quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova vacina contra dengue exige análise veloz da Anvisa

O Globo

Desenvolvida pelo Instituto Butantan, ela traz vantagens logísticas, pode ser produzida em escala e deter epidemia

Até o início deste mês já havia 6,6 milhões de casos de dengue notificados no Brasil, o quádruplo do total registrado em 2023. As mortes chegavam a 5.922 até o último dia 14, quase o quíntuplo. Para combater a doença, é necessária ação em duas frentes. A primeira, bastante conhecida, embora nem sempre executada de modo eficaz, consiste em erradicar os focos onde prolifera o mosquito Aedes aegypti, transmissor da moléstia. A segunda é a vacinação — e o Brasil acaba de dar um passo fundamental com o desenvolvimento de uma nova vacina pelo Instituto Butantan, de São Paulo.

O Butantan já tem experiência com a produção da Qdenga, vacina desenvolvida pela farmacêutica japonesa Takeda em parceria com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. A Qdenga foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no ano passado e já faz parte das campanhas do Ministério da Saúde. Mas a vacina própria, batizada Butantan-DV, representa ganhos significativos. Por ser de dose única, ela oferece vantagens logísticas que reduzem os custos de produção e distribuição, característica essencial para impedir uma grande epidemia da doença. Além disso, o país deixa de depender de fornecedores externos. Em março, começou uma campanha de vacinação com a Qdenga, mas a Takeda só conseguiu fornecer 6,6 milhões de doses, por falta de capacidade de produção. Na rede pública, a vacinação se restringiu a jovens de 10 a 14 anos de idade, apenas em municípios com alta incidência da doença.

Para o ano que vem, a Takeda prevê entregar 9 milhões de doses. Isoladamente, elas não são suficientes para deter o avanço da doença. “Não teremos mais ou menos casos, com menos de 10% da população vacinada”, diz o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri. A longo prazo, com uma proporção crescente da população vacinada, é natural haver redução nos casos. Justamente por isso a nova vacina do Butantan será fundamental. O instituto afirma ter capacidade para produzir 100 milhões de doses nos próximos três anos — 1 milhão já em 2025.

Para isso, porém, primeiro é necessário que a Anvisa a aprove e a incorpore ao Programa Nacional de Imunizações. Os resultados dos testes clínicos, publicados na revista médica The New England Journal of Medicine, são auspiciosos. Realizados durante cinco anos e encerrados em junho, reuniram 16.235 participantes, com idades de 2 a 59 anos. Ao longo de dois anos, a Butantan-DV reduziu em 79,6% o risco de contrair a doença. A proteção foi ainda mais elevada (89,2%) naqueles que já haviam contraído dengue. Isso é importante porque esses casos costumam ser mais graves.

Um monitoramento mais longo, depois de 3,7 anos da vacinação, publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, mostrou que a proteção ficou em 67,3% na média e em 89% para casos mais graves. A Butantan-DV previne contra quatro tipos de dengue, dois dos quais não foram detectados durante os testes.

A Butantan-DV é uma prova eloquente da importância dos investimentos em pesquisas científicas, sobretudo nas áreas em que o Brasil detém vantagens comparativas. Agora, a Anvisa precisa acelerar a análise para que o brasileiro possa enfim ter acesso a essa proteção.

Prefeituras precisam acelerar a adoção de ônibus elétricos

O Globo

São Paulo tem maior frota do Brasil e plano para substituir veículos a diesel, mas vereadores impuseram retrocesso

Cena comum nas grandes cidades brasileiras, ônibus lançando fumaça na atmosfera enquanto o mundo tenta reduzir as emissões de gases de efeito estufa são anacrônicos e contribuem para agravar as mudanças no clima. As prefeituras brasileiras deveriam acelerar a substituição de suas frotas, hoje a diesel, por veículos elétricos, como já fazem cidades na China ou na União Europeia. Não é tarefa simples, mas é essencial.

Ônibus elétricos não chegam a ser novidade no Brasil. Décadas atrás, São Paulo e Rio conviveram com trólebus. O domínio do motor a combustão forçou a troca (em São Paulo, alguns resistem até hoje). Na versão moderna, os ônibus elétricos são mais silenciosos, mais confortáveis e menos poluentes.

É louvável que algumas cidades já tenham planos para substituir suas frotas, ainda que no longo prazo. No fim de novembro, a Prefeitura de São Paulo assinou com o BNDES um empréstimo de R$ 2,5 bilhões para comprar mais 1.300 ônibus elétricos. A ideia é que as empresas fiquem responsáveis por instalar a infraestrutura de carregamento. Hoje a capital paulista já tem 489 veículos desse tipo, a maior frota elétrica do Brasil. Pela legislação atual, desde 2022, as empresas de transporte paulistanas estão proibidas de comprar modelos a diesel.

Em descompasso com as metas, a Câmara de Vereadores de São Paulo aprovou em 18 de dezembro Projeto de Lei que adia de 2038 a 2054 o prazo para a cidade zerar as emissões de gás carbônico. A medida terá impacto no cronograma de renovação da frota, pois, lamentavelmente, permite que as empresas voltem a comprar veículos a diesel, sob a justificativa de dificuldades para expansão da frota de elétricos e de falta de infraestrutura nas garagens.

No Rio, segunda maior cidade do país, a Câmara de Vereadores derrubou veto do Executivo e aprovou em março deste ano uma lei determinando a substituição gradual da frota de ônibus da cidade por veículos elétricos. A iniciativa deverá começar pela Zona Sul e, até 2040, terá de contemplar todos os bairros. Há também um projeto para ampliar as linhas do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), espécie de bonde 100% elétrico que hoje circula na região central. Seria oportuno apresentar um plano com prazos e metas para aposentar gradualmente os veículos a diesel.

O Brasil todo conta hoje com apenas 686 ônibus elétricos, segundo a plataforma E-Bus Radar. Isso representa apenas 0,6% dos 107 mil coletivos do país. Além de São Paulo, capitais como Salvador, Curitiba, Florianópolis, Belém, Brasília, Goiânia e Porto Alegre já começam a incorporar elétricos às suas frotas. Mas é preciso andar em ritmo mais rápido.

Cedo ou tarde, ônibus elétricos deverão predominar nas ruas. Barreiras que hoje travam a expansão — como preço (cerca de 3,5 vezes maior) ou infraestrutura para carregamento — serão superadas com o avanço tecnológico, como tem ocorrido com os carros. No futuro de cidades fustigadas pelos efeitos das mudanças climáticas, não pode haver espaço para o atraso.

Além do tamanho, importam os custos da dívida pública

Folha de S. Paulo

Passivo brasileiro preocupa, mesmo sendo inferior ao de países ricos; com baixa taxa de poupança, juros são mais altos

A falta de credibilidade da política econômica cobra seu custo na forma de desvalorização acentuada da moeda nacional, alta da inflação e escalada dos juros. O resultado é maior custo de rolagem da dívida federal —que acelera seu crescimento, num círculo vicioso.

Um erro propagado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e expoentes de seu partido é o argumento de que o endividamento do Estado brasileiro não é elevado para padrões internacionais.

Verdade que o passivo bruto nos três níveis de governo, que chegou aos 77,8% do Produto Interno Bruto em outubro (85,7% pelos critérios do FMI), é menos expressivo do que os de boa parte dos países ricos. Trata-se de um patamar excessivo, contudo, para um emergente.

Os encargos, isso sim, são elevadíssimos em qualquer base de comparação. O governo federal brasileiro pagou 6,66% do PIB em juros nos 12 meses encerrados em outubro. Os Estados Unidos devem 96,2% do PIB, no entanto gastam não mais de 2,8% do PIB em juros em bases anuais —e isso porque as taxas estão acima do normal por lá.

Também cabe ter em mente a dimensão do passivo em relação à riqueza nacional. No caso americano, a riqueza líquida das famílias (o quanto o setor privado detém em ativos, como imóveis, ações e títulos de renda fixa) chega a 5,3 vezes o PIB.

Em outras nações prósperas mais endividadas, a riqueza não raro é superior a 4 vezes o produto. No Brasil, a medição, imperfeita, não passa de 2 vezes.

Isso significa que o financiamento da dívida pública demanda pouco mais de 15% da riqueza nos EUA, enquanto aqui absorve nada menos que 40%.

Fica claro que o impacto do peso da imprudência fiscal é muito maior no Brasil. O país não gera poupança nem é rico o suficiente, de modo que não pode haver conforto nem com o nível nem com a expansão da dívida.

Há outros agravantes. Grande parte da dívida federal brasileira, 45,7% em outubro, é indexada à taxa Selic, do Banco Central, ao passo que em outras nações a maior parcela é prefixada. Isso significa que o aumento dos juros impulsiona o custo de rolagem de maneira instantânea, numa matemática implacável que pode conduzir rapidamente à insolvência se não for revertida.

O jeito de domar a dívida e os juros cavalares num país de baixa poupança e alta carga tributária é conter o crescimento das despesas de modo a obter um saldo positivo nas contas antes das despesas financeiras. É o chamado superávit primário, que deixamos de fazer há uma década.

Imaginar que o gasto público impulsionará a economia e viabilizará o equilíbrio fiscal, que os juros podem cair à base de voluntarismo político, que um pouco mais de inflação não faz mal ou que basta elevar a carga tributária é repetir equívocos já comprovados à farta. Assim como acreditar que a dívida pode aumentar contínua e impunemente.

Governos têm o dever de conter a dengue em 2025

Folha de S. Paulo

Brasil quebra recorde de mortes pela doença, mesmo com alerta da OMS em 2023; Estado deve agir, em vez de culpar o clima

O ano finda com um indicador trágico para a saúde brasileira. Em 2024, mais pessoas morreram por dengue no país (5.873) do que a soma dos oito anos anteriores (4.992), segundo levantamento da Folha com base no Datasus

Com o período de chuvas iniciado, e já causando mortes como se viram em São Paulo, o poder público tem o dever de se preparar para conter a doença em 2025.

Devido ao aquecimento global, aliado ao El Niño, a incidência da dengue neste ano de fato subiu em todo o mundo, principalmente nas Américas. Mas, no Brasil, falhas nas três esferas de governo podem ter piorado a situação.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, foram mais de 12,6 milhões de casos na região, quase o triplo do que em 2023, e mais de 7.000 mortes. Argentina, Brasil, Colômbia e México respondem por 90% dos casos e 88% dos óbitos —e o Brasil, pela maioria de ambos os indicadores.

Populações de Sul e Sudeste do país foram mais afetadas, dada sua vulnerabilidade. Como vivem em regiões de clima mais ameno, tiveram menos contato com os sorotipos do vírus. Mas, com a alta do calor e das chuvas, o Aedes aegypti se prolifera.

Em 2024, as maiores taxas de óbito por 100 mil habitantes foram as de Distrito Federal (15,2), Paraná (6,19), Goiás (5,41), Minas Gerais (5,24), São Paulo (4,27) e Santa Catarina (4,22).

mudança climática, contudo, não pode mais ser ser usada como artifício para explicar tal morticínio. O fenômeno é estudado há décadas e suas consequências são projetas pela ciência —a OMS já em 2023 havia alertado para piora da dengue daquele ano até este.

São necessárias ações integradas entre o Ministério da Saúde, estados e municípios.

No curto prazo, alocar recursos em atendimento ambulatorial, agilizar diagnósticos, intensificar campanhas de conscientização e ampliar estoques de vacinas —além da japonesa Qdenga, de duas doses, o Instituto Butantan enviou pedido de registro do seu imunizante de dose única para a Anvisa em 16 de dezembro.

Em médio e longo prazos, há que expandir o método Wolbachia, que usa uma bactéria para limitar a procriação do mosquito, ampliar o acesso ao saneamento e instituir programas de adaptação à mudança climática. No âmbito doméstico e global, ainda é preciso desenvolver drogas para conter a piora no quadro clínico de pacientes infectados.

Há muito a ser feito pelo poder público. Esperar pela tragédia anunciada e culpar o aquecimento global não são opções.

A recalcitrância do Congresso custa caro

O Estado de S. Paulo

A cúpula do Legislativo se desdobrou em 2024 para não cumprir decisão do STF de dar transparência às emendas ao Orçamento. Mas a Corte mostrou que não se deixa enganar facilmente

O País iniciará o ano novo tendo de lidar com um novo capítulo da recalcitrância do Congresso em cumprir as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que visam a adequar as emendas orçamentárias à Constituição.

No dia 23 de dezembro, o ministro Flávio Dino atendeu a um pedido do PSOL em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e suspendeu novamente o pagamento das emendas parlamentares ao Orçamento. Foram bloqueados tanto os R$ 4,2 bilhões previstos até o fim de 2024 como os cerca de R$ 50 bilhões orçados para 2025 até que alguns deputados e senadores resolvam parar de se comportar como fora da lei e informem para quem e por que enviam tamanho volume de recursos públicos. Não por acaso, Dino ainda determinou que a Polícia Federal investigue as supostas manobras do Congresso para burlar as decisões do STF e, claro, a eventual malversação da dinheirama que já foi liberada.

O Congresso, é forçoso dizer, desdobrou-se para fazer de 2024 um ano notável em sua história, mas não necessariamente pelo eventual bom trabalho que tenha prestado ao País. Como já sublinhamos nesta página, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de fato protagonizaram movimentos de defesa da democracia e deram andamento a importantes projetos neste ano. Mas seria o caso de agradecer-lhes pelo cumprimento de um papel elementar do Parlamento no Estado Democrático de Direito? Outros antes deles, afinal, também já o fizeram, mas sem que o preço de suas entregas fosse tão alto para o País. A marca da gestão de Lira e Pacheco à frente das duas Casas é, pois, a completa distorção do Orçamento público.

A aprovação de matérias relevantes para o País, como a reforma tributária, entre outras, não tem o condão de apagar toda sorte de ardis engendrados pela cúpula do Congresso em 2024 para se assenhorar de um quinhão inaudito do Orçamento sem a devida transparência nem muito menos isonomia. Lira, Pacheco e Davi Alcolumbre (União-AP), provável futuro presidente do Senado, controlaram com mão de ferro a distribuição de bilhões de reais entre seus grupos políticos. Abusaram de audácia e criatividade para sustar qualquer possibilidade de identificação de patronos e beneficiários das emendas com o claro objetivo de evitar a responsabilização dos parlamentares pela eventual malversação dos recursos públicos, no que se materializou como uma desabrida burla do sistema de freios e contrapesos e, ademais, um abastardamento do próprio ideal republicano.

Tudo caminhava bem para o desfecho imaginado pelas cúpulas das duas Casas, que há exatamente dois anos vêm descumprindo de todas as formas a decisão do STF de exigir transparência e isonomia no pagamento das emendas parlamentares. Até que Dino, depois seguido por seus pares na Corte, resolveu jogar mais duro com os que desrespeitam a Constituição de forma tão evidente quanto acintosa. Em agosto, recorde-se, o ministro suspendera o pagamento das emendas até que o Congresso criasse mecanismos legais de garantia da transparência e igualdade na distribuição dos recursos públicos. O Congresso, então, aprovou uma lei malandra que nem o mais cândido dos cidadãos haveria de dizer que atendeu aos critérios definidos pelo STF para restabelecer o pagamento das emendas. Sancionada sem vetos pelo presidente Lula da Silva, que se deixou tomar como refém pelo Legislativo por incompetência para ditar os rumos da agenda nacional, a lei mandrake entrou em vigor, mas o STF, uma vez mais, mostrou que não se deixou enganar e condicionou o pagamento ao cumprimento de uma série de exigências com vistas à garantia do escrutínio público sobre a disposição dos recursos.

Esses critérios, por óbvio, não foram cumpridos, haja vista que a opacidade é da natureza dessa nova forma de o Congresso exercer poder por meio das emendas impositivas. O tempo dirá que fim levará essa disputa entre Poderes, que, além de se prolongar por um motivo antirrepublicano – a contumácia do Congresso em burlar a Constituição –, ainda causa grande prejuízo à sociedade por dificultar o bom andamento de uma agenda virtuosa para o País.

Horizonte distante no controle fiscal

O Estado de S. Paulo

Estabilização fiscal que Lula garantiu buscar em seu 3.º mandato já é estimada para 2030; política inconsistente do governo na contenção de gastos demole credibilidade do arcabouço

Quando o arcabouço fiscal, desenhado pelo governo Lula da Silva, foi aprovado pelo Congresso, em agosto de 2023, o compromisso assumido foi o de que já em 2024 os gastos públicos se equiparariam ao nível das receitas e o País daria adeus aos resultados deficitários. A partir de 2025, a ideia era manter o saldo positivo das contas de forma perene, deixando de herança para as próximas gestões a fórmula para obtenção do superávit fiscal e estabilização da dívida brasileira.

O governo chega agora à metade do mandato enxergando de forma cada vez mais longínqua essa possibilidade. Economistas que previam, na melhor das hipóteses, chance de estabilização entre 2026 e 2027 – extrapolando, portanto, a atual gestão – reveem cálculos e já a projetam para o final do próximo governo, mesmo com o pacote de cortes proposto pelo governo, cuja medida de maior impacto foi a revisão do modelo de reajuste real do salário mínimo. Em entrevista ao Estadão, o coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Ibre/FGV, Manoel Pires, situou este horizonte em 2030, a depender das premissas.

A bem da verdade, o arcabouço fiscal – que substituiu o teto de gastos como regime limitador dos gastos públicos da União – nunca desfrutou de muita credibilidade junto ao mercado e, é possível imaginar, à sociedade como um todo. Desde sua apresentação, teve mais torcida do que confiança de fato nas metas ambiciosas da equipe econômica. Quando as mesmas metas foram “flexibilizadas”, para usar o eufemismo mais adotado pelo governo, menos de um ano após a aprovação, a desconfiança se alastrou de vez.

A maior virtude da nova legislação era justamente vincular o crescimento das despesas – condicionado ao cumprimento das metas fiscais – ao aumento das receitas. Seria esse o caminho para a busca da sustentabilidade, como ressalta o próprio texto da lei: “A política fiscal da União deve ser conduzida de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios, garantindo a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas”.

O fisiologismo que grassa na política federal, aliado ao apreço desmedido do governo Lula por gastos eleitoreiros, provou que, na prática, o objetivo pretendido era mais difícil do que aparentava. Medidas tidas como impopulares, como a readequação de benefícios distribuídos pelo governo, causam especial aversão, tanto no Planalto quanto no Congresso, mesmo que amparadas em bases convincentes, como é o caso da importância de desindexar gastos do reajuste do salário mínimo.

De publicação anual, o Relatório de Riscos Fiscais da União, elaborado pelo Tesouro Nacional, tenta ajudar a restabelecer a sustentabilidade fiscal do País. Na divulgação do ano passado, advertiu que cada R$ 1 de aumento no salário mínimo representaria alta de R$ 349,9 milhões nas despesas do governo em 2024. O valor do mínimo, que no início de 2023 era R$ 1.302, neste ano está em R$ 1.412. Por essa conta simples, chega-se a R$ 38,5 bilhões adicionais nos gastos públicos.

No projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) enviado em agosto ao Congresso, o governo estimou para 2025 o valor de R$ 1.509 para o salário mínimo, com base no modelo de valorização atualmente em vigor, que leva em conta a inflação e o crescimento do PIB dos dois anos anteriores. Como o IBGE recalibrou de 2,9% para 3,2% a alta do PIB em 2023, o valor sobe para R$ 1.528. Por óbvio o modelo de valorização real do mínimo, lançado no ano passado e que o governo tenta agora modificar no Congresso, não seria sustentável.

A pesquisa Prisma Fiscal do Ministério da Fazenda mostra que a dívida pública caminha para chegar a 100% do PIB em menos de dez anos. No programa de governo que registrou no TSE durante a campanha de 2022, Lula da Silva dedicou um trecho a críticas ao teto de gastos e garantiu que iria construir “um novo regime fiscal, que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade”. Até agora, está em dívida com os três objetivos.

Demagogia com o DPVAT

O Estado de S. Paulo

Deputados e senadores acabam com o seguro recriado por eles mesmos há apenas sete meses

O Congresso aprovou o fim do Seguro Obrigatório para a Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), o antigo DPVAT, sete meses depois de recriá-lo. A ideia é livrar todos os proprietários de veículos automotores da taxa que seria cobrada a partir de 2025.

Esse vaivém é antigo. O brasileiro assiste a essa novela há pelo menos cinco anos. Foi em 2019, sob o argumento de que o seguro é ineficiente, que o então presidente Jair Bolsonaro fez de sua extinção uma bandeira. Na época, ele enviou uma medida provisória ao Congresso para acabar com o seguro, e, desde o ano seguinte, a taxa não é recolhida. Com isso, Bolsonaro estaria livrando os motoristas do peso de mais uma cobrança feita pelo Estado, em seu típico discurso populista. O dinheiro que já havia sido arrecadado passou para a gestão da Caixa Econômica Federal. E os recursos continuaram a custear indenizações, esgotando-se em novembro de 2023.

Em abril de 2024, o Congresso achou adequado atender a um pedido do governo Lula da Silva e aprovou a recriação do DPVAT, agora com nova roupagem. Com valor de R$ 50 a R$ 60 por veículo, bancaria indenizações por morte, invalidez permanente, total ou parcial e reembolsaria despesas médicas. O projeto foi aprovado na Câmara com o voto de 304 deputados, e no Senado, com o aval de 41 parlamentares.

Desde então, porém, governadores mais alinhados ao bolsonarismo passaram a travar uma batalha retórica contra o novo DPVAT. Pela lei, o pagamento do seguro é obrigatório e condicionante para o licenciamento do veículo, um serviço prestado pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans). Caberia a esses órgãos firmarem acordos com a Caixa para a transferência da taxa.

No início, São Paulo, Paraná e Goiás colocaram-se contra o recolhimento do novo DPVAT. Mas agora nada menos que 21 governos estaduais passaram a criticar o seguro, o que aumentou o imbróglio. Nesse cenário, 444 deputados e 72 senadores votaram pelo fim da taxa para a qual haviam dado apoio pouco tempo antes. É de perguntar o que mudou nesse curto espaço de tempo para que os parlamentares dessem tamanha guinada no posicionamento sobre a conveniência dessa cobrança. E, pior, com o aval do governo Lula.

Por trás do fim do novo DPVAT está, em primeiro lugar, a fragilidade política da gestão Lula. Líderes do governo aceitaram sua extinção diante do risco de derrota ou desmonte do pacote de ajuste fiscal. Além disso, houve articulação da oposição para encurralar a base e sair como vencedora, sob a alegação de que defendia os interesses dos cidadãos. Não à toa, deputados bolsonaristas foram às redes sociais comemorar.

O que se viu, no entanto, foi uma disputa na qual os interesses dos cidadãos jamais estiveram no centro dos debates. Até porque pouca discussão houve para justificar o fim de algo que acabara de ser recriado. Resta saber o que os congressistas dirão àqueles que vierem a ser vítimas de acidentes de trânsito e não poderão contar com nenhum amparo financeiro.

Nessa briga, venceram a demagogia e a irresponsabilidade. A ver o que fará Lula da Silva, se terá juízo, ao sancionar ou vetar a matéria.

Os avanços e os percalços de 2024

Correio Braziliense

Quando se olha para o que foi feito, na prática, pelo poder público neste ano para diminuir as mazelas sociais, o Brasil alcançou avanços significativos

O período de festas costuma ser acompanhado por uma maior sensibilidade da população brasileira às mazelas que circundam a sociedade. Junto ao espírito natalino, vêm a solidariedade e um cada vez mais raro sentimento de justiça social. É comum que familiares, amigos e empresas façam campanhas coletivas para doação de roupas e alimentos com intuito de ajudar o próximo. 

Quando se olha para o que foi feito, na prática, pelo poder público neste ano para diminuir as mazelas sociais, o Brasil alcançou avanços significativos. O mais recente relatório das Nações Unidas aponta para uma queda de 85% na insegurança alimentar severa no país — na esteira da criação de um ministério dedicado somente à área.

Em entrevista recente, o ministro da pasta, Wellington Dias, creditou o fenômeno à criação do Plano Brasil sem Fome, instituído a partir de um decreto do presidente Lula assinado em agosto de 2023. O objetivo da política pública segue uma das frases mais compartilhadas pelo Planalto na atual gestão: "Colocar o pobre no Orçamento". 

O Brasil figurou no mapa da fome da ONU desde 2019, após deixar a vergonhosa classificação em 2014. O retorno a tal condição veio como consequência dos problemas econômicos causados pela pandemia da covid-19 e por decisões tomadas em gestões anteriores que fragilizaram políticas públicas importantes, como a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), braço do Executivo para executar medidas relacionadas ao combate à pobreza. Fazer com que 14,7 milhões de pessoas deixem de passar fome, portanto, é um grande avanço. 

E não é o único. O trimestre fechado em outubro aponta para a menor taxa de desemprego no país desde 2014: 6,4%. Esse dado, porém, precisa ser visto com cautela, diante do alto número de empregados em posições pouco atrativas, com salários ruins e quase sem direitos trabalhistas, sobretudo os trabalhadores e trabalhadoras dos aplicativos de transporte privado e entrega de comidas e objetos. 

Outra boa notícia é a inflação acumulada de 4,87% nos últimos 12 meses, índice que chegou a ter dígitos duplos na reta final de 2022, quando a população ficou sufocada com a alta da cotação dos combustíveis — sobretudo, o diesel, que eleva o preço dos alimentos por conta da logística sobre rodas.

A preocupação, por outro lado, fica por conta da elevada taxa de juros, puxada pela incerteza do mercado financeiro quanto à eficácia do pacote de corte de gastos enviado pelo governo ao Congresso — uma alternativa para conter a dívida pública. A alta da Selic, hoje em 12,25%, onera principalmente  os mais pobres, que recorrem ao parcelamento para não sufocar ainda mais o orçamento mensal. Deixa também os juros do cartão de crédito mais pesados — condição propícia para o endividamento e a inadimplência.

O período de festas é usado, muitas vezes, para comemorar conquistas alcançadas durante o ano. Mas também é tempo para planejar o futuro, de olho em um 2025 melhor. O planejamento individual e das famílias também recai sobre o governo, que terá, no ano que vem, o desafio de tentar melhorar sua relação com o Congresso, com o mercado e com sua comunicação institucional, pontos criticados por muitos durante a primeira metade da gestão Lula 3.


 

 

 

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