O Globo
Os olhos do mundo estão voltados para a
eleição de amanhã na maior economia do planeta e a possibilidade de vitória de
um candidato que já demonstrou nenhum apreço pelas regras do jogo democrático
causa temores de que a agenda populista e autoritária ganhe ainda mais impulso
global.
Relatório deste ano do
instituto V-Dem, vinculado à Universidade de Gotemburgo (Suécia),
mostrou que a parcela da população mundial vivendo em países que se
autocratizaram superou aquela habitando em nações que se democratizaram nos
últimos 15 anos. Não se trata, portanto, de um fenômeno local, e para
combatê-lo é fundamental refletir sobre o papel da educação na construção e
preservação de uma cultura de convivência democrática.
Uma primeira constatação a ser feita é que a ampliação dos níveis de instrução não é garantia suficiente de que um país se torne mais democrático e tolerante. Apenas para ficar em um óbvio exemplo histórico, o nazismo foi germinado no início do século passado numa das sociedades mais escolarizadas da Europa à época. E o trauma da experiência do nazismo parece não ter gerado um aprendizado categórico da sociedade.
Hoje, seguindo uma receita similar — com
ingredientes como a desinformação, discursos de ódio, enfraquecimento da
confiança na ciência e no progresso e atitudes antiestablishment — a extrema
direita recrudesceu tanto em países desenvolvidos quanto em nações pobres.
Com efeito, precisamos discutir sobre qual
modelo educacional pode ser eficaz para garantir o desenvolvimento pleno de
cada pessoa, incluindo tanto a formação para uma cidadania ativa e convicta dos
valores democráticos como a preparação para o mercado de trabalho, em acelerada
transformação.
O livro de François Dubet e Marie
Duru-Bellat, “A escola pode salvar a democracia?”, de 2020, afirma que “a
confiança na educação de massas não diz respeito apenas ao progresso na
igualdade e ao aumento das competências dos estudantes. Diz respeito, também, à
transmissão da cultura e dos valores democráticos. (...) Essa confiança
baseia-se na crença de que a escola, ao mesmo tempo, educa e instrui”. Hoje,
precisamos avaliar, enquanto sociedade, em que medida essa confiança está
abalada.
Para além disso, supomos que a equidade no
ambiente escolar é também parte importante dessa estratégia, pois altos níveis
de desigualdade são prejudiciais às sociedades democráticas, por dificultarem,
entre outros fatores, a construção de confiança mútua, a participação social, o
respeito e a valorização da diversidade.
Como afirmou a professora e ativista
norte-americana bell hooks, “temos de trabalhar para encontrar maneiras de
ensinar e compartilhar conhecimento de modo a não reforçar estruturas
existentes de dominação (hierarquias de raça, gênero, classe e religião). A
diversidade de discursos e de presenças pode ser bastante valorizada como um
recurso que intensifica qualquer experiência de aprendizado”.
Estratégias em que a educação contribua para
o fortalecimento de uma sociedade democrática não deveriam ser conflitantes com
o desenvolvimento de capital humano. A princípio, a economia tende a ganhar com
o fortalecimento da democracia, como demonstraram, em artigo de 2019, os pesquisadores Daron Acemoglu, James A.
Robinson, Pascual Restrepo e Suresh Naidu, ao constatarem que a democratização
aumenta o PIB per capita em cerca de 20% no longo prazo. Os dois primeiros
autores foram laureados neste ano, junto com Simon Johnson, com o Nobel de
Economia.
No livro “O Corredor Estreito” (2020),
Acemoglu e Robinson também argumentam que, se é verdade que o Estado precisa
ser forte para manter a paz e fomentar o crescimento, é igualmente fundamental
uma sociedade forte e mobilizada para controlar e limitar seus excessos. Isso
só se faz com uma cidadania crítica e ativa.
A aquisição de conhecimentos essenciais
básicos e o desenvolvimento de habilidades mais sofisticadas — como o
pensamento crítico e o raciocínio analítico dedutivo — são fundamentais para
que os cidadãos sejam mais capazes de entender fenômenos complexos e façam
melhores escolhas individuais e coletivas. Mas a formação para a democracia
exige mais do que isso. É preciso praticar a resolução de conflitos, a
habilidade para conviver com argumentos divergentes e o debate qualificado
desde cedo.
Isso não se faz por transmissão de
conhecimento. Por definição, a escola pública é o local do convívio com as
diferenças. Conflitos vão sempre existir, mas a maneira como os processamos é
que pode diferenciar experiências autoritárias das democráticas.
Felizmente, temos experiências pelo Brasil de
escolas que conseguiram melhorar seus indicadores de convivência e aprendizagem
sem apelar para falsas soluções autoritárias. Precisamos que a escola seja uma
instituição que fortaleça a democracia, assegure o desenvolvimento cognitivo,
emocional e social e promova a cidadania. O caminho passa por aqui.
Um comentário:
Infelizmente as nossas escolas públicas estão em péssimas condições Estruturais e pedagógicas Apesar dos discursos maravilhosos e boas intenções dos educadores de esquerda o resultado está sendo um desastre
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