O Globo
Respostas são necessárias para desatar os
nós, tempestivamente, por meio de discursos e ações fiscalmente responsáveis,
para assim evitar a materialização das altas de juros sinalizadas
O estresse dos mercados decorre apenas do
tímido pacote fiscal? Sem dúvida, ele foi o gatilho, mas há agravantes.
O contexto externo importa. O risco de uma
política monetária mais restritiva nos EUA, aliado à desaceleração em curso na
China, tem levado ao fortalecimento do dólar. Seu nível atual contra uma cesta
de moedas de países emergentes é superior aos dos primeiros meses da pandemia,
quando bateu recordes.
Claro que não é só isso. Estivéssemos nas mesmas condições internas das de dezembro de 2023, a cotação do dólar estaria na casa de R$ 5,30, e não acima de R$ 6.
Conforme a arriscada estratégia de expansão
fiscal do governo foi impactando a economia e as expectativas dos agentes de
mercado, assistimos as variáveis macroeconômicas se ajustando a um novo
equilíbrio, com taxas de inflação e de juros mais elevadas. Até aqui, nenhuma
novidade, incluindo a maior volatilidade da taxa de câmbio.
O que salta aos olhos é o pânico recente dos
mercados em meio à profunda crise de confiança no governo. Equivocadamente,
teme-se a repetição do governo Dilma, que dobrava apostas e não negociava com o
Congresso.
Diante de muitas perdas de riqueza
financeira, as condições técnicas do mercado se deterioram e movimentos de
manada se materializam. Mesmo aqueles com visão mais construtiva para a
economia acabam jogando a toalha e saindo de suas posições. Isso sem contar a
necessidade de reequilibrar o risco das carteiras de investimento.
Nesse contexto, os players de mercado se
tornam muito mais sensíveis a notícias ruins, enquanto notícias boas são
ignoradas. O terreno torna-se fértil para boatos e especulações de possíveis
medidas heterodoxas do governo, o que alimenta o pânico. Vale aqui pontuar que
a injeção de dólares das reservas internacionais no mercado cambial feita pelo
BC foi adequada para reduzir esses temores.
A crise instalada demanda manifestações
cautelosas do governo, o que não ocorreu. Se no ano passado já saiu caro a
crítica de Lula à política monetária e à meta de inflação de 3% — as
expectativas de inflação saltaram para acima da meta em todo período de Gabriel
Galípolo à frente do BC —, imagine agora o impacto da crítica aos juros altos
após a decisão do Copom. Pior, Lula afirmou “vamos cuidar disso”, ferindo a
ideia de autonomia do BC. Posteriormente, buscou corrigir dizendo que não vai
interferir, mas, naturalmente, sob muito ceticismo dos mercados.
Apesar do equívoco de fazer desabafos em
público, com elevado custo, há razões para incômodo.
Lula governou no passado sob a meta de 4,5% e
o BC cumpriu bem seu papel. Superada a fase inicial mais aguda de seu governo,
entre 2003-2004, na sequência de uma inflação de 12,5% em 2002, a meta foi
cumprida.
Por 14 anos a meta de inflação foi de 4,5%. A
partir de 2019, ela foi sendo reduzida em 0,25 ponto percentual a cada ano até
atingir 3%. Caberia, porém, uma estratégia mais gradualista, principalmente
depois da pandemia, consolidando a entrega da inflação na meta por alguns
(poucos) anos antes de partir para uma nova redução. Claro que, uma vez em 3%,
melhor não mexer, para não piorar as expectativas de inflação.
É compreensível, pois, a visão de Lula de que
não faz sentido um choque de juros para uma inflação “controlada”.
A política monetária agravou o quadro. Avalio
que a estratégia de choque de juros (alta de 1pp na Selic e a sinalização de
mais duas na mesma magnitude) acabou sancionando o pessimismo e o pânico — ora,
se o BC fez isso, é porque é sério mesmo e não haverá qualquer ajuste de rota
—, quando o momento pedia serenidade. Adicionou-se mais volatilidade nos
mercados e piora das expectativas de juros, câmbio e inflação, ao contrário do
pretendido. Nutriu-se o temor de dominância fiscal e de crise no mercado de crédito,
com grande impacto na saúde financeira das empresas e nos investimentos.
O mercado avalia que falta convicção e
compromisso com a disciplina fiscal de um governo que poderá se manter no poder
nas próximas eleições, o que impede de se enxergar a interrupção do crescimento
da dívida pública no futuro.
Respostas são necessárias para desatar esses
nós, tempestivamente, por meio de discursos e ações fiscalmente responsáveis,
para assim evitar a materialização das altas de juros sinalizadas. Uma mudança
de planos do Copom sem justificativa técnica convincente será mais lenha na
fogueira.
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