segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Bruno Carazza - A disputa mais acirrada: Atlas, Quaest e Datafolha

Valor Econômico

Polarização, presença de redes e desconfiança de eleitor transformar mercado de pesquisas

Acabou o mistério. Apuradas as urnas, a disputa que mobilizou as atenções de todo o país nos últimos meses está parcialmente decidida: Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (Psol) estão no segundo turno das eleições paulistanas, com Pablo Marçal (PRTB) ficando de fora por muito pouco.

Enquanto as atenções de todo o país se concentraram em Boulos, Marçal, Nunes, Tabata e Datena, porém, uma das competições mais acirradas destas eleições municipais não foi travada entre candidatos ou partidos.

O ambiente político mudou muito nos últimos anos. A polarização da sociedade afeta hábitos e comportamentos dos eleitores. O medo de violência e a desconfiança nas instituições deixam muitos cidadãos mais ariscos e avessos a declarações públicas de apoio a candidatos. Para complicar, o avanço da tecnologia também transformou campanhas - e a forma de apurar as intenções de votos.

É nesse cenário repleto de incertezas que se digladiam os principais institutos de pesquisa eleitoral em atuação no país atualmente - uma das grandes brigas deste ano. Com diferentes metodologias, investindo pesadamente em pessoas e em tecnologia, dezenas de empresas buscam a liderança de um mercado de centenas de milhões de reais.

Como pode ser visto no gráfico, até a sexta-feira haviam sido protocoladas no Tribunal Superior Eleitoral 14.229 pesquisas, quantidade que já é 29,7% superior à do pleito de 2020. Do ponto de vista do valor movimentado, por enquanto elas movimentaram R$ 155 milhões, uma elevação de 39,6% também em relação às eleições municipais anteriores.

É importante destacar que o movimento está diretamente atrelado à criação e à ampliação do fundo eleitoral. Desde que o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir as doações de empresas, em 2015, o fundo partidário foi ampliado e, a partir de 2017, o fundão eleitoral tem sido catapultado a cada eleição - até chegarem a um total de mais de R$ 6 bilhões neste ano.

Com tanto dinheiro em caixa, partidos e candidatos têm contratado mais pesquisas para guiar suas ações, além do interesse natural que órgãos de imprensa têm para monitorar a evolução das intenções de votos da população.

Na disputa por esse bolo, que por muitos anos foi dominado por Ibope e Datafolha, novos entrantes despontaram nos últimos anos. Até o momento, a liderança cabe à Quaest, com R$ 11,5 milhões em contratos declarados ao TSE, seguida de perto pelo Instituto Verità (R$ 10,3 milhões). Num patamar abaixo, vêm Ranking Brasil (R$ 6,2 milhões), Paraná Pesquisas (R$ 4,8 milhões), 100 Cidades (R$ 3,8 milhões), AtlasIntel (R$ 3,7 milhões), Datafolha (R$ 3,4 milhões), Ipec (R$ 3,1 milhões) e Real Time (R$ 2,8 milhões). Há ainda um montante de mais de R$ 105 milhões pulverizado em mais de uma centena de institutos pequenos.

Pelas diferenças marcantes de método, nas últimas semanas as atenções se voltaram para a distância entre institutos com técnicas tradicionais, com entrevistas telefônicas ou na rua, e outros mais inovadores, que se valem da busca ativa de respondentes nas redes sociais. E essas discrepâncias metodológicas se refletem na distância nas medições em algumas capitais.

Entre os institutos com maior penetração na mídia, Quaest e Datafolha, de um lado, e AtlasIntel, no outro extremo, representam o que está em jogo no mercado de pesquisas eleitorais atualmente no Brasil.

E para verificar quem se deu melhor na medição dos humores do eleitorado, vale conferir o desempenho entre elas na reta final da campanha, comparando os resultados divulgados na véspera da eleição por Quaest (um instituto de metodologia tradicional, embora com técnicas mais modernas de amostragem) e a AtlasIntel, que inova com entrevistas ativas nas redes sociais.

Num panorama mais amplo, ambos os institutos captaram bem o resultado final das capitais, mas é bom ressaltar acertos e erros de cada parte.

Em linhas gerais, a AtlasIntel se destacou por captar melhor o crescimento na reta final de campanha de candidatos ligado às figuras de Lula e Bolsonaro: foi assim ao rastrear o crescimento de Abílio Brunini (PL) e de Lúdio Cabral (PT) em Cuiabá (MT), a arrancada do bolsonarista Marcelo Queiroga (PL) em João Pessoa (PB), e o sprint da petista Natália Bonavides em Natal (RN).

Mas o resultado da AtlasIntel ficou longe do apurado pela Quaest em alguns dos principais distritos eleitorais do país. A AtlasIntel subestimou a posição de Ricardo Nunes em favor de Guilherme Boulos e Pablo Marçal em São Paulo (SP) e chegou a colocar a vitória de Eduardo Paes em xeque frente a uma subida de Alexandre Ramagem que não se concretizou no Rio de Janeiro.

A Atlas também superestimou a performance de Gabriel Azevedo (MDB), jovem político com forte engajamento nas redes, mas que teve um desempenho (pouco acima de 10%) bem abaixo do medido pela empresa (18,3%), que o apontava como forte candidato ao segundo turno. Em todos esses casos (São Paulo, Rio e BH), a metodologia da Quaest se mostrou mais assertiva.

Noves fora os acertos e erros de cada instituto, vê-se que o multimilionário mercado das pesquisas eleitorais tende a permanecer sem um vencedor definido, num contexto de mudanças de hábitos e de desconfiança dos eleitores com seus prognósticos.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

O imprevisível tomou conta da política com as redes sociais e a mentira passou a ser aceita como fato da vida. Como resultado, está cada vez mais difícil a vida dos institutos de pesquisa.