segunda-feira, 4 de novembro de 2024

BC deve ser vago sobre os seus passos futuros - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Situação fiscal e cenário externo, principalmente devido à eleição nos Estados Unidos, são principais incertezas

A aposta dominante do mercado financeiro para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central desta semana é uma alta de 0,5 ponto percentual nos juros básicos da economia, para 11,25% ao ano. A dúvida: será sinalizada alguma coisa para os passos futuros e, mais importante, sobre o tamanho do ciclo de aperto?

O mercado não ficará completamente no escuro. O Copom sempre dá alguma indicação, às vezes mais forte e às vezes mais fraca, por meio de suas projeções de inflação. Elas passam uma ideia se a trajetória de juros esperada pelo mercado é suficiente ou não.

Por esse parâmetro, em setembro a situação já não era boa. O BC precisava levar a taxa Selic para mais de 13% ao ano. Ou subir menos que isso, mas adiar o ciclo de baixa, que o mercado então esperava para meados de 2025. Hoje, a situação parece um pouco pior.

Esse tipo de indicação nunca é um gabarito, menos ainda na situação atual. Nas últimas semanas, o Banco Central se esforçou para tirar um pouco do peso das projeções de inflação como um sinalizador de juros. Seu diretor de política econômica, Diogo Guillen, disse que desaprova a relação mecânica entre projeções e orçamento de alta de juros.

Provavelmente, o Copom apresentará de novo uma sinalização vaga sobre os seus passos futuros. As duas principais incertezas que exigem cautela não devem se resolver até quarta-feira, quando sai a decisão.

Uma delas é o cenário externo. A eleição americana será amanhã, mas a apuração pode levar dias, até uma semana. O temor dos mercados é a vitória do ex-presidente Donald Trump, com suas propostas inflacionárias.

A outra incerteza é a nossa política fiscal. Pela frequência que os membros do Copom falaram sobre o assunto, é a mais importante delas.

De um lado, tem o efeito na demanda agregada. O comitê inclui, nas suas contas, uma redução do impulso fiscal neste segundo semestre. Mas há dúvidas se ela vai, de fato, acontecer. E também se ela será suficiente e duradoura para garantir a desaceleração gradual da economia.

Em um evento em Washington, o diretor de assuntos internacionais do BC, Paulo Picchetti, transmitiu uma visão do lado mais esperançoso. Ele vê os primeiros sinais de desaquecimento da economia, em dados como vendas no varejo e serviços. Isso tende a desacelerar a inflação e, ao longo do tempo, retomar a convergência das expectativas de inflação para a meta.

Guillen, em reunião com investidores em Washington, mostrou-se mais cético. Para ele, a desaceleração fiscal seria mais estatística, devido a uma concentração de gastos no primeiro semestre, incluindo pagamentos de precatórios, antecipação do 13º do funcionalismo. Não seria necessariamente uma mudança de instância na política fiscal.

O futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, deu uma no cravo e outra na ferradura. Num evento em São Paulo, disse que o impulso pode se desacelerar, mas citou preocupações do mercado sobre a composição dos gastos, com transferências de recursos à população com maior propensão a consumir.

Mas, talvez, o aspecto crucial para o BC definir o tamanho do aperto monetário necessário sejam as iniciativas do governo para mudar estruturalmente o gasto e, dessa forma, garantir a viabilidade do arcabouço fiscal. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi o primeiro a chamar a atenção para isso, quando disse que é necessário um “choque fiscal”.

Também em Washington, o diretor de organização do sistema financeiro do BC, Renato Gomes, disse que essas medidas estruturais são fundamentais para reancorar as expectativas de inflação.

Nesse caso, o orçamento de aperto monetário seria outro. Expectativas de inflação na meta facilitam a queda da inflação e, mais do que isso, reforçam a credibilidade e a eficácia da política monetária.

Coube a Picchetti, indicado pelo governo Lula, dizer em Washington o que significaria o abandono do arcabouço fiscal. Haveria um impacto nas expectativas de inflação e no dólar, que piorariam o cenário inflacionário, exigindo mais juro do que o indicado nas projeções atuais. Mas não terminaria aí: o Copom teria que rever os parâmetros de seus modelos de projeção, que hoje não estão calibrados para uma situação mais extrema de descontrole fiscal, ou mudança de regime econômico. Nesse caso, a dosagem da Selic teria que ser bem maior.

Alguns participantes do mercado perguntaram aos dirigentes do BC por que, desde já, não dar um choque de juros para conquistar a credibilidade de vez. As opções do Copom da B3 deram na semana passada cerca de 50% de chances de um uma alta de um ponto percentual na Selic em janeiro.

A teoria e prática de política monetária, porém, dizem que os BCs só deve se mover mais rápido quando têm certeza sobre a dosagem total de juro. Na dúvida, vão mais devagar, acumulando informações ao longo do caminho. Mas, ao fim, a trajetória de juros é a necessária para fazer o serviço de controlar a inflação.

Em tempo: desta vez, não houve ruído nas falas dos membros do Copom a investidores na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, ao contrário das duas edições anteriores. Ajudou Campos Neto ter exigido dos organizadores a transmissão ao público.

 

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