segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Pauta identitária afugenta eleitores – Miguel de Almeida

O Globo

Gênero e raça, embora Kamala seja uma mulher negra descendente de asiáticos, foram temas amenizados ao longo da campanha

Depois de uns dias andando por Nova York, percebe-se como a realidade mata os modismos. Das eleições americanas, que ocorrem amanhã, fica uma certeza — independentemente de quem ganhe, a pauta identitária sai chamuscada. Gênero e raça, embora Kamala Harris seja uma mulher negra descendente de asiáticos, foram temas amenizados ao longo da campanha. Deputadas estridentes do politicamente correto, como Alexandria Ocasio-Cortez, alcunhada AOC, não tiveram voz na corrida presidencial.

De início, Kamala escandiu as duas credenciais, mas nos meses seguintes tratou de procurar oferecer políticas públicas aos negros (moradia principalmente) e mulheres (defesa do aborto) e não de tingir seu discurso em guerra cultural. Quis exibir uma plataforma de cunho social, longe de ser identitária como pregam a extrema esquerda democrata e ainda alguns cordões universitários. AOC, em campanha para reeleição de deputada, fez disso sua bandeira central — “a luta por direitos raciais e sociais”.

No Brasil, o pessoal mais moderado dos partidos da esquerda começa a culpar, entre os muitos erros, a pauta identitária, mais aguçada que na campanha democrata americana, como vilã da razia sofrida nas urnas. A violência doméstica se tornou uma tecla diariamente usada por Guilherme Boulos contra Ricardo Nunes, acusado de agredir a mulher anos atrás. Boulos, que trazia Marta Suplicy como vice, perdeu por uma diferença de mais de 1 milhão de votos. Ao final, vale lembrar que abstenção, nulo e branco tiveram melhor desempenho do que ambos.

Da eleição, saiu outra régua para confirmar o ocaso da guerra identitária. A ex-secretária de Cultura paulistana Aline Torres tentou pela segunda vez uma vaga parlamentar exibindo o conhecido combo: mulher, preta e periférica. Apesar da campanha com muitos recursos, o discurso encontrou eco em apenas 17.734 eleitores ou 0,31% do universo eleitoral. Ela nem sequer ficou para suplente. Ao longo de sua gestão, exercitou política densamente identitária, com editais para as artes repletos de cotas para pretos, mulheres e indígenas. Independentemente de alguns setores terem cunho técnico, como direção de cinema ou produção, o critério usado privilegiou a raça ou o gênero. Como a identificação se faz por autodeclaração, é uma festa. Por sorte da população, o recorte ideológico de contratação ainda não encontrou eco nas carreiras dos dentistas ou cirurgiões.

A política cultural praticada pelo PT e reverberada pela primeira-dama não é diferente da gestão paulistana. Os recentes editais da Ancine seguem semelhante ideário de cotas para gênero e raça, com pontuação a favor do quesito identitário em detrimento do currículo profissional. É, antes de tudo, uma política pública populista, de desamor à sociedade, porque caminha pela clivagem e alimenta os discursos da extrema direita. Anote: a veneranda Universidade de Brasília anunciou a instituição de cotas para transgêneros. De novo, parece ser um olhar de almoxarifado, de quem só enxerga escaninhos, e não uma medida de universalização da educação.

Lula, que amargou acachapante derrota em outubro, deveria pedir a sua equipe uma leitura atenta de dados trazidos por Musa al-Gharbi com repercussão na Economist de setembro passado. Musa, autor de “We have never been woke”, a partir de pesquisas cruzadas por diversos colaboradores, atesta o afastamento da população da pauta “wokista”. De acordo com as tendências levantadas, o auge da guerra cultural ocorreu em 2020 e, desde então, ela mergulhou em forte arrefecimento. O modismo se esvai.

São dados importantes para a esquerda na eleição brasileira de 2026:

— Antes afinados com os democratas, mulheres com grau universitário e trabalhadores em início de carreira agora caminham para o centro;

— A geração Z demonstra apetite por conteúdo com humor e subversão. Mostra-se cansada do controle moralizante da turma identitária. Eu, hein. “Eles reconhecem que a revolução não virá tão cedo. Estão procurando se divertir, relaxar e se soltar um pouco”, escreve Musa, não sem razão.

— O cargo de vigilância da diversidade dentro das empresas (CDO) perdeu importância em 75% do universo pesquisado. O diretor de Recursos Humanos voltou ao estágio anterior — ser voz na definição de contratações, mas sem critério ideológico.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Nunca tive orgulho de ser homossexual,muito pelo contrário,adoraria ter nascido mulher,não consigo viver de mentira!

Anônimo disse...

Bravo companheiro!!
Estas questões em que a minoria quer se tornar maioria na marra cansou o povo