houthis, aliados do Irã, em conflito com a
Arábia Saudita, fazem ataques no Estreito de Bab El Mandeb, na ponta do Mar
Vermelho, o que retirou da rota dos cargueiros o Canal de Suez. Por ela
passavam 15% do comércio global (não só óleo) e 30% da carga em contêineres. Os
navios se desviaram desse caminho e aumentaram em média em 9% o percurso. Os
fretes da Ásia para a Costa Oeste do EUA até fevereiro haviam subido 130% desde
novembro. A rota Xangai-Roterdã, com desvio pelo Cabo da Boa Esperança, elevou
os custos do transporte em 35% (Valor,
4 de outubro).
A disseminação do conflito pelo Oriente Médio
não impediu a queda da demanda, também impulsionada pelo avanço das energias
verdes, mas pode repentinamente estrangular grande parte da oferta de petróleo.
Na crise financeira de 2008, o preço do barril do tipo Brent chegou ao recorde
de US$ 148,50. As cotações iriam buscar esse teto se o óleo deixasse de fluir
do Oriente Médio.
Nunes e Boulos têm chance de melhorar debate
em SP
Folha de S. Paulo
Em disputa acirrada, prevaleceram os
candidatos mais experimentados; Marçal vê aventura radical rejeitada pelo
eleitor
Em um dos
primeiros turnos mais acirrados das eleições paulistanas,
prevaleceram, por margem minúscula, os dois candidatos mais experimentados e
que reuniram maior estrutura política em torno de si. Nesse sentido, o êxito
de Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme
Boulos (PSOL)
eleva o grau de normalidade da disputa.
Boulos é a aposta de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
para ocupar o vácuo à esquerda deixado pelo esvaziamento de lideranças petistas
na cidade. Chega pela segunda vez ao segundo turno, tendo sido derrotado por
Bruno Covas (PSDB) há quatro anos.
Na campanha, mostrou dificuldades para herdar
os votos de seu padrinho político entre os estratos mais pobres e afastou-se de
bandeiras de seu partido.
Nunes, que chegou à prefeitura com a morte de
Covas, articulou um poderoso bloco de apoio —do centro à direita bolsonarista—
à sua candidatura, aí incluídos o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) e, de modo menos convicto, o
próprio Jair
Bolsonaro (PL). Valeu-se também de
uma máquina pública com raro volume de dinheiro em caixa.
Sai do páreo a grande surpresa das eleições
municipais deste ano, o autointitulado ex-coach Pablo Marçal,
que no nanico PRTB nem
mesmo dispôs de tempo de propaganda oficial. Ainda assim, usou com desenvoltura
redes sociais, entrevistas e debates para dividir o eleitorado bolsonarista com
sua coleção de
provocações, mentiras e calúnias.
De todo modo, Marçal, que pode enfrentar
problemas judiciais por seu comportamento, evidenciou a existência de um
expressivo contingente de direita no eleitorado paulistano.
Na competição que remanesce, o prefeito, ao
menos em tese, larga como favorito. Conta, afinal, com taxa de rejeição
consideravelmente inferior à do adversário; tende a herdar a ampla maioria dos
votos de Marçal e pode obter boa parcela dos de Tabata Amaral (PSB), a quarta
colocada.
Parece inevitável que o embate entre Nunes e
Boulos reproduza, em grande medida, a polarização entre petistas e
bolsonaristas que marca a política nacional desde 2018. É de esperar que os
padrinhos políticos de ambos se enfrentem de modo mais aberto na arena
municipal a partir de agora.
Sem as arruaças do ex-coach, no entanto,
abre-se oportunidade preciosa, ao longo das próximas três semanas, para a
discussão mais aprofundada das prioridades da metrópole.
Na primeira etapa da campanha, Nunes
aproveitou sua enorme vantagem em tempo de propaganda de rádio e televisão para
exaltar seus feitos na prefeitura, sem contraponto das mesmas dimensões. Ainda
assim, sua gestão não obteve mais do que índices modestos de aprovação nas
pesquisas do Datafolha.
Agora, os dois candidatos dividirão tanto o
tempo dos programas de rádio e TV quanto o dos debates, o que —espera-se— tende
a enriquecer o cotejo de programas de governo.
Saldo nas transações com o mundo inspira
cuidados
Folha de S. Paulo
Embora confortáveis, contas externas não
estão imunes ao ímpeto gastador do governo; déficit assume tendência de alta
Com a sólida posição de reservas cambiais, de
US$ 369 bilhões, e déficit ainda modesto nas transações de bens e serviços com
o restante do mundo, as contas externas do país não são fator de instabilidade.
De fato, mesmo com a queda nos preços das
matérias-primas e a demanda interna que eleva importações, o saldo comercial
está positivo em US$ 48,4 bilhões de janeiro a agosto deste ano.
Para 2024, projeta-se resultado acima de US$
80 bilhões, menos que os US$ 92,3 bilhões de 2023, mas ainda assim uma cifra
importante para fazer frente a outras rubricas deficitárias.
Nestas, há um rombo de US$ 78,8 bilhões.
Estão nesse cálculo as chamada rendas primárias, como remessas para pagamento
de juros e
dividendos, além de outros serviços variados, como aluguel de equipamentos,
propriedade intelectual e, cada vez mais, os chamados usos recreativos, como as
bets.
No conjunto da balança
comercial com rendas e serviços, resta um déficit nas contas
correntes de US$ 30,4 bilhões até agosto, ante US$ 13,5 bilhões no mesmo
período de 2023. Com tendência de alta até o fim de dezembro, analistas esperam
que se atinja algo em torno de US$ 40 bilhões, ou cerca de 2% do PIB.
O rombo ainda é razoável, mas cabe o alerta
de que a tendência não parece ser favorável. Problemas de financiamento podem
se agravar caso haja necessidade de obter valores maiores do que 4% do Produto
Interno Bruto.
As exportações devem continuar elevadas, com
expansão da produção e das vendas de petróleo,
grãos e minérios. Entretanto as importações têm crescido mais neste ano, dado o
descontrole do gasto público, que amplia a demanda interna.
Historicamente os principais itens negativos
eram as saídas para remuneração de investidores estrangeiros no país, na forma
de juros e dividendos. Tais contas geram saldo negativo de cerca de US$ 49
bilhões em 2024, mas com relativa estabilidade.
O foco de atenção agora são as remessas de
certos serviços. Só neste ano, são US$ 14,7 bilhões para criptomoedas e itens
recreativos, como streaming digital.
Por ora, o país recebe grande fluxo de
investimentos diretos (US$ 51,2 bilhões no ano). Mas a maior facilidade para
realizar investimentos em outros países também deve ampliar remessas de
brasileiros nos próximos anos.
O ponto-chave é que o país não deve se pautar
pela relativa tranquilidade externa, já que os fluxos podem se deteriorar
rapidamente, ainda mais se houver incerteza na gestão econômica interna.
São Paulo respira aliviada
O Estado de S. Paulo
Com o delinquente Marçal fora do páreo,
espera-se que a disputa pela Prefeitura entre Nunes e Boulos seja mais
civilizada. Rejeição ao ‘coach’ é um bálsamo para os genuínos democratas
Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL)
vão disputar o segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo. A
delinquência que marcou a campanha de Pablo Marçal foi rejeitada pela maioria
dos eleitores paulistanos, um triunfo da decência sobre a infâmia e da
civilidade sobre a barbárie política. A derrota de um desqualificado como
Marçal é uma vitória da democracia contra aquele que revelou ser um de seus
mais insolentes agressores. Assim há de ser celebrada pelos democratas de corpo
e alma em todo o País.
O fracasso eleitoral do sr. Marçal, todavia,
não significa que ele esteja livre de responder pela pletora de crimes
eleitorais e possíveis crimes comuns que cometeu ao longo desta que foi a
campanha mais violenta de que São Paulo teve notícia em sua história recente.
Assim como a eventual vitória do tal coach não o exoneraria da
obrigação de prestar contas de seus atos à Justiça, sua derrota tampouco tem
esse condão absolutório. Marçal é um corpo estranho à democracia e deve ser
contido pelo melhor instrumento de defesa do regime democrático: a supremacia
da lei.
Mas agora o que importa para o futuro de São
Paulo é que o destino de Marçal passou a ser assunto do Ministério Público e do
Poder Judiciário, e não mais da política. A capital paulista, enfim, respira
aliviada. Em três semanas, os paulistanos voltarão às urnas para escolher seu
futuro prefeito entre dois candidatos que são muito diferentes entre si em
termos ideológicos e programáticos, mas que jamais ameaçaram o processo
eleitoral e, principalmente, a democracia.
Com um delinquente como Marçal fora do páreo,
este jornal espera que a disputa entre Nunes e Boulos possa ser travada em
termos mais civilizados e quiçá propositivos. Foi assim em 2020 e agora nada
impede que o seja novamente. A metrópole tem muitos problemas crônicos na
oferta de serviços públicos de saúde, educação, zeladoria urbana e transportes,
mas o debate em torno das propostas de soluções para esses problemas foi
coadjuvante ao longo de uma campanha na qual o que pareceu ser mais relevante
foi a desqualificação de adversários nos termos mais baixos, sem falar no
absoluto desrespeito aos eleitores, disputados a tapa, literalmente, como se
fossem meros autômatos seguidores de redes sociais.
A rejeição de Marçal nas urnas, portanto, é
um bálsamo para os que acreditam, como o Estadão acredita, que a
política não apenas é necessária, como constitui o único meio de concertação
civilizada entre os interesses e visões para a cidade e para o País por vezes
conflitantes no seio da sociedade. É incontrastável o fato de que a política dita
tradicional tem falhado em atender aos anseios mais prementes dos brasileiros,
em boa medida pelo alheamento dos caciques partidários ao melhor interesse
público. Dignos da confiança dos eleitores, porém, são os que verdadeiramente
se mostram dispostos a aprimorar a política, seja qual for a sua afiliação
ideológica e partidária, e não a destruí-la, como era o caso de Marçal.
A campanha do coach, como restou
notório, jamais disfarçou seu tom marginal, muito pelo contrário. Marçal abusou
da agressão física e moral contra seus adversários como uma estratégia
eleitoral. Contudo, sua retórica “antissistema”, a rejeição às instituições
políticas tradicionais e a tentativa de se colocar acima das regras do jogo
democrático, felizmente, não convenceram a maioria dos eleitores paulistanos. A
consagração pelas urnas dessa metodologia marginal legitimaria um comportamento
que atenta contra os princípios básicos da representação política, a começar
pela negação do diálogo e pelo desprezo pelas leis escritas e não escritas que
sustentam a convivência pacífica e o progresso social de qualquer nação
civilizada.
São Paulo exige daqueles que se dispõem a
administrá-la um compromisso inescapável com a gestão pública responsável. As
demandas da maior e mais rica cidade do País jamais seriam atendidas por
improvisos ou “experimentos” aventureiros.
Uma aula de Gonet a Dias Toffoli
O Estado de S. Paulo
Ao recorrer de mais uma decisão que anula
processos da Lava Jato, procurador-geral ensina que não se tratam de forma
igual coisas diferentes e que sentença exige fundamentação robusta
O procurador-geral da República, Paulo Gonet,
deu uma aula ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. Em um
recurso apresentado contra decisão de anular mais processos da extinta Operação
Lava Jato, Gonet recapitulou tópicos de Direito que podem, digamos assim, ter
sido esquecidos ou passado despercebidos pelo magistrado ao longo de sua
formação, que, espera-se, lhe conferiu notável saber jurídico.
Toffoli vem errando há bastante tempo, mas o
caso que motivou a explanação de Gonet envolve a recente canetada em favor de
Raul Schmidt Felippe Júnior, apontado como operador de propinas a servidores da
Petrobras. Em mais uma decisão monocrática, o ministro anulou ações e
investigações sob um alegado “conluio” na força-tarefa de Curitiba.
A defesa de Felippe Júnior pediu a extensão
de decisões do ministro que beneficiaram o presidente Lula da Silva e o
empresário Marcelo Odebrecht. Desde setembro de 2023, quando se deu início ao
chamado “efeito Toffoli” com anulação de ações e condenações em cascata, réus
confessos enfileiram-se à espera da impunidade. Já foram beneficiados o
empreiteiro da OAS Léo Pinheiro e o casal de marqueteiros João Santana e Mônica
Moura. Para piorar, as decisões se baseiam em provas obtidas por meios ilegais.
Gonet explicou didaticamente ao ministro seus
equívocos, ao que tudo indica, para persuadi-lo a exarar, enfim, uma decisão
correta. Recomenda-se que Toffoli tome nota dos ensinamentos contidos em apenas
onze páginas.
O primeiro deles é que não se tratam de forma
igual situações diferentes. Gonet ensinou a Toffoli que “estender uma decisão
significa repetir a decisão para outra pessoa” e, por óbvio, “não se repete
decisão para casos que não sejam iguais”. O procurador-geral mostrou que o caso
concreto de Felippe Júnior “não atende ao requisito da aderência estrita”,
necessário para que as decisões de Lula e Marcelo Odebrecht lhe fossem
estendidas. Isso já bastaria para a rejeição do pedido.
Sem uma relação direta entre os casos, o STF,
ao estender decisões de nulidade, corre o risco de invadir outras instâncias,
“desviando-se do caminho imposto pelo princípio do juiz natural, que assinala à
Corte atuação em grau de recurso”. Desse modo, caberia a um juiz competente
decidir caso a caso se as provas foram contaminadas ou não a ponto de declarar
a nulidade de um processo, e esse juiz não é Toffoli.
Gonet rememorou, ainda, que o fundamento para
que Lula fosse beneficiado pelo ministro diz respeito à atuação dos
responsáveis pela condução da Lava Jato no Paraná. Ocorre que houve
desdobramentos da operação em diversas instâncias e em diversos Estados, o que,
decerto, não permite a extensão automática de nulidades, como vem fazendo
Toffoli.
Diante disso, o procurador-geral afirmou que
“o desfazimento de atos processuais de forma indiscriminada, sem
individualização dos atos contaminados”, não coaduna com o Direito Processual.
Isso tudo tem acarretado, nas palavras de Gonet, “entraves indevidos à
persecução penal”, além de dificultar o trabalho do Ministério Público de
investigar e responsabilizar culpados por malfeitos. Para Gonet, “a anulação de
provas”, sobretudo em crimes contra órgãos públicos, “exige fundamentação
robusta”.
É importante que Toffoli atente a essa lição,
haja vista que uma decisão judicial se fundamenta no Direito, e não na
política. Isso quer dizer que não são argumentos robustos, por exemplo, a
afirmação de que a prisão de Lula da Silva foi “um dos maiores erros
judiciários da história”, “uma armação fruto de um projeto de poder” ou “o
verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”.
No caso concreto de Felippe Júnior, Gonet
pediu que Toffoli volte atrás e reconsidere sua decisão. Caso o ministro não
queira se corrigir, o procurador-geral solicitou o envio do caso ao plenário do
STF para que seus pares de toga debatam a questão de forma colegiada, como este
jornal reiteradamente apela.
Oxalá essa aula de reforço de Gonet tenha
sido bastante proveitosa. De posse de conhecimento, espera-se que Toffoli faça
o dever de casa.
Nova farra dos precatórios
O Estado de S. Paulo
Sem alarde, Senado aprova PEC para empurrar
dívidas municipais e premiar má gestão pública
Passou pelo Senado sem alarde uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) para limitar o pagamento de precatórios,
refinanciar dívidas previdenciárias e desvincular receitas de municípios em
apuros financeiros, além de ajudar o governo Lula da Silva a anabolizar sua
agenda verde por meio de fundos públicos, com a inclusão de um enorme jabuti. A
aprovação se deu no mesmo dia em que a Casa chancelou a renegociação das
dívidas dos Estados. Todo mundo saiu ganhando, menos as contas públicas.
De autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA)
e relatada por Carlos Portinho (PL-RJ), a proposta apresentada em 2023 recebeu
o aval do Senado em agosto sem nenhum voto contrário. Agora, esse novo prêmio à
má gestão pública aguarda a análise da Câmara.
Sob a justificativa de oferecer maior
flexibilidade orçamentária às prefeituras, o texto é um pacote de bondades. E o
que mais chama a atenção é a autorização para empurrar os precatórios – as
dívidas com cidadãos e empresas reconhecidas pela Justiça. Parece que alertas
do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reiterou a necessidade de quitação de
precatórios, não têm surtido efeito. Vale lembrar, por exemplo, que a Corte
autorizou o atual governo a pagar essas dívidas após a mal-ajambrada iniciativa
do governo Jair Bolsonaro de adiar precatórios da União para turbinar gastos
sociais em ano de eleição.
A nova PEC estabelece uma escalonamento para
limitar o pagamento dos precatórios em relação à receita corrente líquida (RCL)
do município, a depender do estoque. Com isso, os credores poderão ser
penalizados e esperar mais tempo para receber, financiando, na prática, os
governos locais.
Ao que tudo indica, os senadores acharam
oportuno repetir erros passados, e o calote virou regra para reforçar o caixa
de aliados. E tudo isso se deu numa bela concertação. Segundo Portinho, em seu
relatório, o texto “é resultado de um frutífero diálogo e de uma profícua
construção conduzida por este Senado Federal, pelo Poder Executivo e pelas
entidades representativas dos municípios”.
Deve ser por isso que o governo Lula sai
agraciado, ao poder destinar até 25% dos superávits financeiros de fundos
públicos a financiamentos de projetos de transformação ecológica e de
enfrentamento à mitigação e adaptação à mudança do clima, contornando o
arcabouço fiscal e sem impactar despesas. Um ganho e tanto para um governo
fracassado na área.
Mas nem tudo está perdido. A PEC estende aos
servidores de municípios, Estados e Distrito Federal as mesmas regras dos
servidores federais, corrigindo um erro da reforma da Previdência de Bolsonaro.
O saldo, contudo, é muito negativo, com uma espécie de louvação à incompetência
ou à irresponsabilidade.
Não é de hoje que municípios arrastam precatórios. Emendas constitucionais na última década já estenderam o prazo para zerar estoques por três vezes. Agora surge mais uma benesse, e ninguém garante que outras não virão. Os congressistas parecem ignorar que administradores levianos estrangulam seus orçamentos. A Câmara pode corrigir isso.
A cidadania vai além das eleições
Correio Braziliense
A partir de janeiro do ano que vem, cabe aos
eleitores verificarem se as propostas de campanha estão sendo cumpridas. Também
é preciso ficar atento às manobras e às conexões, uma vez que as articulações
que acontecem nos gabinetes resultam em projetos de lei
Cumprido ontem o dever cívico de ir às urnas
eletrônicas nas eleições municipais em todo o país — para quem não precisa
voltar e mesmo para quem vai retornar no próximo dia 27, no caso das cidades
com segundo turno para a escolha do prefeito —, o papel do cidadão segue
fundamental, uma vez que ele é o titular do processo e deve participar
diariamente das ações políticas que determinam as diretrizes das cidades. A
Constituição Federal estabelece que o poder emana do povo, que o exerce
diretamente ou por meio dos eleitos.
A partir de janeiro do ano que vem, cabe aos
eleitores verificarem se as propostas de campanha estão sendo cumpridas. Também
é preciso ficar atento às manobras e às conexões, uma vez que as articulações
que acontecem nos gabinetes resultam em projetos de lei. Não se pode registrar
o voto e deixar a gestão da cidade com os vereadores, o prefeito e o vice. Eles
são os nossos representantes e, como tal, precisam ser fiscalizados e cobrados.
Com a tecnologia hoje disponível, é possível
verificar, em páginas de instituições, gastos efetuados e o destino dado a
recursos, por exemplo. Consultas a sites de transparências podem apontar
indícios e práticas irregulares. Essas dúvidas devem ser encaminhadas ao
Ministério Público (MP), órgão incumbido de averiguar.
Em suas comunidades, bairros e regiões,
pode-se criar comitês para identificar os problemas e as maiores necessidades
de suas localidades. Assim, os moradores conseguem resolver aquela velha
demanda de que, passada a eleição, os candidatos "somem". Organizados
e atuantes, os cidadãos têm todo o direito de ir às câmaras municipais e
prefeituras exigir as soluções para as questões que são da alçada dos
vereadores e do prefeito.
Mas isso requer movimento por parte dos
eleitores. Referendo, plebiscito e iniciativa popular, quando os moradores
participam diretamente da lei, são ferramentas disponíveis. O comparecimento em
audiências públicas é outra oportunidade indispensável para acompanhar e
debater os assuntos em tramitação. Os conselhos também são uma possibilidade
para os cidadãos ocuparem o espaço que devem no meio político.
O voto é parte essencial da democracia, mas
ela não se encerra nele. Precisa ser cuidada e vigiada no dia a dia. Em defesa
de sua própria soberania, os brasileiros têm de fiscalizar a conduta de quem é
eleito, além de verificar se as aspirações da população estão sendo atendidas e
as promessas de campanhas cumpridas.
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