segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Autoridade Climática deve estar vinculada à Presidência

O Globo

Promessa de campanha de Lula precisa sair logo do papel para Brasil ter condição de enfrentar desafio ambiental

Em 2022, o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu criar uma Autoridade Climática, com o objetivo de coordenar ações dos vários órgãos de governo na prevenção, mitigação e adaptação a efeitos do aquecimento global. A promessa ajudou a angariar o apoio de Marina Silva. Em 2023, no discurso de posse como ministra, ela afirmou: “Até março deste ano será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática no âmbito do Ministério do Meio Ambiente”. Passados quase dois anos de governo Lula, a promessa ainda não se concretizou.

Para não dizer que o assunto foi esquecido, ele voltou à pauta neste ano, por conveniência. Em 10 de setembro, em visita a áreas atingidas pela seca no Amazonas, Lula reciclou a promessa: “Vamos estabelecer uma autoridade climática e um comitê técnico-científico que dê suporte e articule a implementação das ações do governo federal”. Naquele momento, além da seca severa na Região Norte, a fumaça das queimadas tomava conta do país.

Nas divisões e disputas internas no governo, Marina tem defendido que a nova estrutura fique subordinada ao Ministério do Meio Ambiente. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, argumenta que assim ela pareceria cargo de “segundo escalão”. Há pressão para vinculá-la à Casa Civil. Embora a minuta propondo a criação da Autoridade Climática tenha sido enviada em 18 de setembro, auxiliares de Lula admitiram ao GLOBO que a discussão não andou e ainda não há modelo para apresentar ao presidente. Como o projeto ainda teria de passar pelo Congresso, tudo indica que a questão ficará para 2025.

Enquanto o governo hesita, a crise climática se impõe. O que se vê no Brasil com tempestades devastadoras, como a do Sul, secas históricas, recorde de queimadas e ondas de calor sucessivas não é acaso. Trata-se de uma prévia do que está por vir. A ciência mostra que fenômenos climáticos extremos se tornaram mais frequentes e mais intensos. Em São Paulo, nos anos 1930 eram registrados três dias de chuvas acima de 80mm a cada ano. No período entre 2011 e 2018, foram 15. No que diz respeito ao calor, o ano de 2024 tem se revelado completamente fora da curva. Nos dias 22 e 23 de julho, a Terra registrou as temperaturas mais altas dos últimos 125 mil anos. Em Cuiabá e Rio de Janeiro, duas das cidades mais quentes do Brasil, a máxima subiu 6oC em relação às médias históricas. Em São Paulo, 8oC. De 1.092 municípios do Cerrado, 76% perderam superfície de água nos últimos 30 anos.

O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa, o quarto per capita e o sexto em emissões acumuladas. No país, 48% das emissões estão associadas ao desmatamento, 27% à agropecuária e 18% à geração de energia. Haverá necessidade de regular esses setores tão essenciais para a economia.

Por isso é urgente que o governo supere os debates intermináveis e cumpra o compromisso anunciado há dois anos. A Autoridade Climática se mostra absolutamente necessária, uma vez que não se resolverá a crise do clima com políticas fragmentadas. É preciso haver um órgão que coordene os trabalhos, integrando governo federal, estados, municípios e o setor privado. Mas não basta criar a nova estrutura. Ela precisa ter independência e poder de decisão. Deve, portanto, ficar subordinada à Presidência, como noutros países. Do contrário, o resultado pode ser uma autoridade sem autoridade.

Justiça não deveria intervir em PPP para manutenção de escolas paulistas

O Globo

Cassação da liminar que suspendia leilão reconhece prerrogativa do governo de implementar gestão eficaz

Fez bem o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, em derrubar a liminar que suspendia o leilão para construção e manutenção de escolas públicas paulistas por meio de uma parceria público-privada (PPP). Ele argumentou que a interrupção do certame traria prejuízo à ordem pública, interferindo na política de educação. Com isso, o resultado do leilão voltou a valer, e fica mantido um outro, para novo lote de escolas.

Desde que foi anunciado, o programa de terceirização nas escolas paulistas despertou uma controvérsia sem sentido. Sindicatos chamaram a inciativa de “privatização das escolas”, um equívoco. Não se trata disso, uma vez que toda a gestão pedagógica continua a cargo do estado. As empresas cuidarão de construção, manutenção, limpeza, vigilância, portaria, alimentação, internet e jardinagem, melhorando as instalações para os alunos e aliviando o poder público dessas obrigações. Modelos parecidos funcionam no Paraná e em Minas Gerais, embora nesses estados as empresas atuem também no projeto pedagógico, numa experiência que se aproxima do sistema americano conhecido como “escola charter”, estabelecimentos de gestão privada mantidos por recursos públicos.

Não é o caso de São Paulo, onde o leilão para construir e administrar 17 novas escolas estaduais foi vencido pelo consórcio Novas Escolas Oeste SP, formado pelas empresas Engeform e Kinea. A iniciativa prevê a construção de 462 salas de aula, que oferecerão 17.160 vagas no ensino fundamental e médio em 14 municípios. O contrato, com prazo de 25 anos, prevê investimentos de R$ 1,1 bilhão. A PPP se destina apenas a serviços não pedagógicos. As empresas não poderão contratar professores nem interferir no projeto de ensino, que continua a cargo da Secretaria de Educação.

Apesar disso, o juiz Luís Manuel Fonseca Pires concedera liminar suspendendo o resultado do leilão a pedido do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Para ele, o espaço físico de uma escola — o objeto da PPP — não pode ser dissociado de seu projeto pedagógico, já que o ambiente também é fator educacional que, numa escola pública, deve ser decidido publicamente. Felizmente, esse argumento frágil foi derrubado na segunda instância.

No total, os leilões contemplarão 33 escolas, com investimentos de R$ 2,1 bilhões. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ainda planeja novas PPPs voltadas para manutenção e reforma de 147 colégios. Segundo ele, o objetivo é “ampliar a gestão privada da zeladoria das escolas”. Ele está certo em testar um novo modelo. As parcerias poderão resultar em custos mais baixos e permitirão ao governo comparar a manutenção das novas unidades com as estruturas administradas pela secretaria. Por fim, é preciso lembrar que Tarcísio foi eleito democraticamente e tem mandato para executar as políticas públicas que lhe pareçam adequadas. Entre elas, as PPPs para dar mais eficiência às escolas estaduais. A Justiça não deveria interferir nessas decisões.

EUA se dividem entre a estabilidade e o radicalismo

Valor Econômico

Kamala e Trump estão praticamente empatados nas pesquisas e é impossível prever o vencedor

O resultado das eleições nos Estados Unidos, amanhã, pode mudar bastante os rumos políticos e econômicos do mundo. A maior potência militar e econômica global está dividida a tal ponto que é impossível prever quem será o vencedor, o republicano Donald Trump ou a democrata Kamala Harris. Todas as pesquisas indicam que a diferença entre eles deve ser minúscula e que a decisão estará nas mãos de alguns milhares de eleitores de 7 Estados em que o predomínio dos partidos se alterna sem padrão definido, ao contrário da previsibilidade dos demais 43 Estados e Distrito de Columbia.

Trump busca uma revanche contra os democratas, após ter sido derrotado por Joe Biden em 2020 e nunca ter aceitado que o foi dentro das regras do jogo. Em pesquisa de 2023, um terço dos americanos e dois terços dos republicanos acreditavam que ele foi roubado. Trump vai às urnas repetindo, com base em nada, que só perderá desta vez, como antes, se as eleições forem fraudadas.

Kamala Harris, mal avaliada como vice-presidente, substituiu Joe Biden na chapa democrata, depois que o titular teve melancólica atuação em seu primeiro debate com Trump. Revigorou o ânimo do partido, retirou toda a grande diferença que separava Biden do rival nas pesquisas, mas, na reta final, perdeu ímpeto.

As pesquisas mostram diferença muito pequena entre os dois candidatos na votação popular nacional. Se alternam na liderança, e, de acordo com o agregador de pesquisas do jornal New York Times, Kamala tem 49% e Trump, 48%. Mas o que conta são os votos dos 538 delegados do Colégio Eleitoral, onde não há favoritismo claro de nenhum dos dois.

Há enormes diferenças entre os candidatos, e as políticas são as mais importantes. Donald Trump é autoritário e não considera que as leis e a Constituição possam ser obstáculo a sua vontade. Na mais velha democracia do mundo, tentou um inacreditável golpe de Estado, incitando a invasão do Congresso para impedir que Biden fosse nomeado presidente, no infame 6 de janeiro. Teve adiados três processos judiciais durante a campanha eleitoral e obteve uma vitória quando a Suprema Corte, para a qual indicou conservadores que passaram a formar maioria, sentenciou que um presidente não pode ser processado por atos que tenham relação com suas atividades oficiais. Trump disse que um de seus primeiros atos, se vencer a eleição, será dar anistia aos “patriotas” presos pela invasão do Capitólio.

Ex-promotora de Justiça, Kamala, como vice de Biden, foi encarregada de cuidar da imigração ilegal, mas não foi bem. As pesquisas mostram que a imigração é vista pelos eleitores como um dos principais problemas do país e que Trump é de longe quem tem mais capacidade para cuidar do problema. Trump promete resolvê-lo deportando milhões de imigrantes.

O programa econômico de Kamala é continuidade do de Biden, com adendos, como incentivos de US$ 25 mil para compradores do primeiro imóvel e aumento para 28% da tributação corporativa. Os EUA vivem em grande forma econômica e estão prestes a vencer um surto inflacionário com juros altos e sem recessão, algo raramente visto. No entanto, os eleitores ainda consideram que na economia estarão melhores com Trump. A queixa é que a inflação subiu 25% de 2019 até 2024 e os preços estacionaram nas alturas. Os incentivos de Kamala elevariam a dívida americana em US$ 3,5 trilhões em dez anos. Parece muito, mas é menos da metade do aumento previsto se Trump cumprir suas promessas.

Trump quer tornar permanente o corte de impostos de US$ 1,7 trilhão que fez em 2017 e que expira em 2025, além de reduzir mais o IR das empresas. Estima-se que elevaria a dívida em US$ 7,5 trilhões. Suas principais ideias são radicais: impor tarifas de 10% a 20% sobre importações do mundo inteiro e 60% sobre as da China.

Uma vitória de Kamala mudaria pouco o cenário geopolítico, em que os EUA remendaram pontes destruídas por Trump entre os aliados. Continuaria sustentando a Ucrânia contra a invasão da Rússia e apoiando Israel. Manteria todas as sanções à China, buscando garantir a produção de bens estratégicos nos EUA ou em países amigos. Com a elevação dos déficits, os juros subiriam gradativamente assim como o dólar, obrigando países emergentes como o Brasil a fazer o mesmo.

Se Trump for eleito, isso aconteceria rapidamente. Tarifas elevadas e expulsão dos imigrantes, calculou o FMI, derrubariam o PIB global em 0,8% em 2025 e 1,3% em 2026. O PIB americano recuaria 1% e os juros subiriam com o avanço acelerado do déficit público. O resultado seria um aumento de 0,5 ponto percentual nas taxas dos títulos dos países emergentes e de 1 ponto nos dos corporativos desses países. Com a guerra tarifária o comércio global teria queda de 4%.

Kamala pretende garantir que a economia siga previsível em ambiente político de estabilidade e de respeito às instituições. Trump quer colocá-las a seu serviço, seja para caçar “inimigos internos”, mesmo com auxílio dos militares, e perseguir desafetos, além de executar planos econômicos exóticos que têm tudo para dar errado. A escolha agora está nas mãos dos eleitores.

A babel do debate sobre segurança pública

Folha de S. Paulo

Proposta de Lula amplia inutilmente texto da Constituição, enquanto governadores de oposição apoiam política linha dura

Segurança pública é dos temas mais importantes para o eleitorado e mais incômodos para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sem maiores planos para contrapor ao populismo de direita que avança no setor, o Planalto tenta tardiamente iniciar um diálogo com governadores em torno de uma proposta de emenda constitucional.

Elaborada pela equipe do ministro Ricardo Lewandowski, que chefia a pasta da Justiça, a PEC está há meses na gaveta do Executivo —e corre o risco de passar pelo mesmo no Legislativo.

A emenda prevê maior coordenação nacional, em si uma boa ideia, mas algo que já poderia ser mais demonstrado na prática.

Soa inócua a proposta de inscrever na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que já existe em lei desde 2018 e não mostrou resultados dignos de nota. Mais importante seria estabelecer diretrizes nacionais, metas e indicadores a serem acompanhados.

Pior, cria-se uma controvérsia desnecessária com a ideia de transformar a Polícia Rodoviária Federal em polícia ostensiva com acúmulo de poderes, como se o problema do país fosse falta de policiamento ostensivo —a carência maior é de investigação e inteligência, inclusive na integração de dados nacionais.

Afigura-se politicamente problemática a intenção de atribuir a Brasília o poder de fixar diretrizes da política prisional, por retirar autonomia dos estados. Mesmo que isso venha a proporcionar mais recursos, seria fundamental deixar claro que ampliar a já excessiva população carcerária, em nome da equivocada guerra às drogas, só aumentaria o poder das facções criminosas.

A babel do debate sobre segurança pública ficou evidente com a reunião realizada na quinta-feira (31) para apresentar o plano federal a representantes do Judiciário e governadores.

Alguns dos líderes estaduais são potenciais candidatos de oposição na eleição presidencial de 2026, casos de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO). Ambos são defensores e praticantes da política linha dura, não raro acompanhada de truculência e letalidade policial.

Também viceja entre governadores oposicionistas o intento de aproveitar a oportunidade para defender que estados possam legislar em matéria penal, o que hoje é competência exclusiva da União. Ainda que não venha a prosperar, a sugestão tem o potencial de tumultuar as discussões legislativas sobre a PEC.

Desnecessário apontar que a composição partidária do Congresso, com predomínio de forças do centro à direita, não favorece as pretensões da administração petista —que parece mais preocupada em mostrar alguma iniciativa nessa seara do que de fato convicta de sua proposta.

Trata-se, pois, do início atrasado e muito pouco promissor de uma discussão fundamental para um país sob a ameaça real do avanço do crime organizado.

Assassinos de Marielle e Anderson enfim condenados

Folha de S. Paulo

Falta punir os mandantes, em caso no STF que mostra relações nefastas entre forças de segurança e facções criminosas

Idas e vindas e politização marcaram os mais de seis anos de investigações que culminaram, na quinta (31), na condenação dos assassinos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, mortos em 2018 no Rio de Janeiro.

Os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados, respectivamente, a penas de 78 anos e de 59 anos de prisão.

Por cinco anos, até a entrada da Polícia Federal, a Polícia do Rio de Janeiro não conseguiu avançar na apuração, o que aponta para a trama complexa e nefasta de relações entre criminalidade e forças de segurança locais, não só na capital fluminense, mas no país.

"A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta. Mas ela chega", disse a magistrada Lúcia Glioche, que presidiu o julgamento no 4º Tribunal do Júri do estado.

Por óbvio, no plano ideal de qualquer nação civilizada, tal barbaridade nem sequer haveria ocorrido. Mas, ocorrendo, a identificação de assassinos e mandantes teria sido mais célere.

A condenação só dos executores, porém, é o desfecho possível, mesmo que tardio e incompleto. Falta avançar, com agilidade e no rigor da lei, no esclarecimento de quem deu a ordem para o crime.

A Procuradoria-Geral denunciou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão —deputado federal do União Brasil na época dos homicídios e atualmente sem partido— por serem os mandantes dos assassinatos.Em razão do foro especial do segundo, o processo se encontra agora no Supremo Tribunal Federal.

Ademais, o delegado Rivaldo Barbosa, ex-diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio e chefe da corporação entre 2018 e 2019, e dois policiais militares são réus sob suspeita de auxiliar no planejamento do ataque.

Além do desfecho, o que está em jogo no Supremo é o papel da Polícia Civil do Rio em supostamente acobertar crimes de bicheiros, milicianos e demais organizações criminosas, como indica relatório da Polícia Federal.

Assim, o caso Marielle Franco e Anderson Gomes revela não só um contexto de violência política como expõe a infiltração de facções dentro das instituições que deveriam combatê-las —um dos maiores problemas do setor de segurança pública no país.

Esse ato brutal mostra como a procrastinação da Justiça é um dos aspectos da percepção de impunidade a incentivar delitos, e que, sem um corte nas relações espúrias entre as polícias e o crime organizado, não há como conter a violência que se abate principalmente sobre os estratos mais pobres das cidades brasileiras.

A biruta petista

O Estado de S. Paulo

Após as eleições, líderes do PT se dividem entre o triunfalismo e a busca por culpados, mas até aqui nada consistente sobre as reais razões que os separam das aspirações do eleitorado

Não foi apenas a musculatura política perdida nas eleições municipais que apequenou o Partido dos Trabalhadores (PT). Na ressaca de derrotas significativas que a legenda obteve na disputa pelas prefeituras, morubixabas petistas se engalfinharam em praça pública e exibiram o estado da arte da desidratação do partido: enquanto algumas lideranças adotaram uma bem-vinda autocrítica, reconhecendo a atual distância entre o PT, a população em geral e sua base eleitoral cada vez mais modesta, outras, como a presidente Gleisi Hoffmann, optaram por seguir o habitual discurso triunfalista. O calor dos debates, iniciado na reunião da Executiva Nacional, virou brasa espalhada nas redes sociais e na imprensa. No confronto de versões, sobraram ironias, ataques mútuos, divisões que antecipam a disputa pelo comando da agremiação e a sensação de que os petistas não têm a mais pálida ideia do que dizer e do que fazer.

Gleisi Hoffmann evocou um compilado dos resultados, tentando demonstrar que os números não eram tão ruins quanto se supunha. Tentou com isso aliviar a própria barra, uma vez que é alvo de questionamento sobre as más escolhas de alianças, a dificuldade programática e a aplicação de teorias equivocadas por parte do PT. Para ela, não há motivo para a conflagração interna: o que se viu foi – pasmem – a “retomada” do PT, após o fundo do poço de 2020. Gleisi Hoffmann mencionou os 252 prefeitos eleitos, contra 183 de quatro anos atrás. A manchete estampada no site oficial petista ecoou o sentimento de triunfo da comandante: PT consolida crescimento com vitórias em Fortaleza, Camaçari, Mauá e Pelotas.

De fato, o PT ampliou o número de municípios que estarão sob sua gestão, mas a presidente do partido e seus redatores ignoraram o fato de que os petistas ficaram em nono em número de prefeitos eleitos, que o PSB passou a ser o partido da esquerda com o maior número de prefeituras e que o PT comandará, na média, cidades menores e com menos recursos. Dos 69 prefeitos a mais eleitos pelo partido neste ano, 41 vão dirigir municípios muito pequenos. Também ignoraram as evidências de que são cada vez mais claras a rejeição popular e a perda crescente de relevância do PT entre segmentos importantes do eleitorado.

Como afirmou um dos integrantes do PT, Valter Pomar, “existe gente – na direção do partido e na cúpula do governo – que vive num metaverso”. O ministro Alexandre Padilha foi um dos poucos a reconhecer a fragilidade. “O PT é o campeão nacional das eleições presidenciais, mas (...) não saiu ainda do Z4 (zona de rebaixamento) que entrou em 2016″, afirmou o ministro, após reunião com o presidente Lula da Silva e Gleisi Hoffmann. Foi o suficiente para despertar a ira da presidente do partido. Como é praxe na parcela lulopetista acostumada a viver de discursos de autocongratulação sem base na realidade ou transferir para terceiros a explicação para o próprio fracasso, Gleisi Hoffmann culpou a condição de governo de “ampla coalizão” e a “ofensiva da extrema direita”. E contra-atacou: “Padilha devia focar nas articulações políticas do governo, de sua responsabilidade, que ajudaram a chegar a esses resultados”.

Se é verdade que as frágeis articulações políticas do governo têm ajudado a arrefecer o poderio lulopetista, também é verdade que os muitos erros – da sigla, dos seus dirigentes e do presidente – têm contribuído para alimentar a artilharia interna e aprofundar sua trajetória descendente. Mas petistas são petistas, forjados na autoestima e na convicção em torno das próprias virtudes. Nada a dizer, por exemplo, sobre os efeitos dos escândalos de corrupção do passado, das ideias rupestres sobre o papel do Estado, o aparelhamento como modo de governar, o apoio entusiasmado a ditaduras, a tolerância a corporativismos, as campanhas de difamação contra adversários políticos, a aposta errada na polarização, a dificuldade em manejar de fato uma frente partidária ampla e outros desvios de rota que distanciam o PT das aspirações mais atualizadas da população.

Não está escrito nas estrelas que as dificuldades municipais se estenderão às disputas daqui a dois anos. Mas a biruta petista, a esta altura, parece incapaz de apontar o rumo do partido em meio ao vendaval político.

A encruzilhada do FMI e do Banco Mundial

O Estado de S. Paulo

Ambos precisam de reformas para revigorar compromisso com fluxos financeiros e comerciais estáveis e se manterem relevantes instrumentos de ação coletiva para a prosperidade global

O encontro anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro misturou celebrações pelo passado com apreensão pelo futuro. Os benefícios da globalização econômica que as instituições irmãs, criadas há 80 anos pelos acordos de Bretton Woods, ajudaram a promover estão sendo erodidos por tensões geopolíticas. Tão grande quanto o consenso de que elas precisam se revitalizar são as divergências sobre como fazer isso.

As duas instituições não são estranhas a reformas. Ambas foram criadas com missões complementares: a do Fundo era supervisionar a estabilidade do sistema monetário internacional e financiar países com dificuldades de quitar suas dívidas; a do Banco era financiar a reconstrução do pós-guerra e o desenvolvimento dos países pobres.

O Fundo teve um papel-chave para amortecer choques globais, como a crise da dívida dos anos 80, a crise asiática dos anos 90, a crise financeira dos anos 2000 ou a pandemia de covid, provendo recursos a países com poucas opções de ajuda financeira. O Banco financiou projetos de mais longo prazo, sobretudo de infraestrutura, mas também para reformas em saúde, educação e agricultura.

Ambos sofreram críticas severas: o Fundo, por focar excessivamente em esforços de saneamento fiscal de curto prazo, negligenciando os impactos sobre os mais vulneráveis; o Banco, por financiar “elefantes brancos” cujos custos superaram os benefícios. Com o tempo, ambos passaram a dedicar mais atenção a reformas de longo prazo nas políticas econômicas visando ao chamado “desenvolvimento sustentável”. Internamente, ambos promoveram reformas de governança para melhorar a transparência, responsabilização e qualidade técnica de seus quadros.

Ainda que imperfeitas, mudanças como essas ajudaram a promover a cooperação monetária, expandir o comércio e reduzir a pobreza global. Mas há preocupações crescentes sobre se estas e outras instituições multilaterais estão em condições de enfrentar os múltiplos desafios da economia global contemporânea.

Mesmo se admitindo que muitas das metas dos Acordos de Paris para mitigação das mudanças climáticas ou dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ambos de 2015 – são irrealistas, o progresso está longe de satisfatório. O sistema de representação de Bretton Woods ainda é desproporcionalmente centrado nos EUA e na Europa e não reflete o crescimento de grandes economias como, por exemplo, a China ou a Índia. Por outro lado, as guerras comerciais desencadeadas por esse mesmo crescimento estão levando democracias liberais a abandonar os fundamentos da economia de mercado e recorrer a barreiras protecionistas. Nos países em desenvolvimento, a redução da pobreza está se desacelerando, seja por dificuldades internas em saldar suas dívidas, seja por choques globais como as guerras na Ucrânia ou Oriente Médio.

Um foco primordial de discussão diz respeito à reavaliação do sistema de representação, no qual os “doadores” têm uma participação excessivamente maior que os “receptores”. Ambas as instituições precisam de lideranças mais diversificadas, o que inclui não só as indicações para os cargos executivos, mas também mais participação do setor privado e do terceiro setor em seus comitês. Uma governança mais democratizada, inclusiva e diversa é o primeiro passo para que os instrumentos sejam mais afinados para responder às novas realidades políticas e econômicas globais.

Reformas substantivas em instituições multilaterais antigas e complexas nunca são fáceis, tanto mais num momento em que o próprio multilateralismo enfrenta uma crise de confiança. Nessa conjuntura, a estratégia mais realista talvez seja mirar em reformas mais pragmáticas e pontuais. Ainda que limitadas, elas podem criar as condições no presente para transformações mais ambiciosas no futuro. O fato é que, como reconheceu Axel van Trotsenburg, um diretor sênior do Banco Mundial, mudanças serão necessárias se as instituições de Bretton Woods quiserem permanecer fiéis aos seus mandatos e ainda relevantes no seu centésimo aniversário, daqui a 20 anos.

A lenga-lenga da Margem Equatorial

O Estado de S. Paulo

Ibama recomenda de novo a rejeição de licença para Foz do Amazonas, e o País perde tempo

O tom mais conciliador usado pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, após um relatório técnico do órgão recomendar, mais uma vez, a rejeição do pedido da Petrobras para perfurar um poço na Bacia da Foz do Amazonas, parece ser o único fato novo da novela arrastada e entediante em que se transformou o dilema sobre exploração de petróleo na Margem Equatorial. Ao contrário das vezes anteriores, Agostinho afirmou, ao Estadão/Broadcast, que “não teve rejeição”, classificando o relatório como um “pedido de informações”. Disse também acreditar que a Petrobras tem como fazer os “esforços necessários” para atender às solicitações.

Numa interpretação otimista, talvez seja um sinal de que o governo, enfim, possa caminhar para um desfecho em relação à exploração de petróleo em águas profundas no litoral dos Estados do Amapá e Pará. Uma querela que há muito deixou o terreno técnico-ambiental para se tornar uma questão essencialmente política. Virou uma queda de braço dentro do governo, em que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, dispõe da vantagem em razão da proximidade da realização da cúpula mundial do clima (COP-30) no Brasil, em 2025.

Em dezembro de 2022, a Petrobras chegou a fundear no local um navio-sonda e, em seguida, mobilizou equipamentos de apoio e pessoal para preparar a perfuração do poço pioneiro, um trabalho de pesquisa para aferir se há de fato petróleo em volume de produção comercial. Essa seria uma fase preliminar, depois da qual um novo pedido de licença teria de ser encaminhado ao Ibama. Em abril, a área técnica do Ibama recomendou o indeferimento da licença e o arquivamento do caso. Após a polêmica que se seguiu, Agostinho afirmou que, como dirigente, iria respeitar decisões técnicas.

E assim a Petrobras caminha para completar incríveis 12 anos de posse da concessão exploratória do bloco leiloado pelo governo federal sem ter o direito de constatar a existência ou não de petróleo na região. A lentidão – alguns poderiam dizer má vontade – do órgão ambiental em analisar a concessão de licenças para perfuração dos blocos leiloados na Margem Equatorial – que já passaram por análises ambientais pré-licitação – afastou investimentos de todas as outras grandes petroleiras que arremataram blocos na região. A Petrobras segue tentando, motivada pelas descobertas gigantes de países vizinhos, como a Guiana, que a partir de 2015 descobriu reservas de 11 bilhões de barris de petróleo na Margem Equatorial.

O relatório do Ibama cita mais 70 encaminhamentos no processo desde abril de 2023, com uma sequência de exigências. Os dois pontos críticos são os referentes à fauna, em caso de acidente, e às comunidades indígenas. A cada concordância da Petrobras, uma nova exigência é feita, numa cadeia interminável como, por exemplo, a de que o número de veterinários da base de socorro não indica a possibilidade de plantão noturno.

Enquanto isso, o País perde tempo e oportunidade.

Sustentabilidade empresarial é urgente

Correio Braziliense

O bom gerenciamento ambiental e social é, atualmente, um ativo determinante para o crescimento do negócio

O termo sustentabilidade começou a ocupar espaço nas discussões mundiais há algumas décadas. Diante da necessidade de debater sobre a forma de exploração e uso dos recursos naturais, a sociedade entendeu a importância de pensar alternativas para colocar o conceito em prática. Junto à consciência de preservação do meio ambiente, o crescimento econômico sustentável também passou a ser encarado como fundamental. Não por acaso, os investimentos classificados como ESG, que seguem indicadores ambientais, sociais e de governança, crescem cada vez mais e devem manter essa tendência.

Segundo levantamento da Bloomberg Intelligence, o total de ativos nesse tipo de gestão pode chegar a US$ 53 trilhões até 2025. Na última semana, entre os dias 25 e 27, representantes de 37 países participaram do Horasis Global Meeting, um dos principais fóruns internacionais de ESG, na Cidade da Inovação, em Vitória (ES). Foi a estreia do evento na América Latina — após ser realizado em Portugal, Inglaterra e Turquia —, com o objetivo de propor soluções e servir de ponte para projetos.

A união de governos, organizações e comunidade empresarial é um imperativo, especialmente com as mudanças climáticas se materializando de forma trágica. As responsabilidades ambientais e sociais dos setores produtivos precisam ser assumidas. Assim, a sustentabilidade empresarial deve ser cobrada por diferentes públicos: investidores, clientes, funcionários, órgãos reguladores etc.

Em muitos casos, é comum que grandes investidores excluam aplicar em ações que estejam fora de certos padrões mínimos de ESG. O bom gerenciamento ambiental e social é, atualmente, um ativo determinante para o crescimento do negócio. O sucesso, hoje em dia, está atrelado ao sustentável. As empresas estão percebendo que não se trata apenas de cumprir obrigações, mas de criar soluções para garantir a preservação dos recursos. O lucro e a vantagem a todo custo não são possíveis, e os consumidores não aceitam essa postura.

A demonstração de compromisso com estratégias ecologicamente corretas para atingir seus objetivos comerciais tem atraído a atenção das pessoas em relação às empresas. A construção desse vínculo de confiança e respeito cria uma fidelidade de consumo da marca, o que é positivo para a operação.

No Brasil, existe uma escalada na mudança de hábito da população em favor do meio ambiente. Consequentemente, os consumidores têm demonstrado novos comportamentos também em relação ao mercado. As medidas sustentáveis são um atrativo na hora da compra e os empresários precisam avançar nessa direção — do contrário, podem ter o relacionamento com os consumidores abalado.

O planeta precisa de um debate qualificado, que apresente saídas rápidas para as questões urgentes de desenvolvimento e preservação. Os ganhos não podem mais ficar restritos a uma parcela restrita da população mundial. Precisam ser bem distribuídos entre a sociedade. Já os lucros não podem ser mais importantes do que o respeito ambiental. É premente adotar condutas, inovar processos e investir em soluções para atingir a sustentabilidade empresarial. Os conflitos devem ser resolvidos, uma vez que o interesse é o mesmo: garantir vida digna para todos.


 

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