O Globo
Gênero e raça, embora Kamala seja uma mulher
negra descendente de asiáticos, foram temas amenizados ao longo da campanha
Depois de uns dias andando por Nova York,
percebe-se como a realidade mata os modismos. Das eleições americanas, que
ocorrem amanhã, fica uma certeza — independentemente de quem ganhe, a pauta
identitária sai chamuscada. Gênero e raça, embora Kamala Harris seja uma mulher
negra descendente de asiáticos, foram temas amenizados ao longo da campanha.
Deputadas estridentes do politicamente correto, como Alexandria Ocasio-Cortez,
alcunhada AOC, não tiveram voz na corrida presidencial.
De início, Kamala escandiu as duas credenciais, mas nos meses seguintes tratou de procurar oferecer políticas públicas aos negros (moradia principalmente) e mulheres (defesa do aborto) e não de tingir seu discurso em guerra cultural. Quis exibir uma plataforma de cunho social, longe de ser identitária como pregam a extrema esquerda democrata e ainda alguns cordões universitários. AOC, em campanha para reeleição de deputada, fez disso sua bandeira central — “a luta por direitos raciais e sociais”.
No Brasil, o pessoal mais moderado dos
partidos da esquerda começa a culpar, entre os muitos erros, a pauta
identitária, mais aguçada que na campanha democrata americana, como vilã da
razia sofrida nas urnas. A violência doméstica se tornou uma tecla diariamente
usada por Guilherme
Boulos contra Ricardo Nunes,
acusado de agredir a mulher anos atrás. Boulos, que trazia Marta Suplicy como
vice, perdeu por uma diferença de mais de 1 milhão de votos. Ao final, vale
lembrar que abstenção, nulo e branco tiveram melhor desempenho do que ambos.
Da eleição, saiu outra régua para confirmar o
ocaso da guerra identitária. A ex-secretária de Cultura paulistana Aline Torres
tentou pela segunda vez uma vaga parlamentar exibindo o conhecido combo:
mulher, preta e periférica. Apesar da campanha com muitos recursos, o discurso
encontrou eco em apenas 17.734 eleitores ou 0,31% do universo eleitoral. Ela
nem sequer ficou para suplente. Ao longo de sua gestão, exercitou política
densamente identitária, com editais para as artes repletos de cotas para pretos,
mulheres e indígenas. Independentemente de alguns setores terem cunho técnico,
como direção de cinema ou produção, o critério usado privilegiou a raça ou o
gênero. Como a identificação se faz por autodeclaração, é uma festa. Por sorte
da população, o recorte ideológico de contratação ainda não encontrou eco nas
carreiras dos dentistas ou cirurgiões.
A política cultural praticada pelo PT e
reverberada pela primeira-dama não é diferente da gestão paulistana. Os
recentes editais da Ancine seguem
semelhante ideário de cotas para gênero e raça, com pontuação a favor do
quesito identitário em detrimento do currículo profissional. É, antes de tudo,
uma política pública populista, de desamor à sociedade, porque caminha pela
clivagem e alimenta os discursos da extrema direita. Anote: a veneranda
Universidade de Brasília anunciou a instituição de cotas para transgêneros. De
novo, parece ser um olhar de almoxarifado, de quem só enxerga escaninhos, e não
uma medida de universalização da educação.
Lula, que amargou acachapante derrota em
outubro, deveria pedir a sua equipe uma leitura atenta de dados trazidos por Musa al-Gharbi com repercussão na
Economist de setembro passado. Musa, autor de “We have never been woke”, a
partir de pesquisas cruzadas por diversos colaboradores, atesta o afastamento
da população da pauta “wokista”. De acordo com as tendências levantadas, o auge
da guerra cultural ocorreu em 2020 e, desde então, ela mergulhou em forte
arrefecimento. O modismo se esvai.
São dados importantes para a esquerda na
eleição brasileira de 2026:
— Antes afinados com os democratas, mulheres
com grau universitário e trabalhadores em início de carreira agora caminham
para o centro;
— A geração Z demonstra apetite por conteúdo
com humor e subversão. Mostra-se cansada do controle moralizante da turma
identitária. Eu, hein. “Eles reconhecem que a revolução não virá tão cedo.
Estão procurando se divertir, relaxar e se soltar um pouco”, escreve Musa, não
sem razão.
— O cargo de vigilância da diversidade dentro
das empresas (CDO) perdeu importância em 75% do universo pesquisado. O diretor
de Recursos Humanos voltou ao estágio anterior — ser voz na definição de
contratações, mas sem critério ideológico.
2 comentários:
Nunca tive orgulho de ser homossexual,muito pelo contrário,adoraria ter nascido mulher,não consigo viver de mentira!
Bravo companheiro!!
Estas questões em que a minoria quer se tornar maioria na marra cansou o povo
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