Folha de S. Paulo
'Bolsonaristas 5G' vencem disputa com
conservadores mais moderados nas capitais
Ainda que detectada nas pesquisas da véspera
da eleição, a arrancada da jornalista de direita radical Cristina Graeml (PMB)
em Curitiba, garantindo a ida ao
segundo turno junto com Eduardo Pimentel (PSD), foi possivelmente a
maior surpresa deste primeiro turno nas principais capitais do país.
Em meados de setembro, ela aparecia em quinto
lugar, com 5%. Superou tanto o ex-prefeito Luciano Ducci, candidato da união
entre PSB, PT, PC do B, PV e PDT, como o ex-deputado federal Ney Leprevost
(União Brasil), candidato de uma direita mais tradicional, apoiado por Sergio
Moro e cuja vice era Rosangela Moro. Maior derrotado do pleito, Leprevost
terminou com 6,4%.
O feito de Graeml (pronuncia-se Grêmel) exprime não somente a força da direita de modo geral neste primeiro turno em todo o Brasil, mas de uma vertente específica dentro do espectro conservador: mais radical e mais digital, que domina as redes sociais com mais eficiência.
Jornalista, Graeml trabalhou na Gazeta do
Povo e na Jovem Pan, dois veículos alinhados ao bolsonarismo nos últimos anos.
Por um comentário dela (chamando de "bandido" o advogado Cristiano
Zanin, hoje ministro do STF), a Jovem Pan foi
condenada na Justiça a pagar R$ 34,2 mil a Zanin.
Com o racha da direita no segundo turno
curitibano, Jair Bolsonaro –que apoia oficialmente Pimentel, cujo vice é do PL,
mas gravou vídeos para Graeml– terá de se decidir. Ou não, repetindo o jogo
duplo que fez em parte da campanha em São Paulo.
Por todo o país, os direitistas
digitais-radicais –ou "bolsonaristas 5G"– sobressaíram na disputa com
seus pares mais moderados e mais analógicos.
Em Fortaleza, o líder do
primeiro turno foi o André Fernandes (PL), um ex-youtuber que,
na Câmara, votou contra o projeto de lei que ampliou a pena para feminicídio e
o que impõe igualdade salarial entre mulheres e homens e foi condenado a
indenizar a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha, por
ofensas de cunho sexual.
Ao longo da campanha, o
"radical-digital" André superou o ex-aliado e também direitista
Capitão Wagner (União Brasil), apoiador de Bolsonaro em 2018 e 2022, mas bem
mais moderado.
Na divisão da
direita em Belo Horizonte, o vitorioso também foi um
"bolsonarista 5G", Bruno Engler, unha e carne com Nikolas Ferreira,
um dos mais populares integrantes dessa cepa.
Em Goiânia, seu representante é Fred
Rodrigues (PL), autor de um projeto que transforma a leitura da
Bíblia no Legislativo em patrimônio e que usou na campanha o slogan de
Bolsonaro (e dos fascistas no século passado) "Deus, Pátria e
Família".
Apoiado por Bolsonaro, terminou
à frente do também direitista Sandro Mabel (União Brasil),
apoiado pelo governador Ronaldo Caiado.
Não por coincidência, Graeml, André, Engler e Fred lideraram
o Índice de Popularidade Digital da Quaest nesta campanha mesmo quando estavam
bem atrás nas pesquisas de intenção de votos.
Nascido na mesma Goiânia que Fred, Pablo Marçal tem
um lugar de honra nessa galeria. É verdade que, no fim das contas, perdeu –por
pouco. Mas também é inegável que Marçal foi um dos fenômenos desta eleição,
talvez maior que Graeml (com quem trocou declarações de apoio).
Em termos absolutos, teve mais votos que
todos (1,7 milhão), pautou a campanha na principal cidade do país e ficou bem
próximo de ir ao segundo turno –vinha numa crescente, e é possível que a
tresloucada cartada final do laudo falso tenha lhe custado a vaga.
Contingências do radicalismo. Como ensinou o
(nada radical nem digital) Tancredo Neves: a esperteza, quando é demais, engole
o dono.
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